Disputa eleitoral

Na Alemanha, partido inicia operação ''Baviera primeiro''

Em alusão ao lema defendido por Donald Trump, campanha de candidata pela AfD pode acabar com a hegemonia dos conservadores

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28
Em Deggendorf, cartaz mostra a candidata do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Katrin Ebner-Steiner
Em Deggendorf, cartaz mostra a candidata do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Katrin Ebner-Steiner (Alternativa/AFP)

DEGGENDORF - Às 11h, Katrin Ebner-Steiner chega a tempo para a sua conversa com os eleitores. A candidata do partido alemão de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) monta uma tenda na praça do mercado de Deggendorf, situada na Baixa Baviera, para começar a sua “operação de aproximação” com os eleitores em potencial para as eleições de domingo, 14.

No local, a candidata do AfD age diferentemente de todos os outros partidos — ao longo do ano, faça chuva ou faça sol, Katrin está sempre ali, às quintas e aos sábados. As pessoas vêm e discutem sobre seus problemas e medos, além das suas dificuldades financeiras. Ela lhes pede seus endereços de e-mail e promete entrar em contato mais tarde. Está aqui, de forma presente para eles, conquistando cada voto individualmente.

"Temos que ajudar o nosso povo primeiro. Aqui há pessoas de baixa renda. Baviera primeiro", resume a candidata, repetindo um dos mantras do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Katrin, de 40 anos, usa sapatos confortáveis, porque sabe que hoje será um dia longo. Em plena campanha eleitoral para as eleições da Baviera, a candidata amplia os seus esforços — tem consciência de que todos os olhares convergem para o AfD.

As pesquisas indicam que a União Social Cristã (CSU), o partido conservador ligado à União Democrata Cristã (CDU) da chanceler Angela Merkel, desta vez sofrerá uma queda acentuada no número de votos, mesmo após seis décadas de poder na Baviera. Boa parte desses votos irá para os Verdes, mas também para o AfD, que pode receber entre 10% e 14% dos votos, segundo as pesquisas. Em âmbito nacional, o partido de extrema direita alcançou 12,6% dos votos nas últimas eleições gerais, ocorridas em setembro de 2017.

O AfD causou um verdadeiro terremoto nas eleições realizadas no último ano, quando obteve, pela primeira vez, espaço no Parlamento alemão. As eleições no estado da Baviera, cujo partido de extrema direita também concorre de forma inaugural, representam um enorme teste político.

Fragmentação

Caso as pesquisas estejam corretas, ao ser eleito, o AfD não somente iniciaria sua trajetória no Parlamento bávaro, mas sua entrada resultaria em uma fragmentação que, somada à previsível ascensão dos Verdes, pode ter um resultado muito prejudicial para os conservadores da Baviera. Caso o AfD obtenha um bom resultado nesse processo eleitoral, o partido enviaria também uma mensagem clara a Berlim de que chegaram para ficar e de que o partido tem a capacidade de dinamizar os equilíbrios políticos — se compararmos a como o conhecíamos até o momento, inclusive no irredutível estado da Baviera.

A chegada do AfD terá um efeito instantâneo neste domingo com a previsível fragmentação do sistema político bávaro. De forma indireta, o partido tem exercido uma forte influência nos últimos meses, modulando o discurso da CSU, que abraçou a retórica antimigratória, com o apoio do líder do partido e ministro do Interior, Horst Seehofer.

A estratégia, sem dúvida, não funcionou em relação aos conservadores bávaros. O discurso original sempre acaba tendo mais apoio do que a sua cópia. Ao adotá-lo, a CSU acabou espantando parte do seu eleitorado mais liberal — os que não querem saber de posicionamentos xenófobos, mas estão interessados no alto custo da moradia, na situação das rodovias e na preservação do meio ambiente. Nas pesquisas, a CSU agora está perto de 33%, em comparação aos 47,7%, de 2013.

A possibilidade de ultrapassar a CSU fortalece a extrema direita. A sua crescente segurança pode ser vista na principal praça de Deggendorf, na Baviera. No mercado, no qual são vendidas frutas e flores, e os vizinhos bebem cerveja a partir das 10h, os cidadãos acabam passando pela tenda de Katrin Ebner-Steiner.

— Trata-se de um partido que defende a nossa região, que se preocupa com a sua população que trabalhou tanto por este país e que o reconstruiu depois da guerra — explica uma aposentada, que trabalha como vendedora, a respeito da sua afinidade com o AfD.

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Ao seu lado, o marido responde à pergunta de forma mais reativa:

— E agora (o que é arrecadado por) nossos impostos vão para os refugiados.

Em seguida, comenta sobre quantas crianças os sírios têm e quanto cada um recebe do Estado por causa delas. Como muitos alemães, o homem tem uma calculadora mental para o que consideram ser um absurdo.

A vendedora conta que recebe € 1.000 de aposentadoria. Diz não conseguir pagar as contas — paga € 600 de aluguel, € 80 na conta de luz, além das despesas que tem com o carro e o animal de estimação. Justifica ser por causa dessas despesas o fato de agora trabalhar nessa função, de meio período, para poder sobreviver. Prefere não dizer o seu nome porque teme represálias em seu trabalho, "no qual todos são de esquerda".

Katrin Ebner-Steiner argumenta, por sua vez, que desde que o AfD está no Parlamento, tornou-se "mais aceitável" ser do partido.

— Nosso discurso é difícil, mas é porque representamos as pessoas da rua, e eles também pensam assim — ressalta a candidata.

Os meios de comunicação estão censurados, os refugiados monopolizam os recursos sociais e atacam as meninas alemãs — o argumento que o partido dissemina é quase que literalmente repetido nas ruas de toda a Alemanha. É a deglutição da retórica do AfD que, com meias verdades e algumas mentiras, estimula o complexo “nós contra eles” e borrifa gasolina numa convivência que por si só já está nitidamente complicada.

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