Reação

Parlamento do Iraque aprova expulsão de tropas estrangeiras do país

Minorias sunita e curda do país temem que a expulsão da coalizão liderada pelos Estados Unidos deixe o território vulnerável à insurgência de militantes

Daniel Matos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Milhares de pessoas participam do funeral de o comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani, morto em ataque norte-americano em Bagdá, capital do Iraque
Milhares de pessoas participam do funeral de o comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani, morto em ataque norte-americano em Bagdá, capital do Iraque (Tensão no Oriente Médio)

BAGDÁ - O Parlamento do Irã aprovou neste domingo uma sugestão do primeiro-ministro de que todas as tropas estrangeiras devem deixar o país, após os Estados Unidos terem matado o comandante militar iraniano e o líder de uma milícia iraquiana em Bagdá.

Segundo o governo xiita, que é próximo ao Irã, a resolução aprovada ema sessão extraordinária do Parlamento deve cancelar o pedido de assistência de uma coalizão liderada pelos EUA.

“Apesar das dificuldades internas e externas que podemos enfrentar, ainda é melhor para o Iraque em princípio e praticidade”, disse o primeiro-ministro interino, Adel Abdul Mahdi, que renunciou em novembro em meio a protestos nas ruas.

A sessão foi convocada após um ataque que matou o comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani, arquiteto do projeto iraniano de aumentar sua influência na região, e o líder de milícia iraquiano Abu Mahdi al-Muhandis.

Políticos xiitas rivais, inclusive os que se opõem à influência do Irã, uniram-se em pedir a saída das tropas dos EUA, e o eventual sucessor de Abdul Mahdi deve ter a mesma visão.

Mas um legislador sunita afirmou que as minorias sunita e curda do Iraque temem que a expulsão da coalizão liderada pelos Estados Unidos deixe o país vulnerável à insurgência de militantes, minando a segurança e dando mais poder às milícias xiitas apoiadas pelos iranianos.

A maioria dos legisladores sunitas e curdos boicotaram a sessão especial do Parlamento, e os 168 presentes superaram em apenas três cabeças o quórum exigido.

Congressistas da milícia Asaib Ahl al-Haq, apoiada pelo Irã e que o departamento de Estado norte-americano vai passar a tratar como uma organização terrorista, carregavam retratos de Soleimani e Muhandis. Em vários momentos, os próprios parlamentares entoaram cânticos contra os EUA.

Apesar das décadas de animosidade entre o Irã e os Estados Unidos, as milícias e as tropas dos EUA lutaram do mesmo lado na guerra contra o Estado Islâmico, que durou de 2014 a 2017.

Cerca de 5 mil soldados norte-americanos permanecem no Iraque, a maioria em funções não combativas.

Hadi al-Amiri, favorito a suceder Muhandis, também pediu a saída das tropas dos EUA em procissão de funeral pelos mortos no ataque. Na cidade petrolífera de Basra, dezenas de manifestantes se juntaram perto de uma instalação na empresa norte-americana Exxon Mobil para condenar o ataque.

Dezenas de cidadãos norte-americanos trabalhando para petrolíferas em Basra deixaram o país na sexta-feira, após a embaixada ter pedido que todos os cidadãos saíssem da nação imediatamente.

No Iraque, muitos protestos desde outubro exigem uma mudança completa do sistema político. Eles vêem as elites políticas como subservientes aos EUA e ao Irã.

Trump ameaça atingir 52 alvos iranianos

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse, por meio de sua conta no Twitter, que se o Irã cumprir a ameaça de vingar a morte do general Qassem Soleimani, a resposta militar será “rápida e forte”, contra 52 alvos iranianos.

O número, segundo Trump, representa os 52 funcionários da embaixada dos EUA em Teerã, que foram feitos reféns durante invasão em 1979.

“O Irã está falando muito ousadamente sobre atingir certos alvos dos EUA como vingança por livrarmos o mundo de seu líder terrorista que acabara de matar um americano e ferir gravemente muitos outros, sem mencionar todas as pessoas que ele matou ao longo de sua vida, incluindo recentemente centenas de manifestantes iranianos”, disse Trump em seu Twitter.

Segundo o presidente norte-americano, o Irã há anos não passa de problema para os EUA. “Que isso sirva de alerta de que, se o Irã atingir qualquer americano ou ativos americanos, teremos como alvo 52 alvos iranianos (representando os 52 reféns americanos feitos pelo Irã há muitos anos), alguns deles de nível muito alto e importante para o Irã e para a cultura iraniana. Esses alvos e o próprio Irã serão atingidos rapidamente e com muita força”, acrescentou.

Trump afirma que seu país não aceitará mais ameaças e que revidará qualquer ataque que possa partir do Irã. “Se eles atacarem novamente, o que recomendo fortemente que não façam, nós os atingiremos com uma força jamais vista por eles”.

“Os Estados Unidos gastaram US$ 2 trilhões em equipamento militar. Somos os maiores e, de longe, os melhores do mundo! Se o Irã atacar uma base americana ou qualquer americano, enviaremos alguns desses equipamentos novos e bonitos em sua direção... e sem hesitação!”, completou.

Desde ontem (4), milhares de pessoas participam, em Bagdá, no Iraque, do início das cerimônias fúnebres de Qassem Soleimani com gritos de guerra e palavras de ordem de "morte à América". Em Khadhimiya, norte da capital iraquiana, outros milhares de pessoas se reuniram em um famoso santuário xiita para participar das cerimônias fúnebres.

Em pronunciamento feito na noite do dia 3, Trump disse que o ataque que resultou na morte do general Qassem Soleimani foi uma ação para parar e não para começar uma guerra. O presidente norte-americano classificou Soleimani como “o terrorista número 1 do mundo” e disse que o iraniano estava planejando ataques terroristas contra diplomatas e militares norte-americanos.

Também por meio de sua conta no Twitter, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, postou que o país vai “honrar a memória do Major Soleimani” e declarou três dias de luto. O presidente da República Islâmica do Irã, Hassan Rouhani, acrescentou que a “resistência contra os excessos dos Estados Unidos vai continuar” e que “o Irã vai se vingar deste crime hediondo”.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zariff, afirmou que o “ato de terrorismo internacional” dos Estados Unidos, a força mais efetiva de luta contra o Estado Islâmico, é “extremamente perigoso e uma escalada tola”. O chanceler completou que os EUA são responsáveis pelo seu comportamento “aventureiro”.

O primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdul Mahdi, condenou o ataque, classificando-o de uma “agressão ao Iraque, ao Estado, ao governo e ao seu povo”, bem como uma violação da condição das forças dos Estados Unidos no país.

Representantes do governo russo criticaram o ato e manifestaram apoio ao Irã. O diretor do Conselho da Europa para Relações Exteriores, Carl Bildt, apontou que a situação enfraquece o Iraque e faz o país mais propenso à atuação de grupos terroristas, como o Estado Islâmico.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, manifestou preocupação com a situação e advogou pela redução do aprofundamento dos conflitos no Golfo. “Este é um momento em que líderes devem exercitar sua cautela. O mundo não pode permitir uma nova guerra no Golfo”, pontuou.

O ministro das Relações Exteriores do Canadá, François-Phillipe Champagne, divulgou nota em tom semelhante na qual convoca os governantes dos países envolvidos “de todos os lados” para não permitirem a escalada do conflito. “Nosso objetivo continua sendo um Iraque estável e unido”, continuou, acrescentando que o país possuía preocupação com a atuação do general iraniano na região.

Entenda o caso

Comandante de alto escalão da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani foi morto no dia 2 de janeiro nos arredores do aeroporto de Bagdá. Soleimani era o comandante da unidade de elite Força Quds, uma brigada de forças especiais responsável por operações militares extraterritoriais do Irã que faz parte da Guarda Revolucionária Islâmica.

O governo dos Estados Unidos justificou a ação afirmando que as Forças Armadas do país “agiram preventivamente de forma decisiva, matando Qassem Soleimani para proteger os indivíduos americanos no exterior".

O presidente Donald Trump ordenou a morte do comandante da força de elite iraniana Al-Quds, general Qassem Soleimani, anunciou o Pentágono em um comunicado. Na nota, o Pentágono disse que Soleimani estava "ativamente a desenvolver planos para atacar diplomatas e membros de serviço norte-americanos no Iraque e em toda a região".

Crise no Oriente Médio deve provocar aumento de combustíveis

O assassinato do general Qassem Soleimani, da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, na quinta-feira (2) em Bagdá (Iraque), após ataque aéreo dos Estados Unidos, aumentará a tensão em uma região marcada há décadas por instabilidade.

Em curto prazo, o novo episódio de conflito no Oriente Médio vai provocar aumento do preço do petróleo, como previu o presidente Jair Bolsonaro e volatilidade no mercado financeiro, mas esse quadro não deverá se estender, conforme especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

De acordo com o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Mattar Nasser, livre docente com tese sobre a geopolítica norte-americana no Oriente-Médio, o Irã não vai revidar. “Eles não vão entrar em guerra. Não fazem também porque a assimetria militar é muito grande. O Irã não tem condição de entrar em guerra nem com Israel, muto menos com os Estados Unidos”.

“Eles não agem de forma intempestiva como se constrói aqui no ocidente. Agem de forma muito prudente, muito pensada, em médio e longo prazo. É improvável que ajam em um ataque aéreo ou em bateria militar. Nunca fizeram e não é agora que vão fazer. O Irã vai ser ainda mais precavido e não vai haver contra-ataque”, assinala.

Em sua opinião, a iniciativa dos EUA vai gerar coesão interna entre os grupos políticos do Irã, e vai aumentar a influência do país na região como ocorreu em outros momentos beligerantes na região. “Nos anos de guerra no Afeganistão e no Iraque, o Irã aumentou a influência política, militar e econômica na região. Ele cresceu à medida que seus vizinhos enfraqueceram, inclusive por causa das intervenções norte-americanas”, descreve Nasser.

O professor chama atenção que o general iraniano assassinado pelos americanos, era considerado “low-profile” e “não era terrorista”. Conforme o acadêmico, Qassem Soleimani defendia as estratégias do Irã de combater o Estado Islâmico e o Taleban.

Território protegido e estoques garantido

Reginaldo Nasser afirma que o aumento de tensão na região não afeta a segurança do território norte-americano, a única exceção na história dos EUA foi o atentado de 11 de setembro de 2001.

Se em termos militares os Estados Unidos mantêm segurança, por causa da distância do território e da superioridade bélica em relação a outros países, em termos econômicos o episódio contra o Irã também terá poucas consequências. Quem acrescenta essa avaliação é de Jorge Camargo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e hoje vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“Os Estados Unidos tornaram-se autossuficientes e exportadores de petróleo e gás. Em dez anos, os norte-americanos aumentaram a produção de petróleo em 10 milhões de barris [por dia], o que é equivalente a uma Arábia Saudita”, contabiliza Camargo. Segundo ele, essa capacidade de produção de petróleo, especialmente a partir do xisto, “serve como colchão.”

O mercado mundial de petróleo “está abastecido”, descreve Camargo, a ponto de a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) recentemente ter decido retirar 2 milhões de barris de petróleo por dia de circulação e os preços do petróleo terem oscilado por pouco após o ataque de drones na principal refinaria da Arábia Saudita em setembro passado, “aquilo praticamente não mexeu no preço do petróleo.”

Conforme o especialista, o Brasil também “não corre risco de desabastecimento”. O país, no entanto, sofrerá impacto com o aumento já previsto do preço do combustível. Ele não sabe quando ocorrerão os ajustes nas refinarias e, consequentemente, nas bombas de diesel e de gasolina.

Clima positivo de mercado

Jorge Camargo não recomenda que haja subsídio e que eventuais aumentos do preço de petróleo deixem de ser repassados. “O país está em transição para mercado mais aberto de petróleo. A Petrobras está desinvestindo em refinaria para acabar com o monopólio do refino. É fundamental para quem quer investir tenha convicção de que não vai haver intervenção”, recomenda.

De acordo com o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, “os mercados ainda estão avaliando pontais desdobramentos [da nova crise no Oriente Médio}. Há muita incerteza sobre isso.” O seu palpite é que “pode se pensar em uma certa acomodação, mesmo que em um grau de nervosismo mais alto ou com agravamento dessas tensões.”

“Nos próximos dias, o mercado vai conseguir precificar melhor o grau de risco desse fato novo. Por ora, está estacando o otimismo recente, gerando correção no preço dos ativos”. O economista pondera que antes do ataque, “havia um clima positivo de mercado, somando fatores externos [por causa da trégua comercial entre os EUA e China} e perspectivas melhores para economia brasileira.”

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