Artigo

Carlos Chagas, realizador de proezas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

A última terça-feira, dia 9 de julho, é marcada na história brasileira pelo nascimento, no Rio de Janeiro, do insigne médico sanitarista Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, possivelmente o profissional brasileiro da medicina mais condecorado em todos os tempos. Em sua prolífica carreira, exerceu também as atividades de bacteriologista e cientista.

Como cientista, realizou o estado da arte em pesquisa ao descobrir todo o ciclo da tripanossomíase americana que, na época, primeira década do século XX, era ainda completamente desconhecida. Uma outra variante de tripanossomíase já era conhecida, a africana, cujo vetor é uma mosca hematófaga, a tsé-tsé.

Como todo bom cientista, seu objetivo inicial era pesquisar um surto de malária numa cidade no interior de Minas Gerais. Ali foi alertado sobre um inseto, chamado barbeiro, que vivia nas casas e picava as pessoas também, geralmente na área do rosto, além dos mosquitos anofelinos transmissores da malária.

Chagas conseguiu realizar uma proeza, considerando os recursos de que dispunha. Identificou a primeira pessoa com a doença, uma garota de três anos, o agente infectante e o reservatório, um gato. Após este primeiro momento, seguiu-se uma laboriosa pesquisa de identificação das formas agudas em hospedeiros humanos e em mais de uma centena de autópsias em pacientes que tinham a forma crônica da doença. O novo parasita foi nomeado de Trypanosoma cruzi em homenagem ao seu preceptor e amigo, Oswaldo Cruz.

Este dedicado trabalho permitiu-lhe observar que o tripanossoma afetava o cérebro e o coração dos pacientes. O trabalho teve grande apoio de alguns luminares da medicina como Oswaldo Cruz de quem Chagas foi pupilo e Miguel Couto, então presidente da Academia Nacional de Medicina, que foi quem também sugeriu que a doença fosse chamada de “Doença de Chagas”, o que foi recusada pelo autor da descoberta, num átimo de modéstia.

Na década seguinte (idos de 1918) Chagas, ao lado de Oswaldo Cruz, teve papel importantíssimo na contenção da gripe espanhola. Por ser a capital do país, o Rio de Janeiro, com seu grande porto, foi a cidade mais afetada com a gripe, embora Santos e São Paulo, além de Recife, tenham recebido pessoas infectadas e sofrido com grande parte da população afetada.

Apesar de ele e membros de sua família terem adoecido, Chagas trabalhou incansavelmente. Dois terços da cidade foram infectados, o que representava, naquele momento, seiscentas mil pessoas, das quais onze mil faleceram em virtude da gripe. Mas a estruturação dos serviços de atendimento foi de tal modo bem organizada - 27 postos de atendimentos, além de cinco hospitais criados para enfrentar a epidemia - que a ação precisa e científica de Chagas salvou muitas vidas, o que, infelizmente, não foi possível em outros lugares do mundo. Antecipando-se a seu tempo, Chagas investiu em comunicação com panfletos que descreviam os modos de infecção e alertando sobre cuidados a serem tomados por todos. A epidemia se instalou no país em janeiro de 1918 e, no final do ano, em função dos grandes esforços, estava completamente debelada.

A lista de premiações e reconhecimentos do mérito científico deste grande cientista brasileiro é imensa, passando por universidades de Paris, Berlim, Harvard, entre muitas outras organizações científicas mundo afora. Duas vezes Chagas foi indicado ao prêmio Nobel de medicina e fisiologia, em 1913 e 1921 e, infelizmente, não foi laureado, por conta de artimanhas ligadas à inveja; mas seu legado e exemplo ecoam a quase cem anos depois vívidos como um luminar da ciência brasileira.

Aos 55 anos, em 8 de novembro de 1935, Carlos Chagas faleceu, no Rio de Janeiro, de um infarto do miocárdio. Partiu o homem, nascia o mito.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA


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