Renascimento

Busca pelo "quase impossível": a luta de quem recebe ou ainda espera um órgão

Muitas pessoas ainda aguardam, com esperança, pelo gesto nobre de doação; quem conseguiu vencer a espera, conta a experiência

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Hélida Cristina ganhou rins e uma vida nova após ganhar rins novos
Hélida Cristina ganhou rins e uma vida nova após ganhar rins novos

São Luís - A indefinição e incerteza acerca da vida viram esperança e, principalmente, um recomeço quando um receptor que aguarda na fila de espera recebe o contato acerca de um doador de órgãos. Para quem já foi beneficiado com a doação, trata-se de uma “nova vida”, uma outra “data de aniversário”.

Mas para que este sonho se consume, além de vários requisitos serem obedecidos, é preciso também uma dose de sorte. Com o objetivo de minimizar o tempo de espera e, desta maneira, possibilitar a ampliação do número de pessoas beneficiadas, instituições e órgãos de saúde consideram o mês de setembro alusivo às ações de conscientização para a doação de órgãos.

O dia 27 de setembro é atribuído como referência nacional para a doação de órgãos. A data foi estipulada com base na Lei nº 11.584, de 28 de novembro de 2007, do Governo Federal, no entanto – para ampliar as ações de conscientização, são organizadas campanhas durante todo o mês para chamar a atenção das pessoas.

No Maranhão, ainda é considerado alto o índice de famílias que, mesmo com o consentimento do paciente, não autorizam a doação. Com a mudança da legislação, ainda que haja autorização por escrito ou oral, é requisito que os parentes os familiares referendem a doação, mediante interrupção do processo, que se inicia desde a comprovação (via testes clínicos) da compatibilidade do órgão, passando pela autorização familiar e encerrando com a verificação da habilitação do profissional que fará o procedimento.

Um dos o objetivos desta reportagem é contar quais passos devem ser seguidos para quem quer ser doador ou para quem busca um órgão, e ainda alertar para o quadro de doadores e transplantes no estado. O Maranhão tenta, há alguns anos, adquirir a habilitação via Sistema Nacional de Transplantes (SNT) para realizar o transplante cardiológico, porém, trata-se de um passo ainda longe de ser dado.

O Estado traz histórias de pessoas que tiveram a mente aberta e a solidariedade de pensar no próximo, em um momento de extrema dor, enviando uma parte de um ente querido para quem precisa. E também, a saga de quem ainda precisa manter a paciência da espera “que parece ser eterna”, por um órgão que significa a real diferença entre estar vivo ou não.

Voz que se propaga longe
Em 2012, ao receber o rim de um homem de 42 anos, considerado saudável, a radialista Hélida Cristina Silva Lima registrou o renascimento de sua vida. Ela colocaria ponto final na rotina constante de sessões de hemodiálise que durou 17 anos, até a oferta de um rim. Mas, até chegar a esse estágio, a perseverança, fé e vontade de vencer foram fundamentais para que a transplantada não desanimasse, diante das dificuldades no surgimento de um doador.

A descoberta de que seu corpo estava falhando foi a partir de uma interação e aparente disfunção integral dos órgãos. “Antes de entrar na fila de espera, meu corpo parou. Os médicos tiveram, à época, dificuldade para saber do que se tratava. Somente após exames e avaliação mais específica descobriram que estavam com falha no funcionamento dos rins. Era o começo de um capítulo dramático”, afirmou.

Neste momento, começava a corrida pela sobrevivência. Ao contar com a ajuda de amigos, Hélida Cristina conseguiu, via poder público, integrar a lista de pacientes beneficiados com as sessões de hemodiálise. Em pelo menos três dias por semana, durante quatro horas diárias, era necessário filtrar seu sangue, por meio de uma máquina. “Minha autoestima simplesmente despencou. Não conseguia fazer mais nada em minha vida. Minha pele ficou desidratada, enfim, comecei a me achar o pior dos seres”, afirmou.

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Família
Para Hélida Cristina, a ajuda da família foi fundamental. “Sem dúvida, os pais e pessoas mais próximas, nessa hora, são importantes, para te animar na hora de ir à sessão. Pensava por várias vezes em não ir fazer a hemodiálise, achando que simplesmente não adiantava. Mas era imprescindível o procedimento, sem dúvida”, disse.

O deslocamento até o local em que eram feitas as sessões e a permanência, muitas vezes solidária, na cadeira em que recebia o sangue de volta para o organismo, com a filtração que deveria ser feita por um rim saudável, jamais foram esquecidos. “Não tinha, em algumas situações, dinheiro para ir até as sessões. Era muito difícil”, afirmou.

Ligação milagrosa
Em 2012, Cristina recebeu a ligação mais marcante de sua vida. “Me disseram que haviam conseguindo um rim para mim. Nossa, só de pensar no que imaginei naqueles segundos posteriores, chego a me emocionar”, disse.

Após exames e verificação clínica da condição do órgão, Hélida Cristina foi operada. Ela é o resultado de um dos 28 transplantes executados, em 2012, no Maranhão. Número que sofreu queda, por exemplo, em relação ao ano anterior, 2011, quando foram registrados 45 transplantes de rim no estado.

Com o procedimento e anos mais tarde, a radialista precisa – além de fazer exercícios físicos com regularidade e manter a alimentação saudável – tomar diariamente dois tipos específicos de medicação. “São remédios que, pelo jeito, terei que tomar para sempre. Mas se for esta a condição para eu ter a felicidade plena, que eu pague o preço [risos]”, disse a agora bem-humorada transplantada.

Sem contato
Por questões éticas, especialistas da saúde não recomendam o contato entre o receptor do órgão e os familiares do doador. Antes de receber o rim, Hélida Cristina negou ofertas de três familiares por rins que seriam compatíveis.

“Não queria ter essa dívida com eles. Jamais conseguiria pagar por ela, simplesmente. Fora, que eu penso que a minha relação com os familiares que ofertaram o rim, incluindo a minha mãe, poderia não ser mais a mesma”, afirmou.

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Enorme coração da família
Era um dia comum na vida da família Assunção, em 2016, quando, em um acidente doméstico, o líder da família, Valdino Pereira, foi parar em um hospital, em coma induzido. Sem atividade cerebral, horas após a internação, a família esperou somente pelo pior e a confirmação do falecimento de um homem que sempre se dedicou a esposa, filhos e netas, os tratando como prioridade.

Diante do falecimento, a família de Valdino tomou a decisão de doar parte de seus órgãos. Os rins e as córneas foram recebidos rapidamente por receptores que, claro, ficaram muito agradecidos.

A filha de seu Valdino, Nadiana Soares Assunção, disse a O Estado que a decisão – além de respeitar o desejo do pai –era uma predisposição da família. “Entendemos que a doação é uma forma de transformar a dor em algo bom. É forma de ajudar muitas pessoas que precisam de um doador para continuar a viver. Hoje, temos a dor da saudade, mas a felicidade de saber que ajudamos a salvar vidas”, afirmou.

Ela afirmou ainda que, se fosse possível a cirurgia cardíaca no Maranhão, o órgão também seria disponibilizado. “Infelizmente, o procedimento ainda não foi aprovado. O que é uma pena, já que tantas pessoas precisam”, afirmou.

A procura continua
Sem revelar a identificação, o jovem H.S., de 27 anos, contou a O Estado que há seis anos começou a sentir fortes palpitações no coração. Ciente do problema, procurou médicos, fez exames que constataram um problema em uma das válvulas, que exigia repouso absoluto e cirurgia imediata.

Passado este tempo, H.S. entrou em uma fila de espera que parece ser eterna. Residente na capital maranhense, Ele já buscou contato em outros estados para conseguir um órgão em outras instituições de saúde. Sem sucesso, ele clama pela solidariedade.

“Peço a Deus, inicialmente, que este procedimento passe a ser feito na capital. Depois, que uma alma caridosa disponibilize um órgão, um coração saudável, para eu poder continuar a minha vida. Tenho fé em Deus que vou chegar lá e, em breve, vou poder contar a minha história de recuperação e vida saudável”, disse emocionado.

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