Venezuela

Saída de Maduro de diálogo deixa oposição em encruzilhada

Nos bastidores há indícios de que a oposição, cada vez mais dividida, parece estar sem plano B

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Juan Guaidó fala a apoiadores durante ato em Caracas: oposição enfraquecida
Juan Guaidó fala a apoiadores durante ato em Caracas: oposição enfraquecida (AFP)

CARACAS — A decisão do governo de Nicolás Maduro de abandonar a nova rodada das negociações com a oposição em Barbados , no Caribe, após o aumento das sanções impostas pelos Estados Unidos, no começo desta semana, complica mais uma vez a situação política na Venezuela. Para analistas, a saída do diálogo foi uma cartada de Maduro , que tenta pressionar a oposição a criticar publicamente as sanções americanas. Oficialmente, o presidente venezuelano justificou sua decisão afirmando que "o chefe da delegação opositora Juan Guaidó celebra, promove e apoia essas ações" de Washington.

Guaidó , presidente da Assembleia Nacional que vinha sendo criticado pela ala mais radical da oposição por aceitar as negociações mediadas pela Noruega, parece agora em uma encruzilhada. Mais de 15 horas após o anúncio, ele não havia se manifestado sobre a decisão de Maduro. Em vez disso, o porta-voz da delegação opositora, Stálin González, que já estava em Barbados, lamentou a medida: "Ficam dias afirmando que querem a paz e o mecanismo de Oslo, mas na primeira mudança se apavoram com a possibilidade de uma verdadeira mudança política no país", escreveu no Twitter.

As negociações em Barbados estavam centradas na possibilidade da antecipação de eleições gerais, em troca da suspensão de pelo menos parte das sanções. Agora, nos bastidores, há indícios de que a oposição, cada vez mais dividida, parece estar sem um plano B.

" A situação está complicada para a oposição, vide o silêncio quase total que se instalou após a saída do governo das negociações", afirma David Smilde, especialista em Venezuela do centro de estudos Escritório de Washington na América Latina (Wola, na sigla em inglês). "Nos últimos meses, desde que o diálogo se instalou, alguns opositores radicais vêm argumentando que negociar com Maduro seria uma traição. Eles conseguiram que os Estados Unidos aumentassem as sanções para atrapalhar as negociações, mas não esperavam que Maduro se retirasse".

Rodada de diálogo

Para o analista, o cancelamento da rodada de diálogo enfraquece a própria oposição.

"O governo tem poder, dinheiro e as Forças Armadas. A oposição tem apoio interno e internacional, mas não tem como traduzir isso em poder. Os mais radicais queriam uma intervenção militar estrangeira, hipótese que já está descartada. Ou seja, Guaidó era o mais interessado em negociar neste momento".

As declarações do ex-governador de Miranda Henrique Capriles , que perdeu as eleições presidenciais para Maduro por menos de 1% dos votos em 2014, deixam clara a divisão entre opositores. Capriles disse que que há pessoas na oposição que não estão interessadas em eleições democráticas, "porque não têm apoio suficiente para finalizar uma candidatura" — um recado à ala mais radical representada por María Corina Machado e Leopoldo López.

" Há pessoas que acreditam que são os intérpretes da verdade", disse Capriles, em referência a María Corina, que vem criticando Guiadó constantemente nas redes sociais. "Toda vez que tentamos seguir em frente, eles dinamitam a solução porque não têm apoio popular. Política não é isso".

" Respiro"

Para a veterana jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, uma das criadoras do site Efecto Cocuyo, a suspensão da rodada de negociações é um "respiro para o governo de Maduro", ao mesmo tempo em que enfraquece a figura de Guaidó.

" O governo continua ganhando tempo. Enquanto isso, a oposição vê seu tempo se esvaindo. Em janeiro, devem escolher um novo presidente da Assembleia Nacional, hoje liderada por Guaidó, e isso implica uma nova rodada de negociações internas, que costumam começar cinco meses antes, ou seja, agor" explicou. "Pelo acordo, seria a vez dos grupos minoritários, que já não apoiam Guaidó. Se não há ações mais duras, ou seja, a derrubada de Maduro, Maduro sai ganhando e Guaidó perdendo".

Bachelet critica sanções

Especialistas também temem que as punições dos EUA possam levar a uma crise humanitária ainda mais grave. Nesta quinta-feira, a alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, afirmou, em nota, que está "profundamente preocupada com o impacto potencialmente severo sobre os direitos humanos dos venezuelanos", após a nova rodada de sanções unilaterais da Casa Branca, que ameaça punir empresas e indivíduos de terceiros países que façam negócios com o governo de Maduro.

Embora as novas sanções em tese não atinjam o setor privado venezuelano nem o comércio de alimentos e remédios, o temor é que as empresas estrangeiras, temendo punições americanas, acabem fujindo de negócios com todos os compradores da Venezuela.

Para Bachelet, que publicou há um mês um duro informe sobre violações dos direitos humanos pelo regime venezuelano, as punições podem exarcebar a crise de acesso a alimentos e remédios no país. "Essas sanções são extremamente amplas e não contêm medidas suficientes para mitigar o impacto nos sectores mais vulneráveis da população", diz a nota.

Analistas ressaltam que, como grande parte dos venezuelanos depende do governo para se alimentar, através da entrega mensal de alimentos e produtos básicos nas chamadas cestas CLAP, as punições devem afetar diretamente os mais pobres — e não funcionários do governo e a classe média, que têm acesso a dólares.

"Internamente não vejo como destravar o processo. A saída agora passa pela comunidade internacional, através da comunidade europeia ou do Grupo de Contato para a Venezuela [formado por países europeus e latino-americanos], que podem tentar interferir no processo tentando fazer Maduro voltar atrás", acredita Smilde.

Também na quinta-feira, 8, o governo norueguês, que medeia o diálogo em Barbados, disse que mantém contato com o governo e a oposição para possíveis novas reuniões.

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