Na ONU

Brasil muda política de 27 anos e votará por embargo a Cuba

Resolução que pede fim do bloqueio à ilha é aprovada por Assembleia Geral da organização desde 1992, sempre com voto favorável do Brasil, que desta vez se alinhará aos Estados Unidos; Cuba enfrenta crise de combustíveis

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Alejandro Savieda esperou cinco dias para abastecer seu carro: sanções americanas a Havana
Alejandro Savieda esperou cinco dias para abastecer seu carro: sanções americanas a Havana (Reuters)

BRASÍLIA/NAÇÕES UNIDAS - O Brasil se prepara para romper uma tradição de quase três décadas e votar pela primeira vez, na Assembleia Geral da ONU, a favor do embargo econômico, comercial e financeiro a Cuba , promovido pelos Estados Unidos desde 1962. A mudança de posição se insere na política de alinhamento do governo do presidente Jair Bolsonaro a Washington.

A Assembleia Geral vem aprovando desde 1992, por ampla margem, uma resolução que pede o fim do embargo, iniciado no contexto da Guerra Fria, três anos depois da revolução socialista na ilha, e transformado em lei pelo Congresso americano em 1992. No ano passado, o texto foi aprovado por 189 votos a favor e apenas dois contra, dos Estados Unidos e Israel, sem nenhuma abstenção. O Brasil sempre votou pelo fim do embargo.

Neste ano, a mesma resolução será posta em votação na Assembleia Geral entre os dias 6 e 7 de novembro. A determinação do ministro Ernesto Araújo foi para que o Brasil vote contra o texto, mas diplomatas ainda tentam convencê-lo a optar pela abstenção — que também seria inédita no caso brasileiro, mas menos dura do que o voto contra Cuba.

Segundos fontes do governo brasileiro ouvidas pelo GLOBO, a posição do ministro é coerente com a nova política externa do Brasil. "Hoje temos posição clara em defesa da liberdade e da democracia", disse uma fonte graduada do governo. Procurado, o Itamaraty informou que "o Brasil não comenta previamente decisões de voto sobre resoluções das Nações Unidas".

A resolução que costuma ser votada na ONU argumenta que o embargo é contrário à liberdade de comércio e de navegação consagrada no direito internacional. No ano passado, o chanceler cubano afirmou na ONU que o bloqueio já provocou um prejuízo calculado em US$ 993,679 bilhões a seu país.

Além de contrário ao regime socialista de Havana, o governo brasileiro está de acordo com a avaliação da Casa Branca de que Cuba dá um suporte relevante para a permanência de Nicolás Maduro no poder na Venezuela. Desde que assumiu, em janeiro deste ano, Bolsonaro tem feito ataques a Havana, tanto em palavras como em ações — caso das críticas e das mudanças que anunciou no Mais Médicos, e que levaram Cuba a retirar os seus 8 mil profissionais do programa.

Declarações

No fim do mês passado, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, rejeitou as declarações feitas por Bolsonaro em seu discurso na ONU, de que os médicos da ilha que participavam do programa seriam agentes comunistas infiltrados no Brasil. Disse que o presidente "delira e sente saudades da ditadura". A comitiva de Cuba chegou a se retirar da Assembleia Geral diante do ataque do presidente brasileiro.

Depois de 52 anos de uma política de bloqueio que não deu o resultado esperado de levar à queda do regime socialista na ilha caribenha, em 2014 o governo de Barack Obama reatou as relações diplomáticas com Havana e relaxou as sanções dos Estados Unidos determinadas pela Casa Branca — o fim do embargo depende do Congresso.

En 2016, ainda sob Obama, pela primeira vez os Estados Unidos se abstiveram na votação da resolução da Assembleia Geral que pediu o fim do bloqueio.

Com a chegada ao poder de Donald Trump, no entanto, sanções contra a ilha voltaram a ser apertadas a partir de 2017, prejudicando a economia cubana. Neste ano, as sanções dos Estados Unidos contra as exportações de petróleo venezuelano atingiram severamente Cuba, ao reduzir as vendas subsidiadas de combustíveis feitas por Caracas a Havana.

Escassez de combustível

Cuba novamente olha para o horizonte com angústia. E espera. De olho nos duros anos 1990, espera que a situação não piore e, à beira-mar, apareça um petroleiro que amorteça a escassez de combustível, que novamente levou o país a viver em câmera lenta. As filas nos postos de gasolina em Havana têm sido desesperadoras nas últimas semanas, iguais ou piores do que no interior da ilha. Quatro, cinco, seis ou mais horas de espera para encher o tanque, e isso em caso de encontrar combustível. A situação parece ter melhorado nos últimos dias, mas as pessoas desconfiam; temem que seja apenas uma aparência.

Em 11 de setembro, o presidente Miguel Díaz-Canel explicou na televisão os problemas enfrentados pela ilha devido a um déficit no fornecimento de diesel, a maior parte proveniente da Venezuela . No restante do mês, ele disse, apenas um ou dois navios de petróleo viriam à ilha, uma "situação de curto prazo" que seria normalizada ao longo das semanas, mas forçaria a tirar a poeira de algumas medidas do Período Especial , depois do fim da União Soviética, quando o PIB de Cuba caiu 34%.

A causa fundamental desta crise, disse o presidente, não foi desta vez a ineficiência da economia cubana — sem deixar de reconhecê-la — mas o aumento do cerco dos Estados Unidos , que persegue e sanciona navios que transportam petróleo bruto para a ilha e dificulta cada vez mais as operações de fornecimento. Há uma "busca doentia" pelas empresas que trazem petróleo venezuelano — quatro sofreram sanções na semana passada —, disse ele, considerando que, na prática, é um "bloqueio naval" que busca causar asfixia energética e deteriorar da situação com o desejo de "iniciar concessões políticas".

Devido à falta de diesel, o transporte público — ônibus, táxis coletivos, carros antigos alugados — reduziu drasticamente rotas e frequências, o que resultou em multidões nas ruas, nervosismo e raiva. A polícia tenta evitar grandes males e ordena que os veículos do Estado parem para levar os passageiros em sua rota. Além disso, como nos piores momentos, muitos centros e fábricas estatais reduziram seu horário de trabalho. Outros reduziram a semana de trabalho e até suspenderam temporariamente as aulas em centros de estudos e universidades. Algumas empresas interromperam provisoriamente as atividades, tudo para impedir o colapso do sistema de geração de eletricidade.

Se não houver óleo

O transporte de pessoas e cargas entre províncias — trens, aviões e ônibus — foi reduzido ao mínimo e, como medida de economia, é proibido ligar o ar-condicionado em lojas e escritórios oficiais, onde o calor é sufocante. No campo, as autoridades estimulam o retorno à tração animal para transportar e realizar trabalho produtivo . Se não houver óleo para tratores, há bois. É o slogan, como na época do Período Especial, quando 200 mil animais foram utilizados no trabalho agrícola.

Alguns fornecedores estrangeiros de mercadorias foram avisados de que a extração temporária de contêineres do porto será lenta. E também a transferência dos armazéns, porque não há óleo para os caminhões. É claro que, à medida que a distribuição cai, a escassez de itens e alimentos nas lojas — que já estão em falta — aumenta. Falta manteiga e depois aparece, e o mesmo com sabão, farinha, água mineral ... a história não tem fim.

Embora a situação esteja longe de se assemelhar à dos anos do Período Especial, quando os apagões duravam 14 horas por dia — até o momento praticamente não houve nenhum, ou foram curtos —, as dificuldades aumentam dia a dia e com elas a inquietação e ansiedade do povo.

Para se defender do que já se vive e se preparar para o que está por vir, os cubanos foram à internet e às redes sociais. Vários grupos de solidariedade do WhatsApp, chamados "Onde há combustível", foram criados. Seus membros avisam onde há gasolina ou diesel, quanto tem, como está o ambiente. "Ramoncito enche para você" oferece seus serviços lá: por uma pequena taxa, Ramón passa por sua casa, deixa o carro dele como garantia e leva o seu, e o abastece.

Às vezes, as pessoas estão tensas e fazem comentários políticos. Os administradores do grupo rapidamente intervêm: "Esse espaço é para encontrar gasolina, não para falar merda". Outros tentam pescar em rios turbulentos: "Eu sei que isso é para diesel, mas eu vendo bicicleta elétrica".

A imprensa oficial começou a falar no fim de semana de "volta à normalidade", mas destacando algumas palavras recentes do presidente Díaz-Canel:

"Abandonamos o que aplicamos no Período Especial, e nos acomodamos com o que tínhamos depois. Mas existem medidas que devem permanecer para sempre, mesmo que o combustível jorre".

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