Na transformação da sociedade urbana

Importância das Quintas no contexto social de São Luís

Imóveis considerados referências, em especial no início do século XX, as quintas ou mansões também estiveram incluídas na consolidação econômica da cidade

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

[e-s001]Era a segunda metade do século XIX, e a cidade de São Luís começava a sair de uma economia meramente rural para uma estrutura urbana que começava a apresentar ao mundo aspectos de modernidade, como serviços de iluminação pública e de meios de transporte. Ao mesmo tempo, o governo – com medidas emergenciais – buscava elevar o nível de salubridade e higienização. Dentre essas ações, estavam a regulamentação de construções residenciais que não tivessem o aspecto de casas regulares, con­forme estabelecido pela Câmara vigente à época. Surgem aí as chamadas quintas – termo português para mansões –, que, no contexto histórico, serviram para o conforto de famílias abastadas e para a sobrevivência de boa parte da camada da população que ainda vivia na linha da miséria e extrema pobreza.

Para entender a lógica deste tipo de construção, é importante apontar o momento social ludovicense à época. A cidade começava a sair da era pós produção algodoeira – cujas fábricas após o fim do século XIX não foram capazes de criar um sistema dinâmico e permanente de produção têxtil. De concorrente no mercado internacional, São Luís passou a registrar a cada dia mais unidades voltadas para a produção de itens ligados ao algodão fechados.

Com isso, a agricultura de subsistência voltou a ser predominante no estado e na capital. Em São Luís, com a consolidação dos portos de embarque e desembarque, em especial da Sagração e Campos Melo, a economia passa a ser voltada no entorno dos pequenos mercados e feiras, como a feira da Praia Grande, que, além de fomentar os lucros e as riquezas, também ajudou a desenvolver o Centro Histórico da cidade.

Na contramão de muita gente com pouco, havia famílias que contavam com o aporte financeiro de suas riquezas extraídas em Portugal e em outros países e que, por opção, mantinham grandes estruturas para a sobrevivência e abastecimento: as chamadas quintas. Autor da obra “Becos & Telhados”, o historiador e pesquisador Antônio Guimarães descreveu a O Estado como se dava a configuração destas quintas. Para ele, eram estruturas consideradas complexas, que, além dos compartimentos para quartos e outras instalações, também apresentava no entorno uma logística de abastecimento. “Em algumas delas, havia local para fazer farinha, ou ainda vacarias para a produção de leites. Várias famílias viviam nestas quintas e algumas delas ficaram famosas”, disse.

Para ele, são imóveis importantes até mesmo para a configuração social da sociedade, que tentava novamente uma opção econômica. “As famílias residiam e tentavam sobreviver neste contexto, vivendo nestas quintas, que, apesar de serem voltadas para seus senhores, também tinham o desenvolvimento de atividades ligadas à pecuária e à agricultura que contavam com a participação destas camadas populares que dependiam destas quintas”, afirmou.

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Características europeias
Além de servir nos contextos econômico e social, as quintas também chamavam a atenção pela imponência e suntuosidade. Eram construções, de acordo com especialistas, voltadas às tradições e modelos de imóveis europeus, a partir da interferência, em especial da colonização portuguesa, ainda forte na capital maranhense em meados dos séculos XVII e XVIII. Com o desenvolvimento da cidade, estes imóveis foram se tornando mais complexos, especialmente pela influência de correntes arquitetônicas europeias, já que muitas famílias abastadas de São Luís contratavam profissionais de outros países para erguê-los.

[e-s001]Troca da produção
A partir do século XIX, quando surgiram as quintas, conforme cita “São Luís: Fundamentos do Patrimônio Cultural”, de Ananias Martins, a população ludovicense se tornou uma das maiores cidades portuárias brasileiras, ainda garantida pela produção algodoeira e pela vinda, da Europa, de produtos para consumo local, como arroz e couros. Este movimento, segundo Ananias, possibilitou a formação de um mercado consumidor local destes itens vindos de outros países.

Na segunda metade do século XIX, mais especificamente após os anos de 1860, houve maior circulação de dinheiro, a ponto de muitos comerciantes sobreviverem da venda de azeitonas portuguesas, azeite doce, alhos, alcatrão e, principalmente, bacalhau. Outros produtos que também passaram a ser consumidos no mercado de São Luís a partir desse período e que constituíram, temporariamente, a atividade financeira, foram cerveja, canela, farinha de trigo, folhas de flandres e ferro inglês.

No contexto, São Luís tentava ainda sair da tradição escravocrata. Neste período, era comum ver escravos nas ruas “sem qualquer tipo de vigilância pessoal”. Alguns deles, de acordo com historiadores, eram encaminhados às vias pelos seus próprios senhores com a função de, por conta própria, desenvolverem atividades comerciais. Tais escravos que geravam renda desta maneira eram chamados de “escravos de ganho”.

É neste cenário de indefinição de atividade financeira preponderante e de transição entre uma economia escravocrata para uma tentativa de economia mais autossuficiente que pessoas são “selecionadas” para trabalhar e atuar nas chamadas quintas, administradas por famílias consideradas mais privilegiadas financeiramente.

SAIBA MAIS

Características da sociedade ludovicense à época das quintas:
-Dependente da agricultura de subsistência
-Voltada para as culturas da pecuária
-Ausência do protagonismo da produção algodoeira
-Aberta à interferência dos costumes lusos
-Aberta às produções vindas das navegações

O QUE É UMA QUINTA

De acordo com historiadores, é o sinônimo de “mansão” e trata-se de uma grande construção, normalmente mantida por pessoas da alta sociedade local e que, no entorno, mantinham produções voltadas para a pecuária e agricultura. Era comum ver quintas com vacarias e grandes plantações de diferentes culturas. Outras quintas registravam um ou mais poços para o fornecimento de água

UMA QUINTA DAS LARANJEIRAS NO RIO

Pesquisa de Antônio Guimarães informa que uma “Quinta das Laranjeiras” também surgiu no Rio de Janeiro, no início do século, por intermédio de Nhozinho Santos, homem visionário que foi responsável, por exemplo, pela introdução do automóvel e do futebol em São Luís. Inspirado pela Quinta da Ilha, Nhozinho – também com inspiração inspirado pelo bairro das Laranjeiras carioca – fez a sua própria obra. “Ele [Nhozinho] tinha a influência do futebol, com o Fluminense, que é do bairro das Laranjeiras, e por morar até então na Ilha próximo à Quinta das Laranjeiras. Daí, ele fez uma Quinta das Laranjeiras no Rio, e pouca gente sabe disso”, frisou Guimarães.

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