Sem dono

Praça dos gatos é espaço de abrigo para animais

Primeiro ponto de abandono de animais, instalado em 2003, era em um local conhecido como “Cara Lisa”; presença de usuários de drogas e moradores de rua tornou-se mais uma ameaça aos animais que já eram vulneráveis a chuvas, doenças e atropelamentos.

Monalisa Benavenuto / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29
(gatos)

O abandono de animais chama atenção de quem passa pela Avenida dos Africanos. Diariamente gatos, ainda filhotes, são despejados na conhecida “Praça dos Gatos”. Mas o problema não é de hoje. O primeiro ponto de abandono de animais, instalado em 2003, era em um local conhecido como “Cara Lisa”.

Há cerca de 15 anos, na Avenida dos Africanos, em um trecho da via tornou-se frequente a incidência de abandono de animais. Buscando reverter o problema e ajudar aqueles que chama de “amigos de pelo”, a autônoma Maria da Consolação Feitosa, que reside próximo à avenida, tornou-se protetora e passou a cuidar, alimentar e resgatar os gatos que eram abandonados na via “por amor e compaixão”, como explicou.

“O meu trabalho se iniciou de forma solitária, com o decorrer do tempo foi aparecendo protetores pra somar com a causa. Antes do ‘ponto 1’, o abandono era no local chamado Cara Lisa, a 15 metros da praça, o meu trabalho como protetora começou lá, eram muitos gatos e cachorros abandonados. Eu pegava levas e levas de filhotes para cuidar e colocar para adoção”, contou a protetora.

De acordo com ela, a presença de usuários de drogas e moradores de rua tornou-se mais uma ameaça aos animais que já eram vulneráveis a chuvas, doenças e atropelamentos. Foi então que a protetora tomou mais uma decisão: construir um abrigo para proteger os animais em outro ponto da via. “Resolvi mandar fazer uma casinha de madeira e muitos animais do cara lisa saíram de lá pro ponto 1, atualmente nomeada pro Praça dos Gatos”, ressaltou.

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Com o passar do tempo, a incidência de abandono de gatos tornou-se ainda mais frequente. Foi então que um grupo de amigos se reuniu para cuidar do local e dos animais. Conhecidos como “Grupo da Praça”, eles tratam, alimentam e, em parceria com ONGs e clínicas veterinárias, realizam a castração dos gatos, para que possam ser doados. Processo esse que tem colaborado para a redução do número de animais que vivem na praça.

O empresário José Nogueira, de 50 anos, um dos integrantes do grupo, relata que quando começou a atuar no local, em setembro de 2017, o número de animais abandonados era bem maior. “Aqui nós já tivemos mais de 150 gatos. Hoje nós contamos uma faixa de 35 animais”. Apesar da redução, o local ainda é bastante visado tanto por quem abandona quanto por pessoas má intencionadas que acabam matando os animais de forma cruel.

Ataques
Em uma dessas ocorrências, em 2016, mais de 30 gatos morreram atacados por cães no local, o que mobilizou diversos protestos e reivindicações de ativistas atuantes na capital, chamando a atenção do Ministério Público do Maranhão (MPMA), que, por meio de uma ação civil pública, solicitou à Justiça que obrigasse a Prefeitura de São Luís a realizar o resgate, identificação e condução dos animais que se encontravam na Praça dos Gatos.

Na ocasião, também foi requerida a condenação do Município ao pagamento de indenização por danos materiais e morais decorrentes dos episódios de agressão contra animais ocorridos na Praça dos Gatos.

De acordo com Camila Maia, presidente da Comissão de Defesa e Proteção dos Animais (CDPA) da regional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA), ainda não há sentença em relação ao caso.

“Houve uma diligência em que o promotor, juntamente à comissão e o juiz, vistoriaram o local. Após essa vistoria, a prefeitura informou que o local seria limpo, apenas, e solicitou um acordo, que não foi aprovado pelo MP, devido a inúmeras tentativas anteriores que não resultaram em nada”, ressaltou Camila Maia.

Recentemente, com a ocorrência de novos assassinatos na Praça dos Gatos, – em que diversos animais foram mortos a pauladas – o juiz Douglas de Melo Martins, responsável pelo caso, marcou uma nova audiência, com data para o próximo dia 27 de setembro, com o intuito de promover conciliação entre o MP-MA e as Secretarias Municipais de Meio Ambiente e Saúde.

Entre as medidas para solucionar a problemática do abandono, ONGs e protetores reforçam a necessidade de implantação de medidas efetivas, principalmente a esterilização de animais, para que haja o controle populacional e evite o abandono, como frisou Karina Borjas.

“Para que a gente tenha um controle populacional dentro da nossa cidade, é preciso que o poder público atue fortemente na questão da castração dos animais em situação de abandono e de comunidades carentes, para que daqui a alguns anos a gente consiga colher os frutos”, reforçou.

O Estado manteve contato com a Prefeitura de São Luís para questionar as possíveis medidas que estão sendo praticadas para solucionar a questão do abandono de animais na cidade, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.

Castramóvel

Em agosto de 2017 uma emenda parlamentar liberou verba de 200 mil para a concretização do Castramóvel, projeto proposto pela Associação Maranhense em Defesa dos Animais (Amada) em parceria com o curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Maranhão, que visa a castração gratuita de animais em situação de abandono e sob tutela de famílias de baixa renda.

“O projeto já foi licitado e uma empresa do Paraná, vencedora do processo, está produzindo o trailer que será usado para o castramóvel, seguindo o termo de referência acordado entre a empresa e a Uema”, explicou Francisca Neide Costa, a presidente do CRMV-MA.

Ainda de acordo com Francisca Neide Costa, o trailer deverá ser entregue na primeira quinzena de dezembro. A Promotoria Pública do Meio Ambiente atuará no projeto, destinando verbas oriundas de multas por crimes ambientais.

Mas é necessário que outras parcerias sejam firmadas, pois além dos insumos necessários para os procedimentos, o projeto precisa de um veículo para tracionar o trailer onde será instalado o castramóvel. Para isso, estão sendo promovidas reuniões com o poder público, através da Prefeitura de São Luís e da Delegacia do Meio Ambiente, e entidades privadas com potencial para garantir a manutenção do projeto.

A Uema ficará responsável pela gestão do projeto, onde deverão atuar alunos e médicos veterinários residentes da universidade. Além da castração, serão realizadas consultas, vacinações e orientações sobre posse responsáveis e crimes de maus tratos, entre eles o de abandono, com o intuito de reduzir o número de animais nas ruas da cidade, como explicou a presidente do CRMV-MA.

“Nós não somos inocentes de achar que vamos resolver a problemática da superpopulação de animais, mas amenizaremos, pois os cuidados com esses animais são, além de questões ambientais, também de saúde pública. A intenção é que o projeto alcance outros municípios do estado e possa montar outros castramóveis para suprir a demanda”, enfatizou.

O castramóvel funcionará de maneira itinerante, possibilitando o atendimento e prestação de serviços em diversos bairros da capital, principalmente aquelas mais vulneráveis. Uma agenda será montada juntamente às ONGs, para que seja divulgado antecipadamente nos bairros. Antes da castração, os proprietários passarão por entrevistas onde será verificada a compatibilidade com o projeto, destinado, inicialmente a famílias de baixa renda.

Os animais também serão consultados e examinados para certificar que as condições de saúde possibilitam o procedimento cirúrgico. Todas as castrações serão realizadas gratuitamente. A estimativa é que a partir de março de 2019, – quando deverá ser concluída a equipagem do trailer – seja colocado em prática.

Adoção de animais: um ato de responsabilidade e amor

Em meio a tantos relatos tristes, há um lado bom: amantes dos animais demonstram respeito e preocupação pelos peludos ao resgatá-los das ruas e lhes oferecerem aquilo que merecem, um lar.

A artesã Claudecy Lucena não nega seu amor pelos felinos. “Eles são companheiros e muitas vezes manifestam mais lealdade que nós, humanos”. Ela já resgatou diversos animais das ruas e atualmente divide seus dias com cinco felinos. Entre eles, quatro foram vítimas do abandono.

“Sempre gostei muito de animais, vim do interior e por lá, convivíamos com muitos. Hoje tenho cinco, duas gatas e três gatos, que são como membros da família. Eles estão sempre por perto pedindo e dando carinho. É como se estivessem agradecendo pelo acolhimento que damos”, contou.

A adoção de animais tem se tornado mais comum em São Luís por incentivo de ONGs, protetores e empresas que estimulam o ato. Apesar disso, poucas pessoas se dispõem a retirá-los das ruas temendo por contaminações devido as condições em que estes animais costumam viver, o que para Claudecy Lucena não representou nenhum empecilho.

“Em nenhuma das adoções precisei pensar duas vezes antes de resgatar. É muito cruel a situação em que esses animais vivem nas ruas, sujeitos a tantas fatalidades e maus tratos. O mínimo que podemos fazer é dar aquilo que eles precisam. Cuidado, amor e proteção”, ressaltou a artesã.

Para cada um dos peludos, uma história diferente. “A Luna, a minha filha pegou na escola. O Cadu e o Jornal foram deixados na porta da minha casa e o Oli foi encontrado na chuva por uma conhecida minha que me procurou e eu o recebi”, explicou. Mas em todos os casos, verdadeiras relações de amor, intensificada dia após dia.

Felizmente, enquanto há muitos que abandonam, há também quem acolhe. “Enquanto estiverem comigo, farei o possível e impossível para mantê-los bem”, enfatizou Claudecy.

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