Novo premiê

Imran Khan, feroz crítico dos EUA, declara vitória no Paquistão

Aliado de militares, ele acredita que país não deve ser subserviente a Washington e se opõe à política americana contra extremistas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

ISLAMABAD - Imran Khan, um carismático jogador de críquete e feroz crítico da política antiterrorismo dos Estados Unidos numa região repleta de extremismo, estava prestes, ontem, a se tornar o novo primeiro-ministro do Paquistão.

Depois que resultados preliminares mostraram que seu partido estava decisivamente na liderança após a eleição de quarta-feira, 25, Khan declarou sua vitória: "Deus me deu a chance de chegar ao poder para implementar a ideologia que criei 22 anos atrás", disse, num discurso televisado de sua casa perto da capital Islamabad.

Khan delineou o que iria fazer como premiê. Afirmou que vai lutar contra a corrupção nos altos escalões do governo, que pretende melhorar as relações com a China e que buscará um relacionamento com os EUA que "beneficie mutuamente" os dois países. Khan também planeja criar um Estado justo focando no bem-estar social, nos moldes que o próprio profeta Maomé implantou séculos atrás. "Nós vamos governar o Paquistão como nunca o país foi governado antes", disse.

Ele afirmou ainda que nunca vai morar na mansão oficial dos premiês. Num país com tantas pessoas pobres, declarou, "eu ficaria envergonhado" por ficar numa casa como aquela.

Desafios

Os desafios domésticos para Khan serão enormes: a rede de eletricidade do país está caindo aos pedaços, a taxa de mortalidade infantil é das maiores da Ásia, sua moeda está se desvalorizando e sua dívida externa, principalmente com a China, só faz aumentar. O desemprego é altíssimo, e muitos jovens se dirigem ao Oriente Médio para arranjarem vagas como garis, carregadores de bagagens, qualquer oportunidade que estiver à mão.

E, internacionalmente, o pais também vive um dilema. A China lhe emprestou bilhões de dólares para construir estradas e outras infraestruturas, e será impossível pagá-la com as cotações nos níveis atuais.

Por outro lado, o presidente dos EUA, Donald Trump, cortou centenas de milhares de dólares da ajuda externa ao país. "Eles só nos deram mentiras e decepção, pensando em nossos líderes como tolos", tuitou Trump em janeiro. "Dão guarida aos terroristas que caçamos no Afeganistão. Chega!"

Khan discorda

" Culpar o Paquistão pelo desastre no Afeganistão é muito injusto", disse ao "NYT". "Na hora em que os EUA entraram no país, todo mundo já sabia o que ia acontecer." Para Khan, quanto mais ficassem por lá, mais a resistência cresceria.

Segundo ele, o Paquistão teve de suportar "o peso da guerra americana ao terror", com milhares de mortes. Uma de suas principais críticas aos EUA é quanto a uso de drones em ataques.

Poder

Durante anos, Khan tentou chegar ao poder da república islâmica que também é uma potência nuclear, mas sofreu com pobreza, estagnação econômica e vive dividida entre seus dois maiores aliados: China e Estados Unidos. Desta vez, no entanto, ele conseguiu fazer dos militares do país seus fortes aliados.

Nos últimos meses, segundo grupos de direitos humanos, oficiais do exército e da inteligência paquistaneses pressionaram, ameaçaram e chantagearam políticos de partidos rivais, dessa maneira reduzindo o escopo da oposição a Khan.

"Do modo como a coisa foi arquitetada, seria surpresa se ele não ganhasse a eleição", disse Nighat Dad, diretor executivo da Digital Rights Foundation.

Implacável

Amigos e inimigos descrevem Khan, que tem 65 anos, como ao mesmo tempo implacável e encantador, arrogante e imprevisível. Quando jovem, conquistou fama na Inglaterra, onde viveu por um tempo, com sua beleza, sua destreza no esporte e seu sucesso com as mulheres. Em 1982, chegou a posar para um jornal estirado numa cama de hotel, vestindo apenas cuecas pretas de cetim. "Ele está muito preocupado com a possibilidade de que eu o retrate como um símbolo sexual", ironizou o repórter que o entrevistou. "Por isso posou assim, com uma expressão petulante..."

Mas uma complexa transformação começou logo depois. Em 1992, Khan venceu a Copa do Mundo de críquete, num momento de intenso orgulho para o Paquistão. Mas a partir daí ele se afastou das boates, das festas e das namoradas. Entrou de cabeça na missão de construir um hospital de tratamento de câncer para os pobres no Paquistão; sua mãe, de quem era muito próximo, havia morrido da doença.

Então Khan se voltou para o Islã, na seita sufi, que disse trazer um propósito para sua vida. E entrou para a política.

No fim dos anos 90, o Paquistão passava por grande turbulência. Os serviços de espionagem do país trabalhavam com os americanos, mas, ao mesmo tempo, apoiavam o Talibã e Osama Bin Laden. O país era pobre, complicado e dividido. Como hoje, aliás.

Governança

Para Khan, o foco é antes de qualquer coisa a governança.

"No Paquistão, o grande problema não é o extremismo", disse em recente entrevista ao "NYT". "É a governança. Nossa governança é um fracasso. E, em qualquer país do Terceiro Mundo, na hora em que a governança entra em colapso, surgem as máfias".

Ele atacou a corrupção, afirmando repetidamente que umas poucas dinastias políticas haviam enriquecido vergonhosamente no poder enquanto a governança continuava enfraquecendo, e o país foi ficando cada vez mais pobre.

Mas seus apelos por reformas não foram levados a sério, pelo menos a princípio. O Movimento pela Justiça que fundou em 1996 só teve, inicialmente, um deputado no Parlamento, e a imprensa o ridicularizava. Sua vida pessoal chamava mais a atenção, em especial quando Khan se casou com uma rica herdeira britânica Jemima Goldsmith. Ela se converteu ao islamismo, eles tiveram dois filhos, e o casal tentou viver no Paquistão, mas logo veio o divórcio. Khan então se casou mais duas vezes, a última com sua curandeira espiritual, o que surpreendeu o Paquistão.

Os papéis do Panamá

Mas ele não perdeu o foco e continuou a clamar contra a corrupção. E, dois anos atrás, ganhou um presente: os Papéis do Panamá. Os documentos, vazados de um escritório de advocacia panamenho, traziam vários arquivos que incriminavam o premiê paquistanês de então, Nawaz Sharif. Surgiram provas de que Sharif roubara milhões de dólares dos cofres públicos e com eles comprara apartamentos caríssimos em Londres, em nome de seus filhos.

Khan exigiu a renúncia de Sharif, e a Suprema Corte o depôs do cargo. Duas semanas atrás, Sharif e sua filha foram enviados à prisão.

Se é certo que a corrupção está fora de controle no Paquistão, observadores internacionais no país perceberam algo de seletivo e sinistro na queda de Sharif. Suspeita-se que os militares e seus serviços de inteligência pressionaram o Judiciário para depor o então premiê, que brigara com os chefes do exército, inclusive alguns que ele mesmo escolhera. Tornou-se uma pedra no sapato deles.

Khan, por outro lado, era alguém com quem os militares achavam que podiam trabalhar. Analistas dizem que ele compartilhava de sua visão de mundo, segundo qual o Paquistão deveria ser menos subserviente aos Estados Unidos e conversar mais com o Talibã e outros grupos extremistas.

Segundo grupos de direitos humanos, na véspera da eleição, os militares pressionaram fortemente por apoio a Khan, ameaçando políticos caso não mudassem de lado para apoiá-lo. Muitos o fizeram.

Mas isso não quer dizer que Khan não fosse genuinamente popular. Ele é, principalmente entre jovens que o admiravam por sua carreira no esporte. À medida que as eleições se aproximavam, uma onda pró-Khan varreu o país. Seu rosto estava por todos os lados, em banners, postes e bandeiras. Seus militantes eram os mais energéticos e confiantes.

A contagem de votos prosseguia nesta quinta, mas o partido de Khan permanecia à frente, embora ainda não conquistando maioria absoluta no Parlamento, com 120 assentos, contra 61 do partido de Sharif e 40 do partido da família Bhutto, uma das mais tradicionais do país.

Espera-se que nos próximos dias Khan chame políticos de vários partidos menores para montar uma coalizão de governo, com ele como primeiro-ministro. A força de seu governo dependerá de quantos conseguir atrair.

Agora resta saber se a presente amizade de Khan com os militares vai durar. "Ele tem um comportamento errático e uma personalidade imprevisível", comenta Taha Siddiqui, um jornalista crítico dos militares, que recentemente se mudou para a França por temer por sua segurança.

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