''Lava-jato argentina''

Cristina Kirchner se nega a depor e diz que sofre perseguição política

Ex-presidente, acusada em caso de corrupção, fala em ''estratégia regional para prescrever dirigentes que tiraram milhões da pobreza''

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

BUENOS AIRES - A senadora e ex-presidente argentina Cristina Kirchner (2007-2015) compareceu ontem a um tribunal federal de Buenos Aires, onde deveria prestar seu quarto depoimento desde que deixou o poder perante o juiz Claudio Bonadio. O juiz já a processou, ordenou sua detenção e pediu em vão a suspensão de sua imunidade parlamentar no caso de um suposto pacto secreto com o Irã para acobertar ex-funcionários daquele país acusados de envolvimento no atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994.

Desta vez, Cristina apresentou-se aos tribunais portenhos por ordem do juiz para depor na chamada “Lava-jato argentina”, em que ela, vários de seus ex-funcionários e empresários são acusados de terem formado uma associação ilícita para arrecadar dinheiro por meio de obras públicas. A senadora se recusou a prestar depoimento, questionou a competência de Bonadio para julgar o caso e apresentou um documento no qual nega as acusações e afirma ser uma perseguida política.

Pouco antes de chegar ao tribunal, no centro de Buenos Aires, Cristina denunciou em uma nota uma “nova estratégia regional para prescrever dirigentes, movimentos e forças políticas que ampliaram direitos e permitiram que milhões de pessoas saíssem da pobreza na primeira década e meia do século XXI”, numa referência implícita ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na nota, a ex-presidente diz ainda que o processo é "uma decisão política do Poder Judiciário, em sua mais alta expressão, em coordenação com o Poder Executivo [do presidente Mauricio Macri] e a mídia hegemônica para ungir Bonadio como o braço da perseguição dirigida contra minha pessoa. Inaugura-se assim uma nova categoria jurídica que excede a do 'juiz parcial' ou a de 'nenhum juiz': a do 'juiz inimigo, ator principal dalawfare [guerra jurídica]".

Ontem, diferentemente de outros momentos em que a ex-presidente compareceu aos tribunais portenhos, não houve uma multidão de militantes kirchneristas do lado de fora. Ela pediu que os militantes não comparacessem desta vez.Apenas jornalistas e cerca de 300 agentes da Gendarmeria (força nacional de segurança). Cristina, além de denunciar uma suposta perseguição política, não falou ao juiz e solicitou a anulação do processo.

Propinas

No caso da “Lava-jato argentina”, já foram indiciadas 37 pessoas, das quais 15 estão detidas. Muitas delas são empresários do setor da construção civil, acusados de terem pago propinas milionárias a ex-funcionários kirchneristas. O caso veio à tona com a descoberta de oito cadernos escritos à mão por Oscar Centeno, chofer de um ex-alto funcionário do Ministério do Planejamento, que anotou com riqueza de detalhes os movimentos de seu ex-chefe, agora preso.

Nos cadernos, Centeno, que se disse arrependido e agora é protegido pela Justiça, relata cada movimento de recebimento e entrega de malas com dinheiro, em alguns casos mencionando até mesmo Cristina e o ex-presidente Néstor Kirchner. Cálculos realizados pela imprensa argentina estimaram que o valor total das propinas poderia chegar a US$ 13 bilhões (R$ 50,5 bilhões), ou seja, US$ 3 milhões (R$ 11,6 milhões) por dia, se divididos pelos quase 13 anos em que o kirchnerismo esteve no poder.

Vários processos

A senadora e ex-presidente está envolvida em vários processos judiciais. Na maior parte, é considerada a cabeça das associações ilícitas. “Agora, neste novo processo, iniciado de maneira claramente irregular, pretendem voltar a persegui-la pela mesma conduta que já é matéria de investigação em outros três processos, ou seja, a suposta associação ilícita que teria formado nos governos nacionais de 2003 a 2015”, afirmou o advogado de Cristina, no documento entregue nesta segunda a Bonadio.

Em sua nota, Cristina também pediu que se investigue o sistema de atribuição de obras públicas do governo Macri em Buenos Aires, cidade onde o atual presidente foi prefeito. "Se existe o propósito genuíno de saber o que ocorreu com as obras públicas, a investigação deve chegar até o presente", declarou a ex-presidente. "É imprescindível que se analise o manejo das obras públicas no âmbito da Cidade Autônoma de Buenos Aires, onde o PRO (partido do governo) vem governando há mais de uma década".

Os próximos passos no processo contra Cristina seriam uma autorização do Congresso argentino para a realização de revistas em residências da ex-presidente e, em médio a longo prazo, um novo pedido de suspensão de sua imunidade parlamentar, caso o juiz volte a solicitar sua prisão. O pedido anterior foi negado.

Até agora, o funcionário mais importante dos governos Kirchner que está preso, acusado em vários casos de corrupção, é o ex-ministro do Planejamento, Julio De Vido, apontado com o cérebro da "Lava-jato argentina", junto com Néstor Kirchner, falecido em outubro de 2010.

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