Água pode acabar

Alternativas são escassas para reduzir dependência das fontes subterrâneas

Reservas, como Batatã, e o baixo número de poços perfurados pelos órgãos de controle ambiental para atender a demanda, revelam necessidade de investimentos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h32

[e-s001]Com a iminente degradação das fontes subterrâneas da Região Metropolitana, os investimentos na consolidação de novas reservas de água deveriam se tornar prioridades na política de abastecimento populacional. Apesar disso, o que se vê atualmente é o fim de instrumentos importantes, que deveriam servir como apoio para as necessidades básicas de pouco mais de um milhão de pessoas que vivem atualmente na Região Metropolitana de São Luís, de acordo com dados do IBGE. Um exemplo disso é a reserva do Batatã - localizada no Parque Estadual do Bacanga -, que, devido à destruição dos mananciais (eram sete na década de 1970 e se resume a apenas um atualmente) e à ocupação desenfreada de seus arredores, teve a sua capacidade de armazenamento reduzida.

Além do Batatã, o Sistema Italuís é uma fonte com grau de confiabilidade reduzido. Atualmente, de acordo com dados da Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), o Sistema Italuís opera diretamente para cerca de 60% da Grande Ilha. No entanto, considerando que o tempo de vida útil da tubulação que leva o líquido até as residências expirou em mais de 15 anos, foi necessária a redução gradativa na vazão de água para impedir rompimentos excessivos na estrutura, como o que aconteceu há cerca de 10 dias. Segundo dados da Caema, de 2012 até agora, foram registrados - pelo menos - 33 rompimentos na adutora, o que comprova a tese de que a estrutura não suporta mais transportar o mesmo volume de água que era levado no início da década de 1980, quando entrou em funcionamento.

A diminuição na carga do Italuís e a ausência de outras estruturas de armazenamento e transporte de água fizeram com que
aumentasse a dependência das fontes subterrâneas de água. Segundo a Caema, os sistemas principais que dão suporte técnico à população, em caso de colapso no Italuís, são o Sacavém e o Paciência. Ambos começaram a funcionar com uma capacidade de fornecimento de água que abrigava até 22 poços. No momento, de acordo com levantamento feito pelo doutor em Saneamento Ambiental, Lúcio Macêdo, existem apenas seis poços perfurados.

Sem o respaldo necessário do poder público quanto à oferta de fontes de água, sejam elas superficiais ou subterrâneas, a população precisa recorrer a outras opções, já que, ainda de acordo com levantamento do especialista, com a atual estrutura de transporte de água e fontes existentes, seria possível atender uma população de apenas 500 mil pessoas, menos da metade da estimativa populacional atual da cidade de São Luís, pertencente à Região Metropolitana.
Além da perfuração de poços feita por particulares, há ainda, por exemplo, a possibilidade de usufruir dos serviços dos caminhões-pipa. Em ambos os casos, a grande demanda e a concorrência elevam os preços dos serviços.

Carros-pipa
Sem as fontes de água necessárias, a ação dos caminhões-pipa é cada dia mais fundamental. Não é difícil identificar vários condomínios da cidade que dependem do transporte e fornecimento de água feitos por particulares. O custo do serviço, por causa de sua especificidade e óbvia necessidade, é considerado alto. Alguns locais usam o serviço diariamente, o que onera as despesas, por exemplo, dos condôminos.

De acordo com dados do site da Secretaria Municipal de Saúde (Semus), cabe à pasta municipal o controle dos pontos de coleta de amostras na rede de distribuição usadas especialmente pelas empresas detentoras dos caminhões-pipa. Além disso, é prerrogativa da Vigilância Sanitária Municipal - que integra a estrutura de controle do poder público municipal - realizar de forma periódica a coleta e a análise laboratorial de amostras de água que são usadas para consumo de parte da população da Ilha.

Outros problemas
A adutora do Sistema Italuís, além de registrar sucessivos rompimentos, também apresenta problemas na entrega de sua nova estrutura, que começou a ser instalada ainda em 2012 e que, até o momento, por razões diversas alegadas pelo Governo do Maranhão, ainda não foi entregue. Em dezembro do ano passado, quando o Governo sinalizou que faria finalmente a entrega da nova estrutura, ocorreu um rompimento em uma das peças que faria inicialmente a ligação entre a adutora antiga e a nova. O Governo chegou a sinalizar que o fato havia acontecido por “suposta sabotagem” e abriu investigação para o caso. Até o momento, não há informação nova acerca das apurações.

Além da adutora, o principal reservatório da capital maranhense - criado no fim da década de 1960 - o Batatã também sofre com os impactos das mudanças climatológicas e, principalmente, com os danos ambientais causados às margens dos seus mananciais (que já foram quase que integralmente destruídos pela especulação imobiliária). Se antes o Batatã era abastecido por diversas fontes de água, atualmente o reservatório agoniza com as fontes que vêm prioritariamente das precipitações registradas na cidade.

Mesmo com um bom volume de chuvas registrado, especialmente no mês de fevereiro deste ano, ainda não foi suficiente para dar o volume mínimo de uso do Batatã à população, que chegou a ser responsável pelo abastecimento de mais de 100 mil pessoas em São Luís. Até o momento, não há projeto para a criação de outro reservatório na cidade ou de recuperação da atual estrutura do Batatã que poderia receber, por exemplo, uma rede de canaletas para dragar a água das fontes existentes no Parque do Bacanga, onde está situado o reservatório. “Seria um custo relativamente baixo, na casa dos R$ 15 milhões, mas importante, pois revitalizaria uma estrutura que foi feita lá atrás para uma demanda, ficou claramente defasada e, agora, poderia ser melhor utilizada”, disse Lúcio Macêdo.

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Outra solução seria o incentivo à política de despoluição direta da água, por meio do tratamento do esgoto. De acordo com dados do Governo do Maranhão, existem atualmente unidades instaladas para esta finalidade. Uma delas seria a Estação de Tratamento do Vinhais, que, mesmo após a inauguração oficial feita pelo poder público, ainda não opera em condições suficientes para atender à demanda populacional. O fato foi, inclusive, denunciado por deputados estaduais durante sessões especiais na Assembleia Legislativa.

Praias poluídas
Os danos ao meio ambiente e as fontes de água também são vistas no impacto causado na orla da Ilha. De acordo com dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) que, semanalmente, registra as condições da orla da Ilha em seu site oficial, as praias de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa estão, em sua grande maioria, impróprias para banho.

Apesar da constatação e das soluções apontadas pela Companhia de Saneamento Ambiental (Caema), como a construção de elevatórias que podem solucionar o fato a médio e longo prazo, com o aumento populacional evidente da Região Metropolitana e elevação das unidades habitacionais, em especial no entorno da orla, eleva-se diariamente o lançamento indevido de dejetos no mar da Ilha. Ou seja, o que poderia ser uma fonte futura, por exemplo, para a dessalinização se torna um reservatório de impurezas.

Soluções
Das soluções apontadas, até o momento, para o problema da oferta de fontes de água para a população da Grande Ilha, duas delas são consideradas eficazes, porém de alto custo. A primeira se refere à dessalinização da água, diante da grande oferta litorânea da Grande Ilha. Em algumas empresas do ramo privado instaladas na cidade, este processo já é realizado com sucesso. Para a grande oferta da população da Região Metropolitana, seria necessário um alto investimento que, em um primeiro momento, seria completamente inviável.

Dados referentes ao planeta corroboram a tese daqueles que defendem o uso do processo em localidades cuja oferta de água é considerada escassa. Do total de água do globo terrestre, apenas 3% são água doce e, deste percentual, apenas 0,35% é constituído por água potável, ou seja, àquela pronta para ser consumida. Existem projetos de dessalinização bem executados em países como Israel e Arábia Saudita, cujas condições ambientais são, por essência, piores que as brasileiras. No entanto, além da ausência de produção tecnológica local que viabilize o estímulo à prática, em várias localidades, a iniciativa ainda está em fase de testes e aperfeiçoamento.

Apoio do MMA
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Programa Água Doce investe em sistemas de dessalinização para oferecer, em especial em áreas consideradas áridas, água com qualidade. No entanto, a dependência da população destas fontes ainda é considerada insuficiente para se dizer que o processo de retirada do sal da água do mar e consequente consumo já é uma solução consolidada.

[e-s001]Bacias poluídas contribuem para a escassez de reservas

A Ilha é permeada, atualmente, por quatro grandes reservas hidrográficas: Anil, Bacanga, Tibiri e Paciên­cia. Destas, de acordo com especialistas, a Bacia do Paciência (situada na posição oriental da Ilha de São Luís), por sua extensão (já que ocupa uma área de aproximadamente 150 quilômetros quadrados e está inserida nos quatro grandes municípios da Ilha: São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa), é considerada a mais importante para o abastecimento da Região Metropolitana. Em contrapartida, é a reserva mais atingida pelo lançamento indevido de dejetos e resíduos sólidos que, em contato com o solo, comprometem diretamente as reservas subterrâneas existentes. “Estima-se que, somente no aspecto dos poços perfurados, noventa por cento estejam comprometidos diretamente com o lançamento de dejetos oriundos de poluição das principais reservas superficiais”, ressaltou o professor Lúcio Macêdo.

Ele não considerou, para essa faixa de cálculo, o percentual de poluição que pode haver em todas as reservas subterrâneas existentes na Ilha. “Há, neste caso, o comprometimento em algumas áreas com a questão do salitre, o que seria algo natural pela proximidade de algumas destas reservas das fontes marítimas. E ainda há a inclusão de grande carga de resíduos, devido à ausência de políticas públicas em reservas que, em vez de contribuir com a recarga das fontes subterrâneas, estão as matando a cada dia”, disse Macêdo.

O lançamento indevido de dejetos, somado ao descarte de lixo às margens destas reservas, além de degradar a imagem do meio ambiente, também influenciam direta e indiretamente na preservação de uma fonte que poderia servir para as próximas gerações da Ilha.

Rio Anil
O Estado
esteve nesta semana em uma das nascentes do Rio Anil e constatou que boa parte dela está em processo de degradação. De acordo com Cláudio Gomes, morador da região, o lançamento de dejetos diretamente nas fontes fizeram com que a fonte fosse “sufocada” pela ação do homem. “Trata-se de uma reserva importante e que apresentava, em suas margens, várias fontes de água. Com o passar dos anos, estas fontes foram secando e, com o lançamento indiscriminado de dejetos, pode-se dizer que já é um rio praticamente morto”, disse.

PARA ENTENDER

Importância das águas subterrâneas
Levantamento do IBGE aponta que, no Brasil, as reservas de água subterrânea são estimadas em aproximadamente 112 mil quilômetros cúbicos. Ou seja, em dados absolutos, 61% das pessoas que vivem em todo o país dependem das fontes de água que estão debaixo da terra. Deste percentual, 43% são constituídos por poços profundos. E apenas 6% sobrevivem a partir das fontes rasas. Em todo o estado, mais de 70% das cidades possuem abastecimento constituído de forma complementar e/ou principal por fontes subterrâneas.

Legislação
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é assessorado diretamente pela Câmara Técnica de Águas Subterrâneas (CTAS), que possui, entre suas atribuições, compatibilizar as legislações relativas à exploração e utilização de recursos referentes às águas subterrâneas, além de mecanismo de gerenciamento das águas subterrâneas. Ainda de acordo com o MMA, cabe aos órgãos estaduais a responsabilidade pela gestão das águas subterrâneas.

SAIBA MAIS

Apenas um terço de áreas recomendadas
Dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a área atual da Região Metropolitana de São Luís é de aproximadamente 2.898 quilômetros quadrados. Destes, 907 quilômetros quadrados - ou apenas um terço - são recomendados para a “implantação de empreendimentos, com vista à captação de água subterrânea”. Apesar da delimitação natural, a Ilha possui uma área ocupada por construções que vai além do permitido, o que também contribui para a matança das reservas de água do subsolo.

Além deste espaço naturalmente reservado para a fixação de imóveis em geral, existem outros sistemas cujas águas ficam em subsolo em profundidades entre 100 e 150 metros. No entanto, trata-se de volume com possibilidade maior de salinização, o que não seria uma fonte, a princípio, para consumo imediato.

NÚMEROS

112 mil quilômetros cúbicos é o quantitativo de reservas de água subterrânea
1/3 da área da Região Metropolitana é propícia para a implantação de empreendimentos, com vista à captação de água subterrânea
70% das cidades do MA possuem abastecimento constituído de forma complementar e/ou principal por fontes subterrâneas.

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