Inspirados na Bíblia

Evangélicos americanos trabalham em assentamentos que Israel quer anexar

Base de apoio do presidente Donald Trump, grupos protestantes fazem leitura messiânica do Velho Testamento

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Voluntários do grupo evangélico americano HaYovel colhem uvas perto de assentamento israelense em Har Bracha, na Cisjordânia ocupada
Voluntários do grupo evangélico americano HaYovel colhem uvas perto de assentamento israelense em Har Bracha, na Cisjordânia ocupada (Reuters)

RINGLER SHILO, Cisjordânia — É a época da colheita nos vinhedos no topo das colinas de Shilo, na Cisjordânia ocupada por Israel. Mas não são colonos judeus colhendo uvas, são cristãos evangélicos.

Eles são voluntários do grupo de devotos evangélicos HaYovel, que leva cristãos para ajudar agricultores judeus em assentamentos que Israel construiu em terras que os palestinos buscam retomar para ter um Estado.

Os evangélicos têm sido uma importante base de apoio ao presidente dos EUA, Donald Trump, desde as eleições de 2016. Muitos deles também são ardorosos defensores de Israel, alegando uma conexão religiosa com o povo judeu e a Terra Santa.

A Cisjordânia tem uma importância especial para os evangélicos, que veem o cumprimento de uma profecia bíblica no retorno moderno dos judeus a uma terra bíblica — à qual se referem pelos nomes hebraicos do Antigo Testamento, Judeia e Samaria.

O fundador da HaYovel, Tommy Waller, gosta de citar uma passagem do livro de Jeremias, que diz: "Eu a edificarei mais uma vez, ó bela virgem, Israel! (...) Ainda plantarás muitas vinhas nos montes de Samaria".

Coração do conflito

Essa terra também está no coração do conflito israelense-palestino. É o centro do que os palestinos veem como seu futuro Estado, juntamente com Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza, territórios que Israel capturou na guerra de 1967 no Oriente Médio.

Para Waller, nascido no Tennessee, ajudar os colonos judeus a cultivar a terra significa participar do cumprimento de uma profecia.

"Como cristão, como uma pessoa que acredita na Bíblia, foi uma coisa incrível chegar a um lugar onde minha fé era palpável", disse Waller em uma vinhedo nos arredores de Har Bracha, outro assentamento cujos agricultores têm a ajuda de seus voluntários. "Compartilhamos uma semelhança entre o cristianismo e o judaísmo, e essa é a nossa Bíblia, nossa escritura".

A maioria da comunidade internacional considera os assentamentos israelenses ilegais, uma visão que Israel contesta.

Agressivos estrategistas israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, afirmam que a Cisjordânia é vital para a segurança de Israel. Entregá-la aos palestinos poderia colocar grandes áreas de Israel sob ameaça de ataques de militantes, dizem eles. Os palestinos dizem que não pode haver um Estado palestino viável sem a região.

Na véspera da eleição de Israel na próxima terça-feira, Netanyahu renovou sua promessa de anexar partes da Cisjordânia se vencer nas eleições da semana que vem.

É uma posição que evangélicos politicamente poderosos dos Estados Unidos adotaram.

"Os evangélicos acreditam que a Judeia e a Samaria são terras bíblicas, porque são", disse Mike Evans, fundador do Museu de Amigos de Sião do Texas, que fica em Jerusalém. "Se pensamos que desistir da Judeia e Samaria trará paz? De jeito nenhum".

Apoio de Trump

Evans faz parte da Faith Initiative, medida de Trump para financiar grupos religiosos. A perspectiva de anexação alarmou os palestinos, que temem que Netanyahu provavelmente tenha o apoio do presidente americano.

"Estamos preocupados com a perda de nossas terras", disse Izzat Qadous, professor aposentado da vila palestina Irak Burin, do outro lado de Har Bracha. "Da mesma maneira que anexaram Jerusalém, eles querem anexar a Cisjordânia e em breve ouviremos Trump reconhecendo a anexação da Cisjordânia".

Cerca de 2,9 milhões de palestinos vivem na Cisjordânia, segundo dados oficiais palestinos, e mais de 400 mil colonos israelenses vivem lá, de acordo com o departamento de estatística de Israel.

Líderes evangélicos pressionaram Trump no início de sua Presidência por seu reconhecimento em 2017 de Jerusalém como capital de Israel e por sua mudança da embaixada dos EUA para a cidade santa em 2018.

"Ele (Trump) está recompensando aqueles que têm clareza moral e acredito que o povo judeu deveria ser recompensado, também por clareza moral, com o reconhecimento de mais terras", disse Evans, referindo-se à Cisjordânia.

O governo Trump inclui evangélicos em algumas posições de destaque, como seu vice-presidente, Mike Pence, e o secretário de Estado, Mike Pompeo, que em uma entrevista à Christian Broadcast Network em março disseram que "o Senhor estava trabalhando aqui" em relação a Trump.

O apoio evangélico a Israel vem de décadas, com lobby político, captação de recursos e passeios organizados à Terra Santa. Mas alguns vêem os laços cada vez mais fortes sob Trump e Netanyahu.

Hanan Ashrawi, um alto funcionário da Organização para a Libertação da Palestina, disse que a base evangélica "tem exercido uma influência sem precedentes e enorme nos Estados Unidos em prol do ‘cumprimento da profecia’, dando assim a Israel liberdade para realizar suas políticas mais rígidas e destrutivas contra o povo palestino ".

Laços de Netanyahu

Dore Gold, presidente do Centro de Assuntos Públicos de Jerusalém, disse que Netanyahu começou a cultivar laços com evangélicos durante sua primeira passagem como primeiro-ministro nos anos 90.

"O primeiro-ministro tem um forte senso das tendências e forças políticas nos EUA", disse Gold.

Esse esforço pode ter valido a pena.

"Benjamin Netanyahu, entre os evangélicos do mundo, é uma estrela do rock", disse Evans.

Os críticos, no entanto, dizem que Netanyahu alienou muitos judeus americanos liberais ao abraçar os conservadores cristãos. Mesmo nos assentamentos de Israel, os evangélicos são às vezes recebidos com suspeita.

Alguns israelenses temem que os cristãos tenham uma agenda missionária, buscando convertê-los. Evans disse que sua missão na vida é defender o povo judeu.

Outros estão preocupados com algumas leituras evangélicas das escrituras nas quais o retorno dos judeus à terra bíblica é fundamental para provocar o fim do mundo. De acordo com essa leitura, aqueles que não aceitarem Jesus Cristo não serão salvos e irão para o inferno.

"Essas pessoas estão perseguindo a Deus como nós estamos perseguindo a Deus", disse Waller. "Obviamente, temos nossa própria crença messiânica, mas essas são coisas futuras, no reino vindouro".

Nir Lavi, proprietário da vinícola Har Bracha, diz que a contribuição da HaYovel para seus negócios tem sido mais do que financeira.

"Somos gratos", disse Lavi. "É uma fase totalmente diferente de nossa própria jornada. É a redenção do povo judeu em sua terra".

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