Família real

''Megxit'' e ''Brexit'' trazem paralelo incômodo para o Reino Unido

Dividido pela decisão de sair da UE, país volta a rachar diante do casal real que quer deixá-lo; comentaristas estão comparando o desligamento iminente de Harry, Meghan e a família real à promessa de Boris Johnson, de concluir o Brexit

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Harry e Meghan anunciaram seus planos de deixar o Reino Unido e morarem na América do Norte durante metade do ano
Harry e Meghan anunciaram seus planos de deixar o Reino Unido e morarem na América do Norte durante metade do ano (Reuters)

LONDRES — Tudo começou com o slogan "Megxit", uma peça inteligente criada por um editor do tabloide depois que o príncipe Harry e sua mulher, Meghan, anunciaram seus planos de deixar o Reino Unido e morarem na América do Norte durante metade do ano.

Continuou com uma brincadeira de que o Palácio de Buckingham está buscando um acordo de livre comércio com o Canadá para agradar o casal, em alusão ao acordo comercial que o Reino Unido gostaria de fechar com a União Europeia depois de deixar o bloco em 31 de janeiro.

E agora, enquanto a família real luta para chegar a um consenso com o casal e deixar o assunto para trás, comentaristas estão comparando o desligamento iminente de Harry, Meghan e a família real à promessa do primeiro-ministro, Boris Johnson, de concluir o Brexit. Isso porque a saga Harry-e-Meghan também tem se desenrolado de forma estranha — mas muito mais interessante que a saída do Reino Unido da União Europeia.

Com a tempestade do Brexit temporariamente acalmada pela vitória eleitoral de Johnson em dezembro, mas longe de resolver os problemas econômicos e sociais do país, o badalado casal real se tornou um símbolo oportuno, permitindo que as pessoas discutam sobre raça, classe, gênero e identidade nacional.

"Com o Brexit, o Reino Unido está optando por deixar a União Europeia", disse Meera Selva, diretora do Programa de Bolsas de Jornalismo Reuters da Universidade Oxford. "Com o Megxit, existe a indignação por alguém estar escolhendo deixar o Reino Unido. É uma mensagem que o país não quer ouvir agora".

Enquanto o drama de Harry e Megan se desenrola em manchetes e milhares de novos comentários, reaparecem as mesmas questões que animaram o debate do Brexit. Que tipo de sociedade o Reino Unido quer: aberta ou fechada, cosmopolita ou nacionalista, progressista ou tradicional?

O debate, assim como o Brexit, revela divergências políticas e geracionais. Jovens e progressistas, muitos dos quais votaram para permanecer na União Europeia, tendem a ser mais simpáticos ao príncipe e sua mulher americana. Idosos, mais conservadores, que são a maioria dos que votaram para sair da União Europeia no referendo de 2016, tendem a ser mais críticos ao casal e defensores da rainha Elizabeth II.

Onde os apoiadores de Harry e Meghan veem uma família transatlântica e multiétnica buscando refúgio de uma imprensa vingativa e das tradições ultrapassadas da família real, críticos veem um casal egoísta que quer os benefícios da família real sem assumir as responsabilidades, trocando a rainha e o país pela magia de Hollywood.

Namoro com a imprensa

Os críticos são particularmente duros com a duquesa de Sussex, como Meghan é formalmente conhecida. Uma atriz de TV divorciada, filha de pai branco e mãe negra, Meghan Markle conheceu Harry por meio de amigos em comum em Londres, em julho de 2016, um mês após o Reino Unido votar pela saída da União Europeia. O romance entre eles avançou justamente num período de intenso debate sobre imigração e identidade nacional no país.

" Meghan Markle representa mudança devido à sua herença étnica, mas também por seu feminismo, ativismo e independência, por ser dona de ideias bem delineadas sobre sua autonomia e identidade", disse Afua Hirsch, professora de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia e autora do livro "Brit(ish): on race, identity e belonging" (Britânico: sobre raça, identidade e pertencimento). "Ela apareceu em um momento em que o Brexit encorajou pessoas a defender uma identidade nacional e o retorno ao passado imperial do Reino Unido", continuou Hirsh. "Não é surpresa que isso tenha desencadeado uma reação realmente hostil".

Para muitos ingleses, no entanto, o casamento de Harry e Meghan — com seu coro gospel cantando "Stand by me" e o bispo Michael Curry, de Chicago, citando o reverendo Martin Luther King em seu sermão descontraído — transmitiu uma mensagem arrebatadora sobre o potencial de um forasteiro sacudir uma instituição centenária.

Mas então vieram os relatos de que a duquesa estava infeliz com a nova vida e quase não falava com os sogros. A relação do casal com a imprensa, que começou bem, rapidamente azedou. Os jornais os criticaram por voar em jatinhos particulares e restringir o acesso ao filho recém-nascido, Archie.

A duquesa entrou com uma ação legal contra um dos jornais, o Mail on Sunday, por publicar uma carta que ela enviou ao pai, Thomas Markle. Agora, ela enfrenta a possibilidade de ter o pai como testemunha de defesa no caso, já que foi o próprio Thomas que permitiu a divulgação do conteúdo, sob a justificativa de contar sua versão dos fatos.

Família real mais simplificada

Harry e Meghan falaram esperançosos sobre desempenhar "um novo papel progressista dentro dessa instituição". Ao final, a duquesa, que retornou ao Canadá após o anúncio do rompimento com a Coroa, nem mesmo participou por telefone do conclave da família real em Sandringham, a casa de campo da rainha, para discutir o futuro do casal.

Pessoas ligadas ao palácio disseram que a rainha espera chegar a um acordo dentro de alguns dias sobre qual será a condição do casal nesse meio tempo e como eles poderão financiar a si mesmos. O objetivo é que a realeza volte aos negócios, como de costume. Críticos notaram que o palácio, assim como o governo Johnson com o Brexit, espera fazer um problema complicado sumir com um simples pedaço de papel.

Ainda assim, num tempo em que o Reino Unido está rejeitando a União Europeia, a monarquia e seus símbolos de identidade nacional podem exercer mais atração do que nunca. Britânicos, por exemplo, estão ocupados debatendo se o governo deveria pagar centenas de milhares de libras para tocar o sino do Big Ben, que está passando por reformas, para marcar o momento formal em que o país deixará a UE em 31 de janeiro.

Críticos notaram também que o mesmo Partido Conservador que criou o Brexit alimentou o desejo de um Reino Unido imperial. Harry e Meghan, entretanto, estão acelerando o movimento no sentido de uma família real mais simplificada — do tipo que é encontrada em países menores da Europa, como a Holanda e a Bélgica.

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