Opinião

Reconhecer-se durante isolamento

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

A quarentena, reclusão obrigatória imposta para tentar frear a corrida desenfreada do coronavírus no Brasil, a exemplo de outros países, tem trazido a tona algo que muitos não se apercebiam até aí. A falta de costume do convívio.

Porque é até relativamente fácil passar um fim de semana em casa, depois de trabalhar arduamente durante a semana.

No sábado, você só quer morgar, não fazer nada, deitar na cadeira do pai na frente da TV, tomar sua cerveja, comer besteiras, se alienar um pouco. Os filhos adolescentes estão trancados no quarto (graças a Deus!), a esposa colocou a roupa de trabalho da semana para lavar, estendeu e já passou. Agora, possivelmente, está no watts com as amigas. O filme acaba e você já está cochilando diante da tela, e ainda reclama porque não o chamaram.

No domingo, tem almoço especial. Tudo o que você queria para aproveitar bem o dia de folga. Os irmãos dão uma volta na sua casa. Uma cervejinha aqui, outra ali. A patroa faz um tira-gosto. Eles ficam para almoçar. Conversa vai, conversa vem.

Se despedem no meio da tarde. O trabalhador de folga volta a se refastelar na poltrona. É dia de futebol na TV.

O jogo está nos acréscimos e seu time ganhou. Vai ter foguetório daqui a pouco.

As notícias do programa noturno não interessam. Só se fala em violência, política e agora uma tal doença que está matando gente do outro lado do mundo.

Então, o jogo vira e a doença chega do lado de cá. Todo mundo preso em casa. Lojas fechadas, só os serviços essenciais funcionam. Seu trabalho não está neste rol. Empresa fechada. Vai receber no final do mês? Que Deus ajude!

Não aguenta mais comer a mesma coisa todo dia em casa. Saudades do self-service da firma. Por que a esposa reclama tanto que você não faz nada? Nos fins de semana não fazia e ninguém dizia nada. 'Vai levar lixo para fora!' (Que povo que produz lixo, meu pai!), 'Vai arrumar aquilo!', ' Conserta isso!', 'Eu posso escolher um filme também?' (Ela gostava de filme?).

Esses adolescentes passam muito tempo trancados no quarto, não é? Isso é normal?
Quanto tempo não conversava com a esposa? Já faz tanto tempo assim que aquela amizade acabou, por que não me disse? Fez curso online disso tudo? Chocado!

A barba do filho está crescendo. Quantos anos esse menino fez mesmo? Tira essa menina do quarto, toma esse celular da mão dela. Vai pegar sol que está transparente!

As famílias começam a se reconhecer aos poucos. A convivência imposta gera crise e memes na internet. E, pior, muitos já se identificam com eles. Como aquele que diz 'Décimo dia de quarentena, conversei com a minha esposa. Nunca imaginei que ela fosse tão legal assim!'

Seria cômico, se não fosse trágico, perceber que as pessoas moram na mesma casa, mas não conversam, não interagem, não se conhecem. Cada dia mais são estranhos dividindo espaços de dormitórios. Confio dados a apenas um bom dia, uma boa noite. A feliz convivência foi substituída pela pressa, a necessidade de se desdobrar em uma rotina atribulada para ganhar dinheiro, sustentar a todos e... não se conhecer.

Que os tempos ruins não sirvam para gerar sofrimento, mas para a reflexão, para saber um pouco mais sobre aqueles com quem você vive, a quem deu vida, e quem escolheu para viver ao seu lado. Que seja melhor aproveitada a quarentena. Que as pessoas se reconheçam.

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