Artigo

De cultura e respeito

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

Por conta das “palavras saborosas” da minha crônica passada recebi alguns e-mails e umas poucas ligações telefônicas comentando o texto e acrescentando coisas. Dentre os e-mails, um bastante curioso: o oferecimento de visita a um saite, o do vocabulário barra-cordense, que é um glossário eletrônico para onde os barra-cordenses (é isso?) enviam as palavras saborosas que fazem parte do linguajar do seu município. A par de alguns vocábulos comuns a todo maranhense e de outros desconhecidos, fiquei sabendo que, nesse jargão, não se pode dar crédito a um berola e que, se você está bernaldo, não deve ir a um quelelê e, muito menos, a um BQ, a não ser que a sorte o faça ficar buiado de repente. Quem não entendeu nada e não quiser ficar de fora pode aproveitar e consultar este endereço: www.geocities.com.Heartland/Ranch/9109/vocabula.htm.

A identidade criada por esse apego ao falar de cada torrão torna-se um liame entre os seus indivíduos, assim como se fossem todos membros de uma confraria. São os códigos familiares que os identificam onde quer que estejam. Atire a primeira pedra o maranhense que, fora do nosso Estado, ao encontrar outro conterrâneo, resistiu à tentação de chamá-lo, em voz alta: Ei! Qualira! Aliás, a palavra qualira - ou qualhira - é quase uma senha de identificação entre nós, um xibolete do maranhense. Conheço um grupo de amigos maranhenses exilados em São Paulo cujo maior prazer é reunir-se e passar o tempo todo a chamarem-se mutuamente de qualhiras. Sem esquecer que, nesses encontros, também brilha o lorel e as exclamações helas e marrapá, ditas por tudo e por nada, com grande entusiasmo. Freud diria que é a tal necessidade de raízes.

Mas confesso a vocês, que, mesmo sem nunca ter me mudado daqui, padeço da saudade de certas palavras saborosas que corriam à solta entre nós há uns anos atrás. Precisamente, antes da chamada globalização. No caso, não uma, mas as duas: a de Mac Luhan, o da aldeia global, e a do padrão globo de qualidade - promotora da estandartização da nossa cultura. Sinto falta de conversas recheadas de licutes; de coisas que dão gastura; de uma alpercata bem rudela para usar em casa; de dizer á minha neta que menininha comportada não anda sem sunga; de chamar ao telefone um carro-de-praça ou de ir a uma simples mercearia, sem precisar falar supermercado.

Ainda bem que os estrangeiros que cada dia mais chegam á nossa Ilha - nada contra eles, sejam bem-vindos -, não conseguiram mudar o nome do nosso pão massa grossa para pão francês. Nem o de massa fina para pão careca. Bem que algumas padarias metidas a chique tentaram. O povo resistiu. E elas sabiamente deixaram de remar contra a cultura local e voltaram às antigas denominações.

Por falar em respeito à nossa cultura, um grupo alienígena - vocês sabem quem - montou umas quitandinhas por aí e, talvez pensando fossem remanescentes da Companhia das Índias, quis nos fazer de bobos: suprimiu os empacotadores, deixou de vender vinagreira, jongome, farinha seca quebradinha, pescadinha da boca mole, manteiga Real e coisa e tal. Desprezou os nossos fornecedores, conhecedores do gosto maranhense, e nos tratou com pouco caso. Coisa de gente do Primeiro Mundo para com subdesenvolvidos empambados. O resultado não tardou: lojas vazias, pouca venda. A coisa parece que não deu certo. Confundiram subdesenvolvido com zé-mané. Estão - felizmente - arribando do nosso porto.. Que isso sirva de lição a outros alienígenas que aqui chegarem buscando abrigo e modo de enricar. Há que se respeitar a cultura de quem nos acolhe. Ou dito de modo mais saboroso: em terra de sapo, de cócoras com ele.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: ceresfernandes@elo.com.br

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