CNJ abre procedimento sobre conduta de juiz em caso de Mariana Ferrer
Caso ganhou repercussão ontem após jornal online divulgar detalhes da sessão de audiência onde advogado Gastão; sessão sobre estupro está sendo considerada ''tortura psicológica''
São Paulo - A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimento disciplinar ontem (3) para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, de Santa Catarina, que presidiu audiência de julgamento de um processo de estupro e permitiu que o advogado do réu atacasse a vítima, jovem de 23 anos. Na Reclamação Disciplinar 0009128-73.2020.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC.
A seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também notificou o defensor, Cláudio Gastão da Rosa Filho, para investigar possíveis desvios éticos do profissional. O empresário acusado de abuso sexual foi inocentado.
O pedido de abertura de reclamação disciplinar partiu do conselheiro Henrique Ávila, que disse ver sinais de "tortura psicológica" contra Mariana durante a audiência. Com o argumento de que a relação foi consensual, a defesa do empresário exibiu, na audiência, fotos sensuais feitas pela jovem antes do episódio, e sem qualquer relação com o fato. O advogado de Aranha, Cláudio Gastão, chegou a dizer que a menina tem como "ganha-pão" a "desgraça dos outros". Apesar das intimidações, o juiz não repreendeu.
O vídeo da sessão, que ganhou repercussão após ser divulgado pelo site The Intercept Brassil, mostra que em determinada altura da audiência, a jovem chegou a implorar ao magistrado por respeito. "Excelentíssimo, estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?".
"Causa-nos espécie que a humilhação a que a vítima é submetida pelo advogado do réu ocorre sem que o juiz que preside o ato tome qualquer providência para cessar as investidas contra a depoente. O magistrado, ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria sofrido repugnante abuso sexual", disse Ávila, que também destacou o fato de a vítima reclama de um tratamento que não é dado nem a acusados de crimes hediondos.
Entre as punições que podem eventualmente ser aplicadas pelo CNJ ao juiz estão advertência, censura, remoção compulsória, aposentadoria compulsória e demissão.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina disse apenas que também abriu investigação interna para apurar a conduta do magistrado na audiência.
O Caso
O caso ocorreu em dezembro de 2018, em Florianópolis, no camarote VIP de um beach club em Jurerê Internacional. A blogueira Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado. Ela tinha 21 anos e era virgem.
As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela.
O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.
A denúncia foi oferecida em julho de 2019 pelo promotor Alexandre Piazza, que deixou o caso após transferência voluntária. O promotor Thiago Carriço, que assumiu o caso, considerou jurisprudências apresentadas pela defesa apontando para falta de dolo (intenção). "Em que pese haver registro de possível recusa da vítima, tal se deu após a prática da relação sexual ou libidinosa, quando a vítima manda mensagem para uma amiga informando que 'não queria esse boy' ou quando a vítima, já em casa, relata não ter consentimento em praticar qualquer ato sexual."
Defesa e MP sustentaram que a jovem estava consciente durante o ato sexual - e não sob forte efeito de drogas -, portanto não haveria estupro de vulnerável. O juiz concordou que não poderia ser caracterizado como estupro de vulnerável.
O MP catarinense disse, porém, que a absolvição não foi baseada no argumento de "estupro culposo" (sem intenção), como afirmou o The Intercept, mas "por falta de provas de estupro de vulnerável". O advogado de Ferrer negou ao Estadão que a absolvição tenha sido por "estupro culposo" e disse que "essa figura jurídica não existe no Brasil".
Em nota, o advogado Gastão disse que os fatos "foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais", que apontaram "relação consensual" e "foi atestado que ambos estavam com a capacidade cognitiva em perfeito estado", conforme "peritos". Não comentou os ataques à jovem na audiência. Disse ainda que "estupro culposo" "não é terminologia jurídica", e que em nenhum momento o termo foi utilizado pelo juiz.
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