A São Luís de todos

Uma cidade lembrada por seus personagens e peculiaridades

Dos bondes aos pregoeiros, das ruas conhecidas aos bairros tradicionais, a capital maranhense, nossa São Luís, comemorou os seus 409 anos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
Bonde da linha São Pantaleão descendo a Rua da Paz, com passageiros no espaço interno e pendurados
Bonde da linha São Pantaleão descendo a Rua da Paz, com passageiros no espaço interno e pendurados

São Luís - Ao longo das mais de seis décadas de O Estado, a cidade de São Luís foi descrita por várias facetas. Temas que permearam desde a formação popular, passando pela influência de outras culturas na consolidação dos costumes da gente simples e ordeira, em sua maioria, que fez e faz desta cidade única no mundo para se viver.

A São Luís, que completou 409 anos no dia 8 deste mês, em especial no século XX, formou bairros, fez nascer personagens pitorescos e marcantes do cotidiano e gerou costumes que, apesar de estarem atrelados a atos simples, também se consolidaram no saudosismo do ludovicense.

Um dos pontos marcantes neste contexto é o uso dos bondes em bom período da cidade. Em julho de 2020, O Estado retratou a história deste meio de transporte tão lembrado, principalmente pelos acima de 60 ou 70 anos de idade.

Segundo destacou as páginas deste jornal, com base na obra intrigante e completa da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, intitulada “São Luís do Maranhão: Corpo e Alma” - com base em pesquisas de autores como César Augusto Marques e tantos outros - no início do século XX, três linhas férreas partiam do antigo “Largo do Palácio” até o Cutim (Anil).

À época, os veículos eram movidos a tração animal. Antes do período dos bondes elétricos, de acordo com o professor Luís Phelipe Andrès, em 1868, foi criado o primeiro sistema de transporte coletivo das regiões Norte e Nordeste do país. Eram os chamados “bondes de tração animal”.

No entanto, com o aumento nos valores das tarifas e a falta de preocupação em conservar os meios (ou seja, normalmente sujos e sem qualquer preocupação com o conforto dos passageiros), a gestão dos bondes passa para a Intendência – uma espécie de estrutura governamental preparada durante a transição para a República. Posteriormente, a ideia do poder público era efetuar a substituição do transporte animal pelo eletrificado.

No entanto, a partir do início do século XX, ainda de acordo com “São Luís do Maranhão: Corpo e Alma”, o projeto de uso dos bondes somente saiu do papel para a prática em 1923. Até aquele ano, o Município geria os serviços públicos urbanos da cidade e a Companhia Ferro-Carril foi encampada provisoriamente pelo Estado para gerir os serviços de bonde e luz.

E como esquecer dos percursos…
O que a população mais se rememora quanto aos bondes são os percursos. Um dos mais marcantes, destacado por O Estado, era o da linha Gonçalves Dias, cuja partida era na região Central, seguia pelas ruas da Palma e Nazaré – cortando a Rua Grande. Ao chegar à rua do Passeio, o bonde descia até a conhecida Praça Gonçalves Dias.

No fim da linha, o motorneiro (condutor dos bondes) virava a lança e o condutor colocava os bancos em posição frontal para seguir viagem.

Já o Bonde São Pantaleão saía do Largo do Carmo, seguia pela Rua São João, pelas Cajazeiras e pela Rua da Paz, onde regressava até novamente o abrigo do Largo do Carmo onde encerrava a viagem. Este trecho é simbólico, pois os trilhos usados pelos bondes neste percurso até hoje são vistos no solo.

Inclusive, a retirada de parte dos trilhos, quando das obras de restauração do Largo do Carmo, foi registrada por O Estado. Os causos vividos nos bondes foram contados por antigos passageiros com um puro sentimento de saudade.

Sorveteiro desce o Beco da Caela, em reportagem de O Estado, em 2015
Sorveteiro desce o Beco da Caela, em reportagem de O Estado, em 2015

Os pregoeiros marcantes da nossa Ilha…

Contam os antigos que um dos símbolos de uma São Luís com mais de quatro séculos de vida é a tradição de consumir produtos, em especial do gênero alimentício, de forma peculiar. Das formas de consumo de peixes e seus derivados, a população mantém o costume de adaptar-se, por exemplo, à temperatura local. Nestes casos, gêneros como sorvetes são recomendados.

Em fevereiro de 2018, O Estado destrinchou a tradição de se revender e consumir sorvetes. Um costume que, com adaptações, remonta à época escravocrata, em que os descendentes de africanos, em sua maioria, saíam pelas ruas e avenidas em busca de fontes de renda.

Neste período, já se registrava o hábito, conforme aborda o professor da rede pública estadual, Antônio Guimarães, em sua sublime peça intitulada “Pregoeiros & Casarões”. De acordo com o pesquisador, o produto revendido era armazenado de forma criativa, usando barris de vinho, além de palhas de arroz e sal grosso. Era um produto que se assemelhava ao produto termicamente revendido pelos sorveteiros de caixa.

Antes da possibilidade de se comercializar o sorvete tal qual conhecemos hoje, em uma temperatura mais comum – já que as fábricas de gelo somente chegaram à capital maranhense no início do século XX – os vendedores ofereciam uma espécie de doce frio, feito de coco de forma predominante.

De acordo com pesquisadores do assunto, foi a partir do doce que surgiu o sorvete artesanal de coco, considerando por muitos um produto genuinamente ludovicense. Servido por vendedores com caixas peculiares e armazenadas em uma casquinha de biscoito comestível a partir de uma simples colher.

Em 1976, uma reunião que contou com representantes dos sorveteiros e da Divisão de Fiscalização Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde (SES), em São Luís, concluiu que, a partir do dia 1º de agosto daquele ano, todos os sorveteiros da cidade passariam a ser identificados.

Quem não lembra de São Luís sem a figura dos sorveteiros de caixa nunca residiu ou veio à capital.

Os bairros conhecidos e marcantes…

Com a consolidação da cidade nos séculos XVII, XVIII e XIX, surgem os chamados núcleos urbanos a partir da junção social. Um dos que foram retratados em 2018 nas páginas de O Estado foi o da Liberdade. Para entender o que é o bairro, é preciso voltar no tempo, ou precisamente ao início do século XX, em 1918.

De acordo com pesquisadores, foi neste ano que se estabeleceu na antiga “Campina do Matadouro”, os primeiros moradores. Muitos destes oriundos do interior, que encontraram na capital um refúgio para as suas angústias.

Até a década de 1930, começaram a ser construídas, no bairro, as primeiras casas – feitas em sua maioria por pessoas que migraram do interior e por trabalhadores do próprio matadouro, que recebiam à época uma espécie de “ajuda de custo” para residir nas proximidades.

Historiadores apontam ainda que a Liberdade começou a surgir no Sítio Itamaraca, de propriedade de Ana Joaquina Jansen Pereira. A partir da segunda metade da década de 1930, o então prefeito, Otacylio Saboya Ribeiro, rescinde o contrato com a chamada Companhia Matadouro Modelo, que a partir de seu estabelecimento gera a localidade.

Mesmo diante do fato, a comunidade da Liberdade, que completou 100 anos de história em 2018, manteve ativa a sua vida cultural e efervescência. São muitos os moradores que viram se consolidar um local que, aos poucos, tira a imagem pejorativa relacionada à marginalidade e fortalece como um polo de gente honesta.

Outro bairro bastante tradicional e que teve seus aspectos contados nestas páginas foi o Apeadouro. A localidade que, em 2019, completou 126 anos de existência, é citada em determinado período em que a Companhia de Ferro Carril, até então responsável pelos bondes que faziam o transporte público de São Luís, determinou um local para embarque. Teria sido, inclusive, a empresa a orientadora da medida que mudaria a história dos apeadourenses.

Havia uma norma da companhia que ditava que os residentes nos arredores do antigo Caminho Grande (atual Avenida Getúlio Vargas, com trecho pela Casemiro Júnior e antiga João Pessoa) deveriam descer de seus cavalos (ou descer da montaria ou apear) para serem transportados nos bondes ao Centro.

Falando em região central e nos bondes, na efervescência das obras já consolidadas de revitalização da João Lisboa, O Estado - em julho de 2018 - contou as curiosidades do abrigo dois, fixado ao lado da Igreja do Carmo.
Construído a partir do ano de 1951 e inaugurado no ano seguinte, durante as gestões de Eugênio Barros (governador do Maranhão) e Alexandre Costa (prefeito de São Luís), o chamado “abrigo novo”, abrigo dois ou popularmente conhecido como abrigo da João Lisboa (em referência à praça de mesmo nome, situada a poucos metros), era berço de causos.

Entregue no dia 30 de julho de 1952 com 10 boxes (mantidos ativos até hoje) como uma opção para aquisição de lanches e posto de carros na região, o abrigo da João Lisboa ficou apenas nas memórias, após projeto de revitalização da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Uma São Luís que vê o futuro…

Uma capital que sempre olhará o passado para entender o seu futuro. O objetivo desta reportagem foi o de entender qual será a capital aos ludovicenses nos próximos anos. A constituição da nossa gente, em sua maioria, não foi organizada de forma planejada, como em outros territórios.
Isso se refletiu em índices e dados sociais e que representam uma população, em sua maioria, ainda longe das condições ideais. Ainda assim, projetos públicos de requalificação e igualdade buscam a compensação das falhas ao longo das décadas.
Historiadores que entendem como a cidade se formou apontam uma São Luís com características únicas. “A São Luís a partir da França Equinocial e, posteriormente, com a consolidação da colônia lusa, se estabelece uma cidade cujos traços séculos mais tarde foram contados sob a orientação de pesquisadores a partir de um olhar forte da mídia e de outas ferramentas”, disse Euges.
Para o historiador, é preciso destacar os fatos considerados oficiais que formaram a cidade. “A partir da influência inicial dos franceses e, posteriormente, da comunidade lusitana, ainda assim o fato mais importante é que a capital carrega no acervo arquitetônico, nos costumes e, principalmente, em outros elementos como a cultura por exemplo, a sua própria história. Trata-se de uma cidade rica e peculiar”, disse Euges.

Nascido no interior maranhense, Euges Lima veio para cá ainda novo e por aqui consolidou sua carreira. “Amo estar aqui e me sinto bastante ludovicense. É uma grande honra estar aqui”, afirmou Euges. Uma honra para todos nós...

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