Caso Mari Ferrer

CNJ abre procedimento sobre conduta de juiz em caso de Mariana Ferrer

Caso ganhou repercussão ontem após jornal online divulgar detalhes da sessão de audiência onde advogado Gastão; sessão sobre estupro está sendo considerada ''tortura psicológica''

Com informações da CNJ e Estadão Conteúdo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
(Mariana Ferrer)

São Paulo - A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimento disciplinar ontem (3) para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, de Santa Catarina, que presidiu audiência de julgamento de um processo de estupro e permitiu que o advogado do réu atacasse a vítima, jovem de 23 anos. Na Reclamação Disciplinar 0009128-73.2020.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC.

A seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também notificou o defensor, Cláudio Gastão da Rosa Filho, para investigar possíveis desvios éticos do profissional. O empresário acusado de abuso sexual foi inocentado.

O pedido de abertura de reclamação disciplinar partiu do conselheiro Henrique Ávila, que disse ver sinais de "tortura psicológica" contra Mariana durante a audiência. Com o argumento de que a relação foi consensual, a defesa do empresário exibiu, na audiência, fotos sensuais feitas pela jovem antes do episódio, e sem qualquer relação com o fato. O advogado de Aranha, Cláudio Gastão, chegou a dizer que a menina tem como "ganha-pão" a "desgraça dos outros". Apesar das intimidações, o juiz não repreendeu.

O vídeo da sessão, que ganhou repercussão após ser divulgado pelo site The Intercept Brassil, mostra que em determinada altura da audiência, a jovem chegou a implorar ao magistrado por respeito. "Excelentíssimo, estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?".

"Causa-nos espécie que a humilhação a que a vítima é submetida pelo advogado do réu ocorre sem que o juiz que preside o ato tome qualquer providência para cessar as investidas contra a depoente. O magistrado, ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria sofrido repugnante abuso sexual", disse Ávila, que também destacou o fato de a vítima reclama de um tratamento que não é dado nem a acusados de crimes hediondos.

Entre as punições que podem eventualmente ser aplicadas pelo CNJ ao juiz estão advertência, censura, remoção compulsória, aposentadoria compulsória e demissão.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina disse apenas que também abriu investigação interna para apurar a conduta do magistrado na audiência.

O Caso

O caso ocorreu em dezembro de 2018, em Florianópolis, no camarote VIP de um beach club em Jurerê Internacional. A blogueira Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado. Ela tinha 21 anos e era virgem.

As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela.

O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.

A denúncia foi oferecida em julho de 2019 pelo promotor Alexandre Piazza, que deixou o caso após transferência voluntária. O promotor Thiago Carriço, que assumiu o caso, considerou jurisprudências apresentadas pela defesa apontando para falta de dolo (intenção). "Em que pese haver registro de possível recusa da vítima, tal se deu após a prática da relação sexual ou libidinosa, quando a vítima manda mensagem para uma amiga informando que 'não queria esse boy' ou quando a vítima, já em casa, relata não ter consentimento em praticar qualquer ato sexual."

Defesa e MP sustentaram que a jovem estava consciente durante o ato sexual - e não sob forte efeito de drogas -, portanto não haveria estupro de vulnerável. O juiz concordou que não poderia ser caracterizado como estupro de vulnerável.

O MP catarinense disse, porém, que a absolvição não foi baseada no argumento de "estupro culposo" (sem intenção), como afirmou o The Intercept, mas "por falta de provas de estupro de vulnerável". O advogado de Ferrer negou ao Estadão que a absolvição tenha sido por "estupro culposo" e disse que "essa figura jurídica não existe no Brasil".

Em nota, o advogado Gastão disse que os fatos "foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais", que apontaram "relação consensual" e "foi atestado que ambos estavam com a capacidade cognitiva em perfeito estado", conforme "peritos". Não comentou os ataques à jovem na audiência. Disse ainda que "estupro culposo" "não é terminologia jurídica", e que em nenhum momento o termo foi utilizado pelo juiz.

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