Sem governo

Com vacância de poder, Bolívia atravessa crise

Chefe de polícia anuncia sua renúncia após madrugada de saques, incêndios e vandalismo; líder da oposição radical pede que greve geral continue até que Congresso analise renúncia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Homem caminha ao lado de ônibus incendiados durante protestos após a renúncia de Morales
Homem caminha ao lado de ônibus incendiados durante protestos após a renúncia de Morales (Reuters)

LA PAZ — A renúncia do presidente Evo Morales na tarde de domingo,10 — sob pressão dos militares, da polícia e da oposição — deixou um vazio de poder na Bolívia. As autoridades da cadeia sucessória, começando pelo vice-presidente Álvaro García Linera e pelos presidentes e vice-presidentes da Câmara e do Senado, todos integrantes do MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales, também abandonaram seus cargos, levantando questionamentos sobre quem assumiria o poder.

A sucessão foi reivindicada pela segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Áñez , parlamentar de oposição a Morales. Ela reivindicou o cargo no domingo, e ontem, 11,viajou do departamento (estado de Beni) para El Alto, cidade vizinha a La Paz, de onde foi levada em um helicóptero da Força Aérea para uma academia militar. De lá, seria levada à Assembleia Legislativa Plurinacional, o Congresso boliviano, que precisa aceitar formalmente a renúncia de Morales e indicar seu sucessor.

"Vou assumir o desafio somente para estar o tempo necessário para convocar eleições transparentes, para que os bolivianos tenham a certeza de que seu voto será respeitado", disse Áñez em entrevista a uma emissora de TV.

O problema é que tanto na Câmara quanto no Senado o MAS de Morales tem a maioria absoluta, e nada poderá ser aprovado sem o seu voto. Diante do impasse, os dois principais líderes do movimento opositor — o ex-presidente Carlos Mesa , que ficou em segundo lugar na contestada eleição presidencial de outubro, e o empresário Luis Fernando Camacho , líder do Comitê Cívico do departamento (estado) oriental de Santa Cruz — tem defendido estratégias diferentes.

Protestos

Camacho , que radicalizou os protestos ao iniciar uma campanha pela renúncia de Morles e o amotinamento de policiais e militares, vem pedindo a renúncia de todos os parlamentares do MAS. Se sua demanda se concretizar, o Legislativo não poderia se reunir, dificultando uma possível saída constitucional. No domingo, ele falou da possibilidade de formar uma "junta de governo" com os comitês cívicos e o comando militar.

Mesa, ao contrário, trabalha intensamente para reunir o Congresso, e pediu aos policiais e manifestantes que estão nas ruas que permitam a chegada dos parlamentares. Em entrevista, ele defendeu que os parlamentares do MAS não sejam expulsos, pois sua presença na Assembleia Legislativa Plurinacional permitirá uma "saída democrática para o país". Ele também defendeu que o que ocorreu na Bolívia "não constitui um golpe de Estado" porque "Morales deixou o governo porque não podia mais conduzir o país, porque a população lhe negava apoio".

O presidente demissionário, por sua vez, criticou a oposição, afirmando que seus líderes têm a responsabilidade de promover a pacificação no país, chamando Mesa e Camacho de "discriminadores e conspiradores" que "entrarão para a História como racistas e golpistas". Morales se encontra em local desconhecido na região de Cochabamba, seu berço político, e diz que não tem planos de sair do país. Vinte ex-integrantes de seu governo estão refugiados no consulado do México em La Paz e um no consulado argentino, o ministro de Governo Carlos Romero.

A agência Reuters, por sua vez, informou que Morales enviou sua carta de renúncia ao Congresso. "Minha responsabilidade como presidente indígena e de todos os bolivianos é evitar que os golpistas sigam perseguindo... Para evitar todos esses acontecimentos violentos e que volte a paz social, apresento minha renúncia", diz a carta, segundo a agência.

Embaixada invadida

Sem a presença da polícia, que se amotinou contra Morales, La Paz amanheceu com rastros de destruição devido a confrontos ocorridos durante a noite. A violência foi tamanha que o chefe da polícia,Vladimir Yuri Calderón, que no domingo havia pedido a saída do presidente, anunciou sua renúncia na manhã desta segunda-feira. A renúncia de Calderón estava sendo exigida pelos amotinados, já que, mesmo tendo pedido a renúncia de Morales, ele foi nomeado pelo presidente demissionário.

Evo Morales disse que sua casa e a casa de sua irmã foram alvo de saques e incêndio e que seus ministros receberam ameaças de morte. Na internet, circulam vídeos que mostram opositores dentro de um imóvel que, supostamente, seria a casa do presidente demissionário em Cochabamba. Ao menos dois ex-ministros também tiveram suas casas saqueadas.

Casas incendiadas

As casas da jornalista Casimira Lema, da Televisión Universitária, e de Waldo Albarracín, reitor da Universidade Mayor de San Andrés e dirigente do Conselho Nacional de Defesa à Democracia, foram incendiadas. Albarracín, opositor do antigo governo, culpou apoiadores de Morales.

Ao menos 33 ônibus foram queimados em uma garagem na capital, enquanto diversas farmácias e mercados foram alvos de saque. A embaixada da Venezuela na capital também foi tomada por grupos “encapuzados” que portavam dinamites, segundo a chefe da missão, Crisbeylee González. Uma fazenda avícola também foi alvo de saques, motivados por notícias falsas de que pertenceria a Camacho. Delegacias no estado de Cochabamba também foram alvo de pedradas e invasões.

Em comunicado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu o cessar da violência na Bolívia e o respeito à Constituição para resolver a crise política do país. Para a organização, é importante que a situação seja resolvida de acordo com a Constituição e por meio de canais democráticos.

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