Artigo

Filhos de assistência x filhos de aparência

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

Segundo levantamento recente do Ministério do Trabalho no ano de 2018, houve um aumento em torno de 547% no número de cuidadores de idosos no país. Os brasileiros estão envelhecendo cada vez mais, e precisam de apoio na fase que denominamos terceira idade.

Nesse contexto, a Constituição consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve nortear, inclusive, as relações familiares. A regra constitucional (artigo 229) é objetiva: estabelece que assim como os pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto menores, os filhos maiores devem amparar os pais na sua velhice. A “parceria” pais e filhos deveria funcionar como uma “avenida de mão dupla”. Não raramente, sabemos de relatos sobre pais que abandonam seus filhos sem o necessário acompanhamento nos primeiros anos da vida, e, por outro lado, sobre filhos, que dão as costas para seus pais já idosos, furtando-se de adentrar no cotidiano dos mesmos simplesmente para não serem ocupados com alguma tarefa já não tão mais fácil de ser executada para estes últimos, sobrecarregando outros familiares. A essa categoria resolvi denominar de filhos de aparência.

Os filhos de aparência são, portanto, aqueles que ao mesmo tempo em que se preocupam em manter sua imagem impecável socialmente, com receio da descoberta de uma incômoda omissão em relação a seus pais, e das críticas tanto dos mais próximos, quanto de terceiros; não esquecem de dar a quase obrigatória satisfação para os chamados seguidores das redes sociais. A propósito, nos tempos atuais quantos likes não valem uma selfie de rosto inclinado ligeiramente para a direita na casa dos pais por alguns segundos??

A figura do filho de assistência surge como contraponto ao filho de aparência, ou seja, mesmo envolto no stress diário profissional e da vida pessoal, não mede esforços para tentar minimizar as dificuldades e limitações dos pais. Proporcionar um passeio, acompanhar numa consulta, ligar para saber se a casa está trancada constituem um saber racional mínimo que um filho ou filha pode e deve fazer pelo bem de seus pais.

Para efeitos de lei, os filhos ocupam a mesma “linha hierárquica” familiar, o que lhes atribui os mesmos direitos e deveres. Na prática, porém, uma vez constatada a presença de filhos de aparência e filhos de assistência no mesmo núcleo familiar, a divisão de responsabilidades antes mencionada simplesmente não existe, e para o não comprometimento da saúde, sobretudo, daqueles pais que por vergonha tentam minimizar as falhas dos referidos filhos de aparência, a princípio, o melhor caminho para o filho de assistência é cumprir com o seu dever filial praticamente sozinho, por mais injusta e desequilibrada que se torne essa relação. Entretanto, qualquer filho que tenha caráter e sensibilidade tem que cumprir fielmente um dever de consciência. Honrar pai e mãe não significa gostar, nem concordar, nem tampouco esquecer eventuais dores que eles possam nos ter causado. Mas é fazer a parte daquilo que nos cabe, sendo conveniente ou não. E fazê-la com nobreza e espírito elevado, porque um dia eles não mais estarão no plano terreno. Aos filhos de assistência ficarão as memórias daquilo que fizeram e o conforto pela consciência tranquila do dever cumprido. Como diz a Bíblia (Gálatas 6:7), “quem sabe o que planta, não teme a colheita...”. Para os filhos de aparência, marcados pela omissão e letargia propositada, por outro lado, restará o vazio de uma vida artificial, além do peso na consciência, e a resposta implacável do tempo.

Dessa forma, convido-os à reflexão: Você é um filho de aparência ou um filho de assistência?


Júlio Moreira Gomes Filho

Sócio do Escritório Moreira Gomes & Vilas Boas Advogados Associados, MBA em Direito Civil e Processual Civil-FGV, vice-presidente da Academia Maranhense de Letras Jurídicas


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