Especial / O Estado

Vila Passos: a formosa área que ninguém quer deixar para trás

Com aproximadamente 630 casas e pouco mais de 3 mil moradores, vila atualmente é constituída por gente simples, ordeira, e apegada à origem

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

[e-s001]Dados da Associação dos Moradores e da comunidade católica da Vila Passos apontam que o bairro mantém 630 casas e “abraça” pouco mais de 3 mil moradores. Em comparação a outros bairros, é uma quantidade pequena. Ainda assim, a “querida vila” é atualmente constituída por gente simples, ordeira e apegada às origens. Antes de conhecer as qualidades e defeitos do bairro, é preciso entender fatos que marcaram a comunidade.

Na década de 1950, a Vila Passos ainda sofria com questões no fornecimento de serviços básicos, como água, por exemplo. Conforme registro da “Tribuna do Povo”, a oposição ao governo da época questionava a falta de investimentos em determinados bairros, dentre eles a Vila Passos. Segundo o periódico, a Rua 4, por exemplo, reclamava da ausência de água encanada. “O poço que temos aqui só tem água salgada”, disse o sr. Pedro José da Silva, morador do bairro, na época.

Os moradores, para ter acesso ao líquido, eram obrigados a percorrer vários quilômetros, já que, sem água encanada, a comunidade da Vila Passos não tinha sequer uma “bica d’água”.

Outra questão que incomodava os residentes à época era a precária qualidade dos serviços de energia elétrica. Jornais do mesmo período divulgavam que as ruas Felipe Camarão e Catulo da Paixão Cearense sofriam com a escuridão. Além da omissão estrutural, o vandalismo também contribuía negativamente com o fato.

Registros de periódicos da década de 1950 apontavam que uma ação da companhia de fornecimento de energia visava a redução dos roubos de lâmpadas na Vila Passos. Segundo a empresa, em alguns casos, os objetos eram levados dos postes por ladrões. E em determinados registros, as lâmpadas foram alvos de vândalos que, “à bala”, foram destruídas.
Curva da Morte

O acesso à entrada principal do bairro Vila Passos - pela Avenida Getúlio Vargas, em frente à atual sede da Receita Federal - também era motivo de preocupação de autoridades. Ao sair das Cajazeiras, para entrar no bairro, é necessário passar pelo que se designou por um período do cotidiano da cidade de “curva da morte”.

A caracterização foi mais acentuada com o registro, em 1954, de um gravíssimo acidente no trecho. De acordo com relatos de jornais do período, em frente à “fatídica” entrada da Vila Passos, um jipe com quatro pessoas capotou. Segundo a reportagem, uma pessoa morreu e outras três pessoas ficaram feridas.

Apesar do fato, jamais houve uma revisão da configuração da via que, nos tempos atuais, permanece com o mesmo desenho.

Próximo à praia do Desterro
A Vila Passos, nas décadas de 1950 e 1960, era fixada às margens das principais reservas hidrográficas da cidade no período. A conhecida praia do Desterro, muito famosa, era frequentada pelos moradores do bairro tradicional.

O uso era tal que, no dia 11 de fevereiro de 1954, o menor José dos Santos Raposo (residente na antiga Rua da Malária, Vila Passos), por pouco não morreu afogado nas águas da praia. O fato ocorreu às 17h e, de acordo com populares, pescadores que viram o fato impediram a morte da vítima. O jovem fora levado para um hospital próximo e, horas mais tarde, permanecia em estado grave.

Ainda de acordo com testemunhas, a vítima seguiu para a maré “a fim de pegar peixe” para levar à sua família.
Bairro do “participante de guerra”

Registro do jornal “A Pacotilha”, de 1953, apontou que “novos voluntários foram escolhidos para se juntar às tropas nacionais e lutar na Guerra da Coreia”, cujo conflito foi registrado entre as Coreias do Norte e do Sul. Um deles, segundo o periódico, foi Luiz Bartolomeu Costa Leite, de 24 anos de idade, residente na Vila Passos.

[e-s001]Além dele, Leonilo Silva, de 23 anos, residente nos arredores da Vila Passos, também se prontificou a ir para o conflito.
Vila Passos é tradição no esporte

A Vila Passos, com seus diversos espaços de interação social, foi ao longo dos anos um dos bairros com maiores concentrações de práticas esportivas. Apesar de diferentes modalidades, em especial, o futebol era predominante. Tanto que a Associação de Futebol Juvenil ergueu sua sede, no início da década de 1950, no bairro.

A entidade à época registrou cinco clubes (Íbis F.Clube; Marcílio Dias F.Clube; S.C. Brasil; Onze Carioca Clube e Arsenal A. Clube). A criação da entidade foi precedida da entrega de um dos templos do futebol maranhense e “orgulho” da comunidade.

Templo sagrado do futebol
Inaugurado em 1º de outubro de 1950 e com capacidade inicial para receber pouco mais de 16 mil pessoas, o “Gigante da Vila Passos”, ou Estádio Nhozinho Santos, consolidou-se como uma das principais praças esportivas da cidade. Famosa por receber, anos mais tarde, vários craques do futebol brasileiro, como Pelé, Garrincha, Rivelino e tantos outros locais, como Raimundinho Lopes, Juca Baleia e outros, o estádio - que atualmente passa por reformas executadas pela administração pública municipal, cuja entrega será no ano que vem - tem histórias curiosas e está marcado no imaginário dos mais antigos.

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O primeiro jogo no Estádio Nhozinho Santos, de acordo com pesquisa feita por O Estado, foi entre Sampaio e Paysandu (PA). O primeiro gol marcado no Gigante da Vila Passos, teria sido de Hélio (Paysandu). Apesar do registro, seu Joaquim Moraes Lobão, o Seu “Joca”, de 81 anos, todos vividos no bairro, jura que a partida inaugural não foi esta. “Eu me lembro, na verdade, foi um combinado de Sampaio, MAC e Moto contra o Santa Cruz de Recife”, garantiu.

De acordo com o pesquisador Hugo Saraiva, o Nhozinho Santos foi erguido a partir de certo desenvolvimento do futebol local. Até o ano de 1963, era considerado o “principal ponto de atração dos desportistas aos domingos, feriados e dias úteis”. Na segunda metade da década de 1960, a administração municipal determinou a primeira grande reforma no Colosso da Vila Passos.

Em 1967, o estádio foi reaberto em partida entre o MAC e o América de Fortaleza. Do lado de fora, uma caçamba começou a descarregar pedras. Um “desavisado” nas arquibancadas decidiu gritar: “A geral está caindo!”.

Foi o suficiente para que o povo descesse, durante a partida, de forma desordenada os vários degraus da arquibancada. Várias pessoas foram pisoteadas e encaminhadas para hospitais próximos. No total, cerca de 100 torcedores ficaram feridos.

Com a colocação de cadeiras, anos mais tarde, a capacidade do estádio caiu para pouco mais de 12.800 pessoas. A comunidade da Vila Passos espera que, caso a reforma atual seja concluída, o estádio volte a colocar o bairro como referência esportiva na capital maranhense.

Praça Catulo: outro orgulho
Em frente ao Nhozinho Santos, está o espaço social mais conhecido do bairro. Palco de comícios famosos de Ivar Saldanha e José Sarney, a Praça Catulo da Paixão Cearense (em alusão ao poeta, músico e compositor carioca autor de pérolas como “Luar do Sertão”) começou a ser feita em 1957. Inicialmente, o poder público aprontou a estátua alusiva ao compositor, fixada até hoje no bairro.

Em 1960, devido às fortes chuvas na cidade, as obras da praça foram suspensas, sendo retomadas por iniciativa do então prefeito Ivar Saldanha. Ao ser entregue, o espaço virou ponto de encontro de moradores, de brincadeiras e eventos e até referência para circos (sim, circos já se instalaram na praça!).

Atualmente, a Praça Catulo é conhecida pelo registro de alguns trailers, reunião de jogadores de dominó e de vendedores informais de veículos.

Nossa Senhora das Graças: padroeira da Vila Passos
Em 1830, a Igreja Católica - ao valorizar a mãe de Jesus Cristo - designa Maria como a “portadora das graças”. De acordo com o milagre religioso, Catarina Labouré, então noviça da Congregação de São Vicente de Paulo na França, teria tido uma visão de Maria que se revelou a ela como “Nossa Senhora das Graças”.

Na década de 1950, a comunidade católica da Vila Passos adotou a santa como padroeira da localida­de. Várias foram as homenagens, ao longo dos anos, para a imagem.

Após a chegada da santa ao bairro, uma capela fora construída na Rua 21 de Abril. A construção era no centro da via e, constantemente, havia programação cultural no bairro. “Era um tempo em que a comunidade se uniu em prol das homenagens à santa”, disse Etelvina do Rosário Martins, a dona Teté, que reside na Vila Passos até hoje, aos 88 anos de idade.

Ela - que se intitula a primeira professora de ensino religioso da rede pública da capital maranhense e que trabalhou em instituições do Município - foi uma das principais incentivadoras da manutenção da unidade de promoção da fé. “Várias missas foram realizadas por aqui”, disse dona Teté, que também trabalhou na catequese por vários anos.

Em 6 de maio de 2000, a comunidade entregou a igreja reformada na Rua Vaz Caminha. Na fachada, é exibida a imagem da santa oriunda da década de 1950.

Por que ninguém quer deixar a vila famosa?
“É um bairro tradicional, calmo, apesar de ter sido rotulado de violento”. A frase é de Edson Cantanhede, morador há 53 anos do bairro Vila Passos, e resume o sentimento de boa parte dos moradores do bairro. Segundo ele, é difícil “faltar energia e água” e, ao contrário do começo do bairro em especial nas décadas de 1950 e 1960, o bairro teria boa estrutura.

Berço do Boi de Canuto, do Mestre Canuto Santos - líder do grupo folclórico conhecido na cidade e cujo nascedouro ocorreu na Vila Passos -, o bairro possui predominantemente casas para uso residencial. São poucos os imóveis usados para fins comerciais.

Apenas alguns bares (como o do Cabral), padarias e escritórios comerciais são vistos hoje. Nascido em 1938, Joaquim Moraes Lobão, o Seu “Joca”, viveu desde então em duas casas na Rua Padre Anchieta. “Aqui é bom demais de morar, muito tranquilo. Só quem mora, sabe”, afirmou. Filho de seu Luís Besouro, antigo motorista e morador do bairro, Seu Joca.

[e-s001]O empresário Benedito Alves Oliveira administra uma empresa mantenedora de aparelhos de ar condicionado. Para ele, viver na Vila Passos é um grande prazer. “Meu pai chegou aqui vindo do Ceará e nos criamos no bairro. Apesar de sua morte, ele morou aqui até o final da vida e nós estamos residindo no mesmo local com o maior gosto”, afirmou.
Velhos amigos da Vila

Quando Francisco Carlos Pinto Dias (França Dias), Antônio Carlos Dias e Luiz Bráulio Calvet de Castro se encontram na casa construída há 70 anos na Rua Catulo da Paixão Cearense, na Vila Passos, há garantia de boas histórias. “Eu me lembro do dia em que tava tendo aqui um serviço na vala sendo feito e os trabalhadores acharam ossos do antigo cemitério”, relembrou Antônio Carlos Dias.

Para eles, a Vila Passos é um prazer eterno. “Nasci e me criei aqui e, apesar de não estar mais aqui, voltar pro meu bairro para relembrar histórias é uma alegria”, disse França Dias.

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