Editorial

Bolsas preservadas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

O que poderia ser “a última pá de cal na ciência brasileira”, como bem definiu o neurocientista Miguel Nicolelis, finalmente foi abortada. O governo brasileiro decidiu, depois de diversas pressões e reações inflamadas nas redes sociais, anunciar, por meio do Ministério da Educação, que o pagamento das bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) não será suspenso. Com certeza, a comunidade científica agradece.

O ‘desespero’ dos bolsistas, digamos assim, ocorreu, na semana passada, após o presidente do Conselho Superior da Capes, Abílio Baeta Neves, ter enviado carta ao ministro da Educação, Rossieli Soares, afirmando que “foi repassado à Capes um teto limitando seu orçamento para 2019 que representa um corte significativo em relação ao próprio orçamento de 2018, fixando um patamar muito inferior ao estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Caso seja mantido esse teto, os impactos serão graves para os Programas de Fomento da Agência”.

No momento que o governo propaga que a valorização da educação é uma das prioridades e que, em dois anos, adotou medidas importantes para o setor, como a Lei do Novo Ensino Médio e a homologação da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental, não ficava bem a suspensão de pagamentos, a partir de agosto de 2019, de mais de 93 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado de todo o Brasil.

Como se não bastasse isso, a entidade de fomento à pesquisa científica nacional anunciou a suspensão de pagamentos, a partir também de agosto do próximo ano, de 105 mil bolsistas do Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), do Programa de Residência Pedagógica e do Parfor (Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica).

É evidente que o corte nas bolsas prejudicaria, de modo definitivo, centenas de pessoas, a exemplo do que ocorreria com a doutoranda em biologia vegetal, Silvia Santos. Sem esconder a sua preocupação ela é taxativa em afirmar que sem bolsa é inviável dar continuidade ao doutorado. Ela banca todos os gastos do seu projeto com a bolsa que recebe.

Comungando do mesmo pensamento, o doutorando em meteorologia, Hugo Alves, que recebeu bolsa da Capes entre junho de 2016 e junho de 2018 para realizar pesquisa sobre a propagação de ondas atmosféricas no Hemisfério Sul, o corte nas bolsas da Capes seria brutal porque causaria, entre outras coisas, incertezas para os pesquisadores sobre o andamento em seus respectivos projetos e até mesmo para manutenção do custo de vida.

Para Hugo Alves, doutorando em meteorologia, que recebeu bolsa da Capes entre junho de 2016 e junho de 2018 para realizar pesquisa sobre a propagação de ondas atmosféricas no Hemisfério Sul, o corte nas bolsas da Capes será brutal porque causará, entre outras coisas, incertezas para os pesquisadores sobre o andamento em seus respectivos projetos e até mesmo para manutenção do custo de vida.

Alves confessa que a bolsa não é somente usada para gastos acadêmicos, mas para se manter. E justifica: “A produção científica de massa é, basicamente, feita por alunos de doutorado e mestrado, sendo que a maioria se mantém com essa bolsa. Como a academia vira atrativo, mesmo já não sendo, nessa situação?”, questiona o jovem, a respeito do baixo interesse em produção científica que a decisão acarretará.

A propósito disso, muitos questionamentos são gerados. Para muita gente, a produção acadêmica é vista como desperdício de dinheiro público e a produção de projetos pouco ou nada agregam à sociedade. Existem pessoas que pensam ao contrário e defendem mudança dessa mentalidade, embora reconheçam que o universo acadêmico deveria ter muito mais visibilidade para a sociedade entender a importância da pesquisa acadêmica.

Hugo Alves reconhece que boa parte da sociedade brasileira não sabe o que ocorre dentro da universidade. Muitas acreditam que é apenas um lugar onde dão diplomas, mas de modo ‘gratuito’. Para ele, o ambiente acadêmico tem certa parcela de culpa nesse cenário por se manter, digamos, distante. Ele acha que é um erro da universidade não permitir estar próxima à sociedade, ao mostrar o que está acontecendo lá dentro. E conclui: “Em muitas vezes, a ciência não é de fácil entendimento e não cria soluções de curto prazo. Existe certo delay para o que foi discutido academicamente chegar até a sociedade, mas vivemos em uma época de imediatismo.”

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