Tradição e costume

Sete décadas de atividade: rendeiras de Raposa e sua influência na economia

Rendeiras que tornaram conhecido o município pertencente à região metropolitana ainda preservam costumes e sua marca mais forte, o repasse do ofício por gerações

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

[e-s001]São Luís - Uma arte que remonta à tradição colonial brasileira, fixou raízes nas terras locais, e atualmente carece de incentivo e, principalmente, de visibilidade. A atividade das rendeiras, que tornou conhecido o município de Raposa – pertencente à Região Metropolitana de São Luís – ainda preservam costumes e a sua marca mais forte, o repasse do ofício por gerações.

No Maranhão, explicações históricas ajudam a entender o porquê do fomento do costume que, do bailar das mãos e habilidade em movimentar as peças no tempo e formato corretos (os chamados bilros, cuja importância será detalhada nesta reportagem), peças são confeccionadas, suscitando a curiosidade dos contempladores em entender de forma técnica como se chegou à determinada produção.

No entanto, em tempo de pandemia e determinações do poder público que, nos últimos meses, limitaram as atividades comerciais que dependem da relação presencial prestador de serviço e cliente, a produção das rendas também sentiu os efeitos negativos. Rendeiras mais antigas apontam que, antes mesmo do aparecimento do coronavírus, a modalidade já não era tão atrativa como fonte de renda.

O objetivo desta reportagem é justamente entender as razões da queda do faturamento. Para driblar a crise e a diminuição na oferta de consumidores presenciais, as rendeiras – assim como fazem nas suas produções – usam e abusam, no bom sentido, da criatividade. Uma das alternativas é usar a tecnologia a favor, para expandir o negócio.

Expor o contexto de momento da atividade das rendeiras na Raposa é, antes de mais nada, dar informações acerca do contexto social e histórico que envolve a prática artesanal.

Dos portugueses aos cearenses: como a atividade chegou ao Maranhão
Com forte ligação histórica, a atividade das rendas fixou-se no estado a partir do início da segunda metade do século XX. No entanto, era possível ver no mundo diversos locais em que a confecção de peças com base na técnica era rotineira.

De acordo com a peça acadêmica intitulada “Memórias Rendilhadas: Trajetórias e saberes das mulheres rendeiras de Raposa”, de Raphael da Mota Rios, em Portugal por exemplo, a produção das rendas de bilros (usados no trançado das rendas) atingiu seu esplendor nos séculos XVI e XVII. A concentração da atividade, ainda segundo a pesquisa, era no litoral, pela facilidade de acesso à matéria-prima e, principalmente, pela capacidade de escoamento e venda da produção.

Nas terras lusas, as rendas tinham como origem localidades famosas, como a Vila do Conde, Viana do Castelo, Nazaré, Peniche e Setúbal e as ilhas da Madeira e Açores.

No Brasil, com o processo de colonização forte entre os séculos XVII e XVIII, a partir das mulheres lusitanas de pescadores e de marinheiros, a arte das rendas dissemina-se pelo litoral nordestino e margens dos rios fixados no litoral, como o São Francisco.

Em Santa Catarina, região com forte ligação açoriana, há também registros à época da prática das rendas. O uso da técnica é semelhante à de hoje, com pontos no ar – sem um tecido disponível - cuja peça toma forma a partir dos trançados que, encadeados em determinada disposição e presos por uma extremidade a uma ponta do bilro, gera a fabricação do produto final.

No Maranhão, a interferência de um estado vizinho contribuiu para a disseminação da arte.

Primeiras rendeiras de Raposa
A partir das décadas de 1950 e 1960, o Maranhão entra na rota da produção de rendas no país. Uma atividade cujos primeiros registros, como já citados, se deram em estados com extensos litorais. No Nordeste, o Ceará até os dias atuais carrega a marca forte da atividade. Foi a partir do estímulo do estado vizinho que o Maranhão começa a ter suas “primeiras praticantes”.

Até o período antigo citado anteriormente, Raposa era apenas uma mera colônia de pescadores. Muitos deles ligados ao Ceará, cuja migração para terras maranhenses se deu pela busca por outra atividade. Em determinados períodos do ano em que a pesca não retornava de forma lucrativa como planejado, as mulheres rendeiras, que já produziam suas peças por “complemento de renda”, passaram a produzir em média e grande escala para auxiliar os esposos pescadores que sofriam com a escassez natural dos peixes.

Uma personagem marcante dos primeiros anos de rendeiras é Mestra Marivelha. Ela foi a primeira a vender rendas para fora da Raposa. Em pesquisa, O Estado encontrou registro histórico e fotográfico de Mestra Marivelha (no centro da imagem) em companhia de outras pessoas não-identificadas confeccionado na entrada de sua residência.

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Estima-se que a Raposa seja a primeira localidade do estado que registrou rendeiras. Com a expansão do município – anteriormente conhecido como apenas praia da Raposa pertencente a Paço do Lumiar e cuja emancipação se deu em 10 de novembro de 1994 – a atividade das rendas torna-se ainda mais conhecida.

Com o fortalecimento da atividade, a Raposa entra definitivamente na rota da produção das rendas. Um dos pontos marcantes é o surgimento do Corredor das Rendeiras.

[e-s001]Corredor das Rendeiras
Com a construção da rodovia que corta a cidade de Raposa, que facilitou a expansão e a ligação do município com o restante da Ilha e a partir da disseminação da atividade pela comunidade, as mulheres – cujo peso financeiro da produção das rendas passou a ser maior a partir da década de 1980 com as quedas sazonais no faturamento da atividade pesqueira – se concentraram no acesso principal da cidade, consolidando o surgimento de diversos pontos comerciais de venda dos produtos oriundos da técnica.

A grande concentração destes estabelecimentos nos arredores da rodovia gerou o chamado “corredor das rendeiras”. Estima-se que, em períodos fortes da economia local, mais de 50 pontos de venda de produtos estiveram instalados no trecho.

Atualmente, com os prejuízos causados em especial pela pandemia do coronavírus, mais da metade dos locais foi desativada. As responsáveis pelos pontos sobreviventes pensam em alternativas para manter a clientela fiel. Uma das soluções foi a inserção dos produtos em cadeia com as redes sociais.

SAIBA MAIS

A atividade das rendas quase sempre foi registrada como complemento das atividades da pesca, cuja prática era realizada em jangadas de piúba, uma madeira leve e cuja fabricação é feita pelo próprio pescador. Estas embarcações não continham nenhuma segurança ou conforto e os pescadores ficavam até seis ou sete dias em alto mar, e só retornavam quando consideravam a quantidade “boa” do pescado.

[e-s001]Espinhos de mandacaru

Foi a partir da iniciativa das mulheres rendeiras e suas marcas do sertão cearense que a atividade passou a ter um elemento muito visto na paisagem do agreste. No município da Raposa, as rendeiras têm total predileção pela utilização de espinhos extraídos do pé de mandacaru (cujo nome científico é Cereus jamacaru).

De acordo com as próprias rendeiras, os espinhos são de fundamental importância para a fabricação da peça a partir do bilro. Os espinhos são usados para prender a renda na execução e “malabarismo” das rendeiras. À medida que o tecido vai sendo confeccionado, mais espinhos são fixados na almofada seguindo uma espécie de diagrama perfurado.

Apesar de sua predileção entre as rendeiras da Raposa, existe uma restrição com relação à utilização dos espinhos de mandacaru na “Renda de Bilro”. Quando se faz necessário a rendeira realizar uma renda “fina”, sendo necessária a utilização de linhas mais delicadas, os espinhos precisam ser substituídos por alfinetes metálicos que possuem seções mais finas.

A tecnologia não substitui a habilidade das rendeiras

De acordo com as próprias rendeiras, são os bilros que sustentam as linhas que são rendadas. Para uma peça, a rendeira pode usar mais de 300 bilros, mas só quatro são trançados ao mesmo tempo. Diante de uma almofada, em que são fincados espinhos de mandacaru para fixar o papelão com os desenhos, a renda surge.

Chama a atenção ainda o tempo necessário para a produção de uma ou de peças específicas. Para uma toalha, ainda que com dimensões menores, é preciso quase uma semana de trabalho. Já para uma colcha de casal, são necessários três meses de dedicação.

Famílias de pescadores do Ceará que migraram para Raposa levaram o artesanato para a cidade.

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