Obra pioneira

Energia: das fontes de cobre às companhias internacionais

Em quase dois séculos do início dos serviços de iluminação pública, acompanhando a tendência nacional, São Luís também buscava modernização a partir da intervenção de gestores públicos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27
Hoje, a bela iluminação de mercúrio da parte histórica de São Luís serve de pano de fundo para fotos de turistas e moradores que querem nostalgia
Hoje, a bela iluminação de mercúrio da parte histórica de São Luís serve de pano de fundo para fotos de turistas e moradores que querem nostalgia (iluminação)

Do início do século XIX até as últimas décadas, São Luís construiu sua história pautada também na consolidação dos serviços de iluminação pública. Entre idas e vindas, falta de planejamento da administração pública e ausência de uma política de gastos que contemplasse o serviço, a cidade viveu períodos em que a condição foi mínima de iluminação. A consolidação do serviço, anos mais tarde, possibilitou, por exemplo, que a cidade passasse a adotar por várias décadas os bondes como meio de transporte. Foi a partir da construção dos primeiros circuitos que os veículos puderam delimitar as rotas que seriam seguidas pelos exploradores da atividade.

De acordo com César Augusto Marques, em “Dicionário Histórico-Geográfico do Maranhão”, o primeiro serviço de iluminação pública na cidade data da primeira metade do século XIX, mais especificamente do ano de 1825, quando o então presidente da província, Manuel Teles da Silva Lobo - em parceria com Faustino Antonio da Rocha - fez o contrato. Segundo o historiador, a fonte do produto seria “à base do azeite”, fornecida por lampiões em pontos principais da cidade.

A configuração da iluminação não prosperou, a ponto de - 11 anos mais tarde - o presidente Felizardo de Souza e Mello revelar a aliados que lamentava o “estado da iluminação de São Luís”. De acordo com o gestor, os lampiões “eram sujos, em número reduzido e malconservados”. Em 1841, a Câmara obteve a autorização para executar os serviços de iluminação pública. Para isso, precisava contratar uma ofertante do serviço. A autorização foi concedida pela Lei número 108, de 28 de agosto de 1841. Segundo o texto, a autorização ocorreria “mediante a prestação de nove contos de réis anuais”, desde que fossem mantidos 135 candeeiros.

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O contratado, ainda de acordo com Raimundo Palhano, foi Bernardo Paes de Vasconcelos, que prometeu trazer da Europa pelo menos 120 novos lampiões de cobre. No entanto, os equipamentos tão alardeados somente foram trazidos dois anos após a promessa, em 1843. De acordo com relatos da época, os lampiões chegaram sob forte entusiasmo. “A inclusão dos serviços de iluminação pública na cidade, na maior parte da história, está pautada na contratação de empresas estrangeiras que dominavam o serviço, continham os equipamentos e, na prática, não ofereciam aquilo que de fato era acordado”, frisou o historiador Euges Lima.

Iluminação mais moderna
A partir da segunda metade do século XIX, a cidade de São Luís deu um passo importante para entrar na era da modernidade quando se trata de iluminação. Foi nesse período que o poder público obteve a autorização para poder contratar o serviço à base de gás, fonte essa aproveitada em outros centros mundiais. O primeiro vínculo comercial duraria 40 anos e teria exclusividade.

De acordo com César Augusto Marques, os empresários Raymundo de Brito Gomes de Sousa e Júlio Duchemin foram escolhidos preliminarmente para consolidar a então nova estrutura urbana, no entanto, o vínculo precoce foi cancelado sem razão oficial. Em 1861, foi firmado o primeiro contrato para iluminação a gás hidrogênio. Segundo o “Dicionário Histórico-Geográfico”, os contratados foram os norte-americanos Silvester Battin e Marcus Williams. Pelo contrato, os empresários comprometiam-se a manter “500 combustores”, por uma remuneração fixa.

Em 24 de novembro de 1862, os norte-americanos criaram - a partir de concessão - a Companhia de Iluminação a Gás do Maranhão, que ficou conhecida como “Gasômetro”. Em tese, seria o fim da iluminação a azeite. Porém, de acordo com Domingos Vieira Filho, o sistema de iluminação deste tipo somente foi extinto de forma definitiva em 1907.
Sobre a nova companhia, segundo Luiz Phelipe Andrès, o sistema funcionaria a “partir da ponta do São Francisco”. De acordo com o historiador e membro da Academia Maranhense de Letras (AML), em seu artigo intitulado “A fundação de São Luís do Maranhão e o projeto urbanístico do Engenheiro Militar Francisco Frias de Mesquita”, foram utilizados tubos de cobre subterrâneos para a passagem do gás hidrogênio.

Locais até hoje conhecidos da capital serviram de palco para o início do novo serviço, como a Rampa do Palácio, o Cais da Sagração, a Praça da Alegria, o Beco dos Barqueiros, a Rua da Palma, o Largo de Santo Antônio e a Praia Grande, segundo Josué Montello. Assim, boa parte da população da cidade na ocasião era atendida.

A figura do “fiscal” e a lua iluminando a cidade
Após a regulamentação do sistema de iluminação a hidrogênio, apareceu a figura do chamado “fiscal”, ou seja, quem deveria identificar as faltas no serviço de iluminação, tais como: lampiões apagados, luz amortecida, entre outros itens. Segundo cita a professora Elizabeth Abranches, em seu trabalho intitulado “A Educação do Bello Sexo em São Luís na segunda metade do século XIX”, o cuidado com a iluminação da cidade fazia com que o governo estabelecesse multas e até penas de prisão. “Havia neste período uma regulamentação que ditava as regras de conduta que deveriam ser seguidas pelas pessoas quanto à conservação dos equipamentos ligados aos serviços de energia. Havia inclusive, conforme cita Palhano em sua obra, uma tabela em que eram apontados pagamentos de determinados valores caso tais estruturas urbanas fossem atingidas”, disse Abranches.

Segundo trecho do jornal “A Flecha”, de 1879, “a Companhia do Gás sabe bem aproveitar os contratos”. Ainda de acordo com o periódico, “...ainda a lua vem lá na casa de Nosso Senhor Jesus Cristo e já os lampiões se conservam apagados e a gente anda na rua sem enxergar três dedos na frente do nariz”. O que chamava a atenção no acordo entre o contratante e a empresa prestadora era o artigo 3º do texto que o regulamentava. Segundo a regra, a Companhia era obrigada a iluminar a cidade “sempre que a lua não estivesse acima do horizonte, durante os seis meses de verão”. Ainda de acordo com o texto, no “inverno”, a suspensão no serviço somente poderia ocorrer nos dois dias anteriores e no imediato ao da lua cheia.

Em 1870, conforme cita César Marques, menos de 10% do total dos domicílios existentes na capital maranhense (4.800 no total) eram servidos de luz. Diante da baixa cobertura, a imprensa da época voltou a tecer críticas ao serviço. Quase trinta anos depois, o número de residências com luz havia quadruplicado. De acordo com o “Álbum Maranhão Ilustrado”, o saldo representava aproximadamente 45% das residências.

A virada do serviço no século XX
A mudança mais pertinente no sistema de iluminação pública da cidade começou a ocorrer nos primeiros anos do século XX, a partir de 1905. Foi quando o Município autorizou a substituição do sistema a gás hidrogênio por gás carbônico. De acordo com a Lei número 126, além da Companhia até então existente, o serviço também contou com a contratação de mão de obra internacional.

A largada do sistema a gás carbônico ocorreu em logradouros, como: as avenidas Maranhense, Silva Maia, as praças Benedito Leite e João Lisboa, além das ruas Portugal, 28 de Julho, da Palma, do Egito, São Pantaleão e outras. “Ou seja, havia uma seletividade na oferta dos serviços de iluminação pública, muito mais voltados para os mais privilegiados financeiramente, enquanto os bairros da periferia, em sua ampla maioria, ficavam às escuras”, frisou a professora Elizabeth.

De acordo com as regras do novo sistema, “os consumidores particulares deveriam pagar suas contas dentro do mês imediato ao consumo e, ainda, ficavam sujeitos ao corte no fornecimento, se não quitassem a conta”. Ainda segundo Raimundo Palhano em “A Produção da Coisa Pública”, a mensuração do fornecimento de gás aos consumidores, hospitais e edifícios públicos seria feita por meio dos conhecidos até hoje registros (ou medidores).

A inclusão dos serviços de iluminação pública na cidade, na maior parte da história, está pautada na contratação de empresas estrangeiras que dominavam o serviço, continham os equipamentos e, na prática, não ofereciam aquilo que de fato era acordado” Euges Lima, historiador

Neste período histórico, apareceu a figura do inglês George Wallace Anderson. Foi com ele que o poder público fez o seguinte acordo: se o então concessionário (ele no caso) introduzisse gradativamente o sistema de iluminação à base de eletricidade no lugar do então recém-instalado gás carbônico, este seria compensado financeiramente e permaneceria isento na cobrança de impostos. A esta altura, a então Companhia de Iluminação entrava em decadência pela perda de espaço diante da concorrência.

A mudança não deu certo e, após duas outras tentativas de estabilizar o serviço – com as empresas Domingos Barros e Grifith William & Johnson ­–, o Governo do Maranhão, em 1916, passou a gerir o que deveria ser um benefício à população. Em 1918, finalmente a cidade de São Luís recebe o que a maior parte dos pesquisadores considera como o período em que foi firmado o contrato “do primeiro serviço de luz à tração elétrica”. A inauguração aconteceu onde hoje é o Complexo Deodoro. O fato foi relatado por Josué Montello. Para o autor, “as sombras tinham sido afugentadas da área urbana: onde havia bicos de gás, brilhavam agora […] as lâmpadas elétricas”.

Mesmo com o aparente avanço, pouco mudou. Apenas 838 postes foram instalados em toda a cidade e a maior parte das ruas ainda vivia sob a escuridão. Até 1923, “a lua cheia” foi a grande aliada da população, pela falta de compromisso dos empreendimentos contratados até então e pela incapacidade administrativa do poder público.

Chegada da Ulen e formação da “Centrais Elétricas”
De acordo com Félix Alberto Lima, membro da AML, a chegada da Ulen Company à capital maranhense, em 1928, “era o alento que tanto era desejado pela população”. Antes de firmar contrato com a marca, o governo maranhense contraiu um empréstimo de pouco mais de 1,75 milhões de dólares com uma financeira de Nova York. A Ulen também seria responsável pela “construção das redes de abastecimento de água e de esgoto, fornecimento de energia elétrica para luz e tração [ou bonde]”. O escritório da empresa, no começo de sua história, estava situado na Rua da Estrela, Centro Histórico.

No início da década de 1930, o chamado crime da “Ulen” estremeceu as relações entre o empreendimento e a administração pública. A situação chegou a tal ponto que o negócio deixou de ter autorização para se manter ativo na cidade. Tanto que, pela Lei Estadual número 1.609, de 1958, foi criada a “Centrais Elétricas do Maranhão”, a Cemar. Apesar do pedido, a autorização para funcionamento somente ocorreu, segundo a empresa, no dia 12 de outubro de 1959. A Cemar foi pensada com o “objetivo de produzir e distribuir energia elétrica em todo o estado do Maranhão”.

Apesar do surgimento, a recente companhia somente ganhou importância concreta na década de 1970, quando a então antiga Cemar foi incorporada à Companhia de Eletrificação do Nordeste (Cerne). Foi neste momento que a companhia se tornou a única concessionária fornecedora dos serviços de distribuição de energia elétrica do Maranhão.

A partir da Lei Estadual número 4.621, de 1984, a Cemar passou a receber a denominação atual de “Companhia Energética do Maranhão”. A companhia também sofreu com problemas e desistências e, nos anos 2000, precisou da intervenção da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para não fechar as portas.

Em 2006, o controle acionário da Cemar passou para a Equatorial Energia, primeira empresa com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo com sede na capital maranhense. Atualmente, de acordo com informações do setor técnico da Cemar, a empresa objetiva a expansão da marca pela América Latina.

SAIBA MAIS

Os primeiros passos e a consolidação da energia elétrica em São Luís

1825 - Primeiro serviço de iluminação pública contratado pelo então presidente da província, Manuel Teles da Silva Lobo;
1841 - Câmara obtém a autorização para executar os serviços de iluminação pública;
1861 - Firmado o primeiro contrato para iluminação a gás hidrogênio
1862 - Norte-americanos criaram - a partir de concessão - a Companhia de Iluminação a Gás do Maranhão
1905 - Município autoriza a substituição do sistema movido até então por gás hidrogênio por gás carbônico
1916 - Governo do Maranhão passa a gerir o serviço de iluminação pública
1928 - Chegada da Ulen Company à capital maranhense
1958 - Criada a Centrais Elétricas do Maranhão, a Cemar
1984 - Cemar passou a receber a denominação atual de Companhia Energética do Maranhão

NÚMEROS

12.085 quilowatts era a produção energética no início do século XX
779.000 quilowatts era a potência instalada no país a partir de 1930
40 réis o quilowatt /hora era o preço cobrado pela “Gaffrée & Guinle”

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