Especial / O Estado

O dinheiro vem das águas: a rica atividade pesqueira de Raposa

Com uma rica cadeia produtiva, arte de comercializar peixes gera empregos e fomenta a renda de boa parte das famílias do município da Grande Ilha

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

[e-s001]O sol ainda nem raiou, às 4h, e pescadores da comunidade de Raposa – situada a 28 quilômetros da sede da capital, São Luís – saem diariamente do cais da localidade, para o mar, em busca de sua principal fonte de renda. Normalmente, são grupos de 10 a 30 embarcações, que, por conta própria, lançam suas redes na esperança de receber as bênçãos divinas e voltar para casa com vastos cardumes. Nas últimas semanas, O Estado vivenciou a rotina destes desbravadores das águas para entender a importância da atividade na manutenção de milhares de famílias.

Por dia, e dependendo da épo­ca do ano, são trazidos pelos pescadores do município de 800 a 1.500 quilos de peixe, sendo a maior parte da produção negociada com revendedores, comerciantes da região e empreendedores ludovicenses. A renda acu­­­mulada com a negociação da produção pesqueira serve não somente para a aquisição de alimentos pela população para consumo próprio como para ex­pansão, da atividade interna comercial. Em várias ruas do município de Raposa, é possível ver estabelecimentos comerciais do gênero alimentício e outros serviços gerados pela força da arrecadação a partir da pesca.

Após passarem horas, e em alguns casos semanas, nas águas das baías de São José e São Marcos, os pescadores atracam suas embarcações no cais do município. São dezenas de barcos e canoas, lado a lado, com volumes de peixes das mais diferentes espécies (sardinha, tainha, pescada, favinha e serra). Com cestas cheias e clientes à espera do “peixe fresco”, a negociação de grande parte do produto recolhido do mar é realizada ali mesmo no local de desembarque.

No caso dos grandes volumes de peixes, os revendedores negociam abertamente com o dono da embarcação ou com o “mestre” – referência dada ao profissional responsável pela embarcação durante a missão na água. Dependendo do que foi acordado entre dono do barco, “mestre” e cliente, a repartição do lucro é feita da seguinte forma: metade do valor fica com o proprietário da embarcação (que pode ter ainda 15% a mais da outra parte, dependendo do total recolhido). E o restante é repartido entre o “mestre” e os “parceiros”, que são os pescadores auxiliares que atuam na pesca embarcada.
O peixe mais procurado pelos clientes nesta época do ano é a pescada da “boca mole”. Em geral, o quilo do produto varia entre



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R$ 5,00 e R$ 25,00 e o valor depende da oferta. “Nos casos em que há mui­to peixe na mão dos pescadores, o preço cai. Mas em épocas em que a arrecadação costuma cair, a gente sobe o preço um pouco mais”, disse seu José Cândido, dono de embarcação em Raposa há mais de vinte anos.

Após a produção ser repartida entre clientes e revendedores, parte dos cardumes é levada e armazenada em isopores em frente ao cais para comercialização em menor escala (para consumo próprio). De acordo com os pescadores, nos meses de agosto e setembro, a arrecadação cai, já que o litoral maranhense registra predominantemente ventos com intensidade maior, o que, na visão dos profissionais, “espanta” os cardumes.

Após a “estiagem” comercial, os meses de novembro e dezembro costumam registrar nova elevação nas vendas (em alguns casos de até 30%). “Pois. vai começando a chover, e normalmente a gente tem mais peixe nesse período”, disse Manoel Antônio Cabral, ex-pescador embarcado e que atualmente faz a chamada “pesca de beira”.

[e-s001]Em agradecimento: peixes gratuitos para o povo
Assim que as embarcações chegam ao cais de Raposa, várias mulheres e alguns homens se aglomeram com várias sacolas de plástico no entorno. Preliminarmente, pode-se pensar que se tra­ta exclusivamente de uma aglomeração de clientes. No entanto, são representantes da população mais pobre do município que necessitam diariamente da “boa vontade” dos pescadores, que, em dias de alta pesca, repartem a produção com os moradores.

As sacolas seguem abertas e, entre o transporte com as mãos pelos pescadores da produção às cestas, uma parte é entregue aos residentes mais carentes da localidade. “Eu só como peixe, em algumas semanas, dada pelos meus amigos pescadores”, disse Maria do Socorro, de 43 anos, moradora da Raposa e mãe de dois filhos.

A repartição aos moradores, além de um gesto nobre, é ainda uma forma de agradecimento divino. “A gente agradece pela bênção de ter recebido, das águas e por presente de Deus, estes peixes que a gente usa pra ganhar nosso dinheiro tão suado”, disse Manoel Ribeiro do Nascimento, pescador há quase 40 anos.

Um pescador ajuda o outro
Pescador há mais de 30 anos, Raimundo Nonato está impossibilitado de trabalhar, pois sua embarcação está na “crena”, ou no conserto no linguajar dos pescadores.

Sem ter como arrecadar ou pegar uma produção para uso em casa, Raimundo recebeu nesta quinta-feira, 29, uma parte da produção de um dos donos de embarcação. “A gente tem que se ajudar. Se fosse eu, no caso, e um companheiro estivesse precisan­do, com certeza ajudaria também. Faz parte. A gente tem que agradecer ao nosso Deus pelas bênçãos de sair da água vivo e com peixe pra vender e consumir”, afirmou.

SAIBA MAIS

De acordo com o trabalho intitulado “Caracterização da Pesca Artesanal nos Municípios de Humberto de Campos e Primeira Cruz” - Maranhão, além de peixes, os sururus (Mytella falcata), os sarnambis (Anomalocardia brasiliana) e as tariobas (Iphigenia brasiliensis) são comuns no litoral maranhense, em especial, no território de Raposa. No município, aliás, a comercialização destes moluscos é feita por encomenda. Ainda segundo o trabalho, o sururu – até o início dos anos 2000 – aparecia em “considerável abundância” na região. No entanto, práticas predatórias da espécie levaram a uma “diminuição significativa” deste molusco.

Principais embarcações
Levantamento aponta ainda que, na costa maranhense, o tipo de embarcação mais dominante é a canoa a remo, representando neste caso um percentual médio de aproximadamente 44%, de acordo com dados do Estatpesca do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

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