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Assim começa a judicialização da política

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

Li pelos jornais a notícia de que seis partidos políticos entraram com uma ação no Supremo para anular a sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados que aprovou a Proposta de Emenda à Constituição sobre a Reforma da Previdência. Outra matéria noticia que determinado partido político se insurgirá judicialmente contra o corte de verbas para as universidades federais.

Tornou-se comum todas as leis polêmicas aprovadas pela Câmara serem alvo de ações por parlamentares da oposição, requerendo, ora a nulidade de alguma votação, ora a inconstitucionalidade de leis. Ocorre, também, quando a decisão é administrativa e não há unanimidade de entendimento ou na interpretação do Regimento da Casa. Várias ações de repercussão no direito eleitoral foram ajuizadas, nos últimos anos, perante o Supremo, por agremiações políticas. Quem duvida de que a Reforma da Previdência, depois de promulgada, vai acabar no STF?

É desse modo que se judicializa a política, levando os grandes debates públicos para o Judiciário. São os chamados litígios estruturais, que tiveram sua origem nos Estados Unidos e disseminaram-se para outros países, como uma nova atribuição do Judiciário para concretização dos direitos fundamentais e demais postulados constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal está em seu lugar, inerte, sem dizer nada, sem querer se envolver em questões políticas, e, de repente, é acionado para decidir ações desse jaez. Que fazer? Dizer que não conhece os pedidos, simplesmente? Dizer que não pode julgar ações de natureza política? Não pode. Sua obrigação é decidir.

O surpreendente é que, depois, os mesmos deputados - geralmente da oposição -, que ajuizaram as ações vão apregoar que o Supremo está se intrometendo em matéria da prerrogativa do Legislativo.

Por esse exemplo, fica bem claro o que é judicialização da política. É uma iniciativa que vem de fora pra dentro. Diferente do ativismo, que é de dentro para fora. Para alguns doutrinadores, na judicialização, a política invade a Justiça, enquanto no ativismo, o judicial se intromete no Legislativo e no Executivo para suprir omissões. Sempre provocado. Atentem bem: sempre provocado.

Na judicialização, a Justiça é convocada a dirimir conflitos que se instalaram em outros poderes. Conflitos de natureza política, econômica e social, todos com repercussão na sociedade e na economia do país.

O lado positivo da judicialização é a demonstração de confiança na independência do Judiciário e no seu poder contramajoritário. Mas a população nem sempre entende assim, principalmente quando é manipulada pelas redes sociais.

Por sua posição estática (esta é a postura institucional do Judiciário: é um poder inerte; só age quando convocado), os tribunais não vão atrás das questões; elas é que vão a eles e querem uma resposta. Nenhum juiz pode se eximir de decidir. É um postulado processual e constitucional (a inafastabilidade da prestação jurisdicional).

Os políticos e parlamentares que criticam a intromissão da Justiça na política deveriam antes resolver seus problemas na própria Casa: o Congresso Nacional. E não judicializar qualquer desentendimento.

É preciso esclarecer também que esse fenômeno da judicialização não é exclusivo do Brasil. Está ocorrendo em vários países como uma nova expressão das democracias contemporâneas e da afirmação do Judiciário como poder efetivo e “garantidor das promessas”, como preconiza Antoine Garapon.

Outro detalhe: se o STF é convocado a dirimir algum conflito político, necessariamente exigirá o cumprimento de sua decisão. Para isso, a Constituição conferiu-lhe legitimidade, com apoio dos representantes do povo, na Constituinte.

É essa a posição da Justiça. Só os que não a compreendem é que ficam falando tolices, ameaçando a democracia, a independência dos poderes e a paz que o desempenho judicial garante, a cada dia, neste vasto país chamado Brasil.

Lourival Serejo

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