Artigo

Graça Aranha revisitado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

A dor é boa, porque faz despertar em nós uma consciência perdida; a dor é bela, porque une os homens. É a liga intensa da solidariedade universal.

(Graça Aranha, Canaã)


Feliz ventura a que trouxe a lembrança do nome do imortal escritor renomado Graça Aranha para ser o patrono da edição 2018 da Feira do Livro em São Luís. O escritor, romancista, ensaísta e jurista, nasceu em nossa cidade, em 21 de junho de 1868. Filho de Temístocles da Silva Maciel Aranha e Maria da Glória da Graça Aranha, em sua passagem pela terra, nosso conterrâneo deixou um legado de dedicação à literatura e às artes.

Sua senda no Direito foi vitoriosa. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife e foi lá que desenvolveu uma profunda admiração pelas ideias do sergipano Tobias Barreto, a quem dedicou boas impressões em seu livro “Meu romance”, de 1931, biografia incompleta em razão de sua morte nesse mesmo ano. Nesse livro, Aranha se refere a Barreto como “inovador” e “rebelde” e faz um pequeno tratado do legado de Filosofia e Direito na visão do sergipano.

Com a formatura em 1886, o maranhense se instala na capital federal da época, o Rio de Janeiro, onde vai exercer o cargo de juiz de Direito na cidade de Campos, interior do estado, em 1889, para logo depois ser nomeado juiz na cidade de Porto Cachoeiro, no vizinho estado do Espírito Santo. A cidade marcou profundamente a carreira literária de Graça Aranha, justamente por ser o cenário da escrita de sua famosa obra Canaã.

No livro, Graça Aranha nos apresenta a história de Maria de Canaã, uma moça imigrante. Um cruel assassinato, um lugar de preconceitos e o drama da imigração são elementos atrativos de uma obra atemporal, que nos ajuda a perceber que, se evoluímos em alguns pontos em relação ao Brasil onde Aranha viveu, pouco mudamos na essência. Os estudiosos da literatura dizem que a obra é considerada como uma das precursoras do pré-modernismo, período marcado pela exposição das mazelas da realidade de nosso país.

Graça Aranha também possui o mérito de ter sido um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ABL, em 1896, que passaria a funcionar plenamente apenas em 1897. Mais tarde viria a romper com a ABL, ao proferir seu famoso discurso Espírito Moderno, em 1924, quando a acusa de ter se distanciado de seu ideal primevo: “(...) Tudo se harmoniza, espírito e natureza, no fulgurante ambiente brasileiro. O céo não é leve nem subtil para alimentar idéas de débil e fria belleza. Não é um céo clássico para cobrir acadêmicos. E' um céo ardente, escandecido, longínquo e implacável, que aspira às forças da natureza, homens e cousas, os eleva, os engrandece e os dissolve na immensidade da luz (...)Ora a Arte é transcendente, quando da múltipla imagem dos seres tudo arrebata para tudo fundir no Todo infinito”, bradou o romancista.

Retrocedamos a duas décadas para dizer que, nesse período, ele viveu fora do país, quando cumpriu, entre 1900 e 1920, uma profícua carreira diplomática na Europa, onde bebe as ideias revolucionárias do espírito moderno. Ao regressar ao Brasil se engaja na realização da Semana da Arte Moderna, com a conferência “A emoção estética na arte moderna” e arrebatou a plateia ao declarar que “a emoção geradora da arte ou ao que esta nos transmite é tanto mais funda, mais universal, quanto mais artista for o homem, seu criador, seu intérprete ou seu espectador. Cada arte nos deve comover pelos seus meios diretos de expressão e por eles nos arrebatar ao infinito".

Foi autor de vários outros livros, peças de teatro e organizou um instigante ensaio sobre a troca de cartas entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Merecida, justa e cabível a lembrança de seu nome como Patrono da Feira do Livro de São Luís. Que seu desvelo pela arte, pela sua ousadia de romper com valores com os quais já não comungava, inspire esta e as futuras gerações.

Conforme ele próprio inspirou, ao romper com a ABL, “Se a Academia não se renova, então morra a Academia.”, entendemos ser um dever não ir pela contramão da história. Franklin de Oliveira exclamara: Amém!

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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