De Ana Jansen a Maria Aragão, histórias de mulheres fortes em São Luís
Além de Apolônia Pinto, uma diva do teatro nascida e criada nas terras de São Luís, a capital apresenta outras mulheres corajosas e lutadoras que registram relação direta com a cidade
[e-s001]Se por um lado São Luís registra mais de quatro séculos de história, por outro, tratar de igualdade de gênero é limitar a história ludovicense para menos da metade deste período. As medidas de socialização do público feminino e voltadas para um empoderamento são registradas nas décadas de 1960 em diante. E somente foram possíveis graças aos esforços de representantes que, de forma ousada, buscaram combater os estereótipos e modelos pré-estabelecidos de comportamentos e valorização do papel da mulher.
Neste contexto, nomes como os de Ana Jansen e, principalmente, de Maria José Aragão, foram essenciais. Enquanto a primeira se caracterizou por sua ascensão social e tabus quebrados, a outra chocou pelo pensamento forte político e crença na aglutinação social para o crescimento da sociedade.
Ana Jansen, por sinal, já foi tema de O Estado. Em reportagem publicada na edição do fim de semana do periódico dos dias 26 e 27 de janeiro do ano passado, contou-se acerca do mito criado no entorno da história de Donana. Tudo começou quando Ana Jansen decidiu se casar com o coronel Isidoro Pereira até então “o homem mais rico de todo o estado do Maranhão”. Isidoro, antes do altar, era amante de Ana Jansen e, mesmo casado, teve com Donana três filhos. A então companheira do coronel não podia ter filhos e Ana Jansen, era responsável pela procriação.
Com a morte da esposa de Isidoro, Ana Jansen se uniu com o coronel que, após a oficialização da relação com Donana, faleceu. Foi neste intervalo histórico que Donana adquiriu, de fato, poder perante a sociedade e ganhou status. “Ela [Ana Jansen] já tinha uma rejeição grande, pelos seus costumes e opiniões. Só que desta vez é diferente e ela [Ana Jansen] passou a ter poderes que antes não tinha”, disse Marcos Ponts, descendente de Ana Jansen.
Devido à ascensão financeira, Ana Jansen acumulou propriedades, personificadas em moradias e escravos. Várias casas, até hoje, são registradas na Ilha no nome de Ana Jansen. Algumas delas, de acordo com os familiares, estão em bairros como Vinhais, Anil e outros. Um dos imóveis mais suntuosos e ligados à Donana está na Rua Rio Branco, no Centro.
Além dos casarões, Ana Jansen também herdou propriedades rurais. Devido à quebra nos padrões sociais (mulher amante e que constitui laços com um homem até então casado), Ana Jansen passa a ganhar peso na sociedade. Entre críticas e elogios pela desenvoltura e personalidade, Donana incorpora uma rede de conhecidos que a torna uma das mulheres mais famosas do estado.
A personalidade forte e a influência social atraíram ainda convites de grupos políticos. Em uma sociedade predominantemente imperial, voltada para os interesses da Corte, em especial, portuguesa, Ana Jansen decidiu fazer parte do lado contestador e agregou-se aos bem-te-vis (formada por opositores ao governo à época).
A família de Ana Jansen, inclusive, reconhece a versão de que a mesma participou da destituição de governos. Foi a partir daí que Donana passou a sofrer com perseguições. No auge do poderio financeiro, ela passou ainda a influenciar em guerras e contribuiu, por exemplo, com a Guerra do Paraguai, considerado o maior conflito armado da história da América do Sul.
A luta política, a construção de uma imagem de mulher desenvolta e, principalmente, a fama para muitos de “tirana” a tornaram uma verdadeira lenda. A ponto de, anos após o seu falecimento, ter sido construído o mito de que a carruagem de Ana Jansen, com supostos cavalos com cabeças de fogo, percorrer as vias do Centro Histórico em noites de lua cheia.
Atualmente, além do conhecimento da lenda e da história de vida, a ligação da cidade com Ana Jansen é a via que leva o seu nome. O acesso, que começa no retorno das avenidas Colares Moreira e Marechal Castelo Branco, segue até a Lagoa da Jansen. Na avenida Ana Jansen, estão fixadas as sedes do Grupo Mirante e de O Estado.
[e-s001]Maria Aragão, a médica e a luta por igualdade
No dia 10 de fevereiro de 1910, no povoado Engenho Central (que atualmente é a cidade de Pindaré-Mirim, a 250 quilômetros de São Luís), nascia uma criança cuja descendência africana representava o prazer pelos ideais de luta e igualdade sociais. A história de Maria José Camargo Aragão se mistura com um período histórico de transformações e opressão política que fizeram a personalidade de Maria exacerbar, a ponto de ser presa por três vezes sob o argumento de que era perseguida (de acordo com estudiosos de sua biografia).
O pai de Maria, Emídio Aragão, era descendente de uma negra africana, vinda como escrava da África. Já a mãe, Rosa Camargo Aragão, também lutou muito para a criação dos seus filhos. O pai de Maria Aragão, inclusive, dizia o seguinte: “Rosa [mãe de Maria], filho de pobre não estuda na cidade, estuda por aqui mesmo, tanta criança que estuda por aqui”, dizia ele.
Enquanto o pai era do lado “conformado”, a mãe de Maria Aragão dizia: “De fome, ninguém morre”. A inconformidade da mãe em relação à condição social foi passada para Maria, tanto que a família, com esforços, buscou novas perspectivas.
Do Engenho, a família muda-se para Codó, onde Maria estudou com uma professora chamada Filomena Moreira. Já em São Luís, Maria Aragão completa o curso primário no colégio Sotero dos Reis.
Após a família fixar residência no Codozinho, em São Luís, Maria Aragão passa no “Lyceu” Maranhense, conforme demonstra a publicação do Diário de S. Luiz, que aponta a aprovação dela e de outras jovens da época, como Rosa Amélia Muniz, Thomasia de Melo Pinheiro e Enna Costa Pereira.
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“Lenha verde, pouco aprende Maria!”
As palavras de dona Rosa Camargo, mãe de Maria, enfatizam a importância que a família dava para os estudos da ilustre personagem maranhense, que se recusava a ir para o recreio na escola, por exemplo, para estudar os mapas globais no quadro negro. “Eu era considerada brilhante, porque prestava muita atenção. Tomava nota das coisas e transmitia para os meus colegas. Meu lugar era na frente, era sagrado, ninguém sentava ali”, disse Maria Aragão, em frase citada na publicação, datada de 2005 que fez referência aos 95 anos da médica, caso estivesse viva.
Em 1934, Maria Aragão chega ao Rio de Janeiro para estudar medicina. Entre 1935 e 1937, o curso transcorreu normalmente, até o golpe impetrado pelos aliados do ex-presidente Getúlio Vargas. Nesta ocasião, nomes como Joaquim Mochel, Luís Lobato, Amorim Praga, ligados à simpatizantes do comunismo, passaram a ter mais contato direto com Maria. Anos mais tarde, Maria se filia ao partido comunista.
Nem mesmo a primeira gravidez de Maria Aragão a afastou do lado político. Em 1951, após associar atividade política com a carreira profissional, vem o primeiro choque. De acordo com o jornal “O Combate”, de 8 de outubro de 1951, Maria Aragão foi presa pela primeira vez um dia antes, em 7 de outubro (um domingo), no Rio.
Segundo o exemplar, Maria seria remetida ao Maranhão na terça seguinte, em 9 de outubro de 1951. De acordo com o periódico, com Maria, foi encontrado “em poder da correligionária de Prestes, farto material subversivo e grande documentação comprometedora”. Na edição do dia 10 de outubro, o próprio “O Combate” publicou artigo de Vilela de Abreu repudiando a prisão. Segundo ele, não havia fundamentação no procedimento.
Ainda em “O Combate”, no dia 13 de outubro de 1951, Maria Aragão permanecia presa. De acordo com o título, a médica “sem flagrante”, ainda era mantida sob cárcere. Os autos do habeas corpus de Maria Aragão estavam sob poder de Costa Fernandes Sobrinho. A mobilização contra a prisão da médica era tamanha que a classe médica apelou para o Supremo Tribunal Federal. O documento fora assinado por 48 profissionais.
Maria Aragão deixa a prisão no Natal de 1951. A segunda prisão é registrada em 1964, início do período da ditadura militar. Segundo a médica, efetuaram a prisão dois soldados, sendo um sargento e dois oficiais, todos armados. “Fui à janela do meu sobrado, na Rua de São Pantaleão, em São Luís, e fiz um violento discurso. O chamei de covardes”, afirmou Maria.
A última prisão de Maria Aragão ocorre em 17 de maio de 1973 e fora efetuada, de acordo com pessoas próximas à militante política, pela Polícia Federal. “Estavam todos a paisanae sem armas. Um deles apresentou uma ordem de busca”, citou Aragão.
As prisões, ao contrário do que se planejava, ampliaram a imagem de revolucionária de Maria Aragão. “Maria Aragão foi uma mulher que, de fato, esteve a frente de seu tempo. Sua história e luta no cotidiano, além de seu espírito solidário, a fizeram uma personagem histórica” disse a O Estado Franklin Douglas, pesquisador e estudioso da vida de Maria Aragão.
Mesmo com as prisões, Maria Aragão mantinha a agenda de médica com as obrigações políticas. Viagens para países como União Soviética, por exemplo, foram rotina. Em 21 de junho de 1990, Maria Aragão recebeu a Medalha Manoel Bequimão das mãos do presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Ivar Saldanha. No ano seguinte, em 23 de julho de 1991, Maria falece, mas uma multidão de fãs e admiradores da biografia e personalidade da médica permanecem.
A Praça Maria Aragão é a marca da médica na cidade. O projeto, feito por Oscar Niemayer, foi entregue em 2004 e, além do espaço público atualmente usado para shows, eventos culturais e de culinária, também apresenta o memorial, com itens da vida e obra da homenageada. O busto de Maria Aragão, fincado na área externa da praça, foi retirado após ameaça de vândalos e encontra-se em exposição no memorial.
[e-s001]195 anos de Maria: a Firmina que firmemente orgulha as mulheres
A ludovicense Maria Firmina dos Reis é daquelas personagens que, em países com outra acepção cultural, seriam louvadas diariamente. A escritora, professora e revolucionária nasceu em 11 de março de 1825. Os 195 anos de seu nascimento devem passar despercebido pela maior parte da população, mas boa parte da luta contra a escravidão e igualdade de classes, por exemplo, se deve à ela.
Aos 22 anos, após formação primária, vence o concurso público na cidade de Guimarães (MA). Durante grande parte de sua vida, dividiu-se entre duas paixões: a docência e a escrita. Mulher inteligente, atuou como folclorista e compositora e é autora do Hino de Abolição da Escravatura.
Como romancista inaugural, teve duas grandes publicações: Gupeva, de temática indianista publicada em 1861 e Úrsula, publicada dois anos antes, em 1959. Este último configura-se como o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira.
Em São Luís, uma das principais referências à escritora é o Centro de Ensino Maria Firmina dos Reis, no bairro Cohama. Na entrada da unidade, um busto lembra a sua obra. Além disso, a biblioteca da escola é chamada pelo nome da obra famosa.
Para o diretor da unidade, Waldenê Costa, Maria Firmina foi uma mulher cuja cultura ia de encontro à configuração social vigente. “Maria Firmina foi uma mulher à frente de seu tempo e rompeu a barreira do preconceito, fundamentado no racismo e machismo. Ela deu ao mundo um romance que provou que a busca pelo conhecimento independe de barreiras físicas”, afirmou.
Maria Firmina dos Reis faleceu em Guimarães, em 1917, aos 92 anos, pobre, cega e esquecida. No entanto, apesar disso, suas obras eternizaram o seu nome.
De escrava à senhora “respeitada”: dona Catarina Rosa “Mina”
O historiador e escritor Domingos Vieira Filho, ao citar a peculiaridade de logradouros públicos de São Luís, cita o beco que leva o nome de uma mulher também revolucionária. Catarina Rosa Pereira de Jesus, ou Catarina Mina, passou de explorada à respeitada.
Pouco se sabe ou tem conhecimento acerca de sua história. Oficialmente, Catarina teria sido uma ex-escrava e que, após herdar uma fortuna e comprar sua liberdade, torna-se uma das personagens mais famosas de uma sociedade ainda enraizada com os traumas da exploração humana.
O escritor Antônio Guimarães, em “São Luís, Memória e Tempo”, afirma que Catarina Mina,por sua ascensão social, ganhou notoriedade e conseguiu fazer-se lembrada. “Neste trecho da cidade, predominou o poder português. Neste contexto, Catarina ganhou destaque, tanto que fora lembrada para o nome de um dos importantes acessos das produções comerciais na cidade”, disse o escritor.
O acesso, formado por 33 degraus e que leva o nome de Catarina Mina, é frequentado por boêmios e recebe ateliês, bares e sorveterias.
[e-s001]Orgulho “marrom”: a marca de Alcione na cultura maranhense
A cultura maranhense, com suas manifestações peculiares, também deve parte de sua fama à representatividade adquirida com talento e perseverança por Alcione. Nascida em São Luís do Maranhão, Alcione (quarta filha dos nove do casal João Carlos e Felipa) formou-se professora. Em 1967, muda-se para o Rio de Janeiro (RJ) e logo caminha para a música, com participações em festivais, programas de rádio e outros canais.
A “marrom” - como é conhecida – levou a marca do estado do Maranhão para mais de 30 países. Com canções inesquecíveis de sua autoria, e álbuns marcantes, como “Gostoso Veneno”, de 1979, Alcione ganha 25 discos de ouro, 7 de platina e um DVD de platina, a “marrom” eterniza-se como marco e referência, ganhando homenagens do poder público.
Em 2003, a capital maranhense ganha o Elevado Alcione Nazaré (ou Elevado dos Franceses), na avenida dos Franceses. Com 480 metros de extensão e R$ 7 milhões aplicados, a estrutura é uma das de maior fluxo na cidade e que chancelam a importância de Alcione para a nossa São Luís. A O Estado, Alcione (que voltou recentemente de uma turnê na Europa) enfatizou a importância da família para ter ciência do valor da mulher na sociedade.
“Não trago marcas de chicote nas costas e aprendi, desde cedo, a não depender de homens para sobreviver. Toda mulher tem que se provar muito boa no que faz, pois estamos sujeitas o tempo todo a comparações. Eu não fui exceção, infelizmente”, disse. A cantora deixa uma mensagem para as mulheres. “Continuem a ser guerreiras que sempre foram, a lutar por seus direitos. Nenhuma mulher quer ser igual aos homens. Queremos na verdade igualdade de direitos, ser reconhecidas e não discriminadas por sermos mulheres. Além disso, gostaria de frisar: denunciem! Não deixem se intimidar!”, finalizou.
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