Depoimentos

Na Câmara, impeachment de Trump entra em fase decisiva

Democratas e republicanos acertam estratégias para levar ao público suas narrativas sobre as relações da Casa Branca com a Ucrânia; Taylor repetiu as alegações, confirmando os contatos "irregulares" entre representantes dos dois governo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Diplomatas George Kent e William Taylor  prestam juramento antes de audiência
Diplomatas George Kent e William Taylor prestam juramento antes de audiência (Reuters)

WASHINGTON — Naquele que pode ser o mais decisivo e dramático capítulo do processo de impeachment do presidente Donald Trump na Câmara dos Deputados, começou ontem,13, a fase de depoimentos abertos ao público e com transmissão ao vivo pela televisão.

Até agora, os testemunhos que tentaram jogar luz sobre as relações do presidente com a Ucrânia, centradas em um pedido de investigação contra a empresa onde o filho de Joe Biden, Hunter, trabalhou no setor de energia do país, ocorreram a portas fechadas. Declarações iniciais e algumas transcrições foram divulgadas, por vezes com detalhes nada favoráveis a Trump, mas com edições feitas nos textos. Afinal, eles eram, ou pelo menos deveriam ser, sigilosos.

Os primeiros “convidados” a aparecer na Câmara, repetindo as cenas nos processos contra Richard Nixon e Bill Clinton, são Bill Taylor, principal diplomata americano na Ucrânia , e George Kent , responsável no Departamento de Estado por formulações de políticas para Europa e Eurásia.

Em seu depoimento em outubro, considerado um dos mais prejudiciais a Trump em todo o inquérito, Bill Taylor confirmou ter ouvido do embaixador americano na União Europeia, Gordon Sondland , que o presidente pressionava os ucranianos por uma investigação contra Biden, e condicionava o envio de uma ajuda militar de US$ 391 milhões ao país a esse pedido. Ele considerou ser “uma loucura” condicionar o envio de ajuda estratégica a um processo direcionado contra um potencial adversário de Trump na eleição de 2020 — Joe Biden é um dos favoritos para a indicação democrata à Presidência.

Ao falar ontem,13, Taylor repetiu as alegações, confirmando os contatos "irregulares" entre representantes dos dois governos, mas foi além, ao cravar que Trump "se importa mais com a investigação contra Biden do que com a situação na Ucrânia". O embaixador ainda afirmou ter ouvido de um assessor do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky , que ele "não queria ser um instrumento para a reeleição" do líder americano.

Uma visão parecida foi apresentada pelo outro depoente desta quarta-feira, George Kent . Em seu primeiro depoimento, disse que o Departamento de Estado mantinha uma “diplomacia das sombras”, se referindo a um canal indireto entre os EUA e a Ucrânia. Para ele, o pedido para um país investigar algo por razões políticas “violava os fundamentos de Estado de Direito”.

Na sexta-feira, será a vez da ex-embaixadora americana na Ucrânia, Marie Yovanovitch , que diz ter sido alvo de uma ação conjunta para que fosse retirada do cargo. Segundo George Kent, essa campanha foi liderada pelo advogado de Trump, Rudolph Giuliani , acusado de ser um dos responsáveis pelos contatos paralelos com autoridades ucranianas.

Pressão sobre a Ucrânia

Centrado nas acusações sobre Trump, que configurariam, na visão dos democratas, um pedido direto para que um governo estrangeiro interfira na campanha eleitoral americana, o processo contra o presidente teve início em meados de setembro, após a revelação de uma conversa suspeita entre ele e Zelensky , ocorrida em julho. Foi ali que apareceu a indicação de que a Casa Branca buscava uma investigação contra a Burisma, empresa onde Hunter Biden trabalhava. Até os mais reticentes democratas, que se recusaram a lançar uma investigação ligada à interferência russa nas eleições de 2016, viram que era impossível passar por cima das alegações, feitas inicialmente por um funcionário do serviço de Inteligência e cuja identidade é mantida em sigilo.

A Casa Branca atacou o processo, dizendo que ele não passava de “assédio presidencial” e avisando que não iria colaborar, nem mesmo permitir que funcionários do governo comparecessem às audiências, conduzidas por três comissões da Câmara. Isso não impediu que pessoas próximas ao Salão Oval, incluindo testemunhas da conversa, dessem suas impressões aos deputados.

Regras e ataques

Agora, com as câmeras ligadas e as portas abertas, o processo assume formas mais políticas e midiáticas. Isso passou até pela escolha da sala onde acontecem os depoimentos: a usada pela Comissão de Formas e Meios, a maior da Câmara. Ao contrário das audiências iniciais, que eram conduzidas por representantes de três comissões, caberá à Comissão de Inteligência manter os trabalhos, mas essa não foi a única mudança nas regras aprovadas pelo plenário .

No centro da mesa está o democrata Adam Schiff , presidente da comissão. Ele é talvez o rosto mais conhecido de todo o processo, com seu estilo centrado e seu desdém público pelo presidente, chamado por ele de “amoral”. Por sua vez, Trump se refere a ele como “pescoço de lápis pequeno”, acusando-o de ser corrupto e de vazar à imprensa informações sigilosas compartilhadas nas audiências.

Os questionamentos serão conduzidos na maior parte do tempo pelos advogados que representam os partidos. Pelo lado democrata, falará o ex-promotor federal Daniel Goldman . Pelo republicano, o investigador legislativo Steve Castor , que trabalha no Congresso desde 2005. Os dois já participaram das audiências a portas fechadas.

Os depoimentos serão divididos em blocos de 45 minutos, cada um deles dedicado ao representante de um partido, dando espaços iguais à acusação e à defesa. Essa fase do processo também permitirá aos republicanos, representados pelo deputado Devin Nunes , pedir a convocação de testemunhas e a apresentação de documentos, mas dependerão do aval de Schiff.

A expectativa é de que esta etapa do processo se alongue por duas semanas . Ao final deste prazo, um relatório será produzido pela Comissão de Inteligência e referido à Comissão do Judiciário, responsável por analisar as conclusões e por eventualmente recomendar à presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que Trump seja submetido a uma votação no plenário, hoje dominado pelos democratas. Pelos cálculos da oposição, isso pode acontecer até o final do mês que vem.

Estratégias

Para tentar reverter o cenário hoje desfavorável, os republicanos sinalizam para uma estratégia que foca em tentar minimizar ou mesmo desacreditar as provas já apresentadas. Eles pretendem questionar as motivações para o processo — muitos no partido consideram que é uma espécie de revanche dos democratas, derrotados nas urnas em 2016. Na abertura das audiências, Devin Nunes disse que tudo era uma "performance teatral".

Ao mesmo tempo, o governo tentará manter a coesão partidária em torno de Trump, sabendo que algumas “fugas” podem abrir caminho para a erosão do apoio ao presidente. Mesmo assim, os republicanos na Câmara já dão como certa a derrota no plenário, mas esperam repetir o ocorrido com Bill Clinton, que acabou inocentado no Senado.

Por sua vez, os democratas prometem mostrar ao público as evidências de que o presidente Trump usou de forma indevida o cargo, usando seus poderes para pressionar um governo estrangeiro em busca de ganhos pessoais. Segundo Adam Schiff, os americanos vão acompanhar, em primeira mão, como seu líder agiu de maneira indevida. A oposição aposta no efeito das audiências abertas para aumentar o apoio público ao impeachment, o que poderia forçar alguns republicanos a deixarem o presidente, repetindo um cenário ocorrido no processo contra o presidente Richard Nixon, nos anos 1970.

Pelo menos neste primeiro dia, Donald Trump disse que não irá acompanhar as transmissões. Além de afirmar que está "muito ocupado", voltou a chamar o processo de "caça às bruxas".

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