Encontro histórico

Cúpula Trump-Kim mobiliza diplomatas dos Estados Unidos

O presidente americano Donald Trump se comprometeu com um encontro sem precedentes em um momento em que o governo americano não tem um quadro diplomático completo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h32

WASHINGTON - A decisão do presidente americano, Donald Trump, de aceitar uma reunião com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, desencadeou um atropelo entre autoridades dos Estados Unidos para compor um time diplomático capaz de organizar uma cúpula histórica com antigos adversários e determinar uma estratégia de engajamento viável.

Funcionários do Departamento de Estado, incluindo o secretário Rex Tillerson, estavam minimizando a iminência de negociações com a Coreia do Norte horas antes de a Casa Branca anunciar, através do emissário sul-coreano que viajou a Washington, que Trump aceitava o convite de encontro feito por Kim.

A aparente falta de coordenação marcou um padrão de mensagens mistas que caracterizam a diplomacia da gestão Trump a respeito da Coreia do Norte desde que Pyongyang lançou seu primeiro míssil balístico intercontinental no ano passado, o que gerou a maior crise de segurança nacional da Casa Branca até o momento.

Agora, a Casa Branca se comprometeu com um encontro sem precedentes em um momento em que o governo americano não tem um quadro diplomático completo. O funcionário americano designado para a Coreia do Norte, Joseph Yun, anunciou sua aposentadoria em fevereiro, e desde então não foi substituído. Há mais de um ano no poder, o governo Trump ainda não nomeou um embaixador para a Coreia do Sul. E o Senado ainda não confirmou quem será o diplomata de alto escalão responsável pelo Sudeste Asiático.

O anúncio de quinta-feira sugeriu que a Casa Branca irá conduzir o processo, mas muito do trabalho pesado recairá sobre diplomatas de primeira linha. Horas antes, Tillerson disse que possivelmente não haveria negociações, já que ainda não se sabe a clareza das condições para começarem diálogos. Tillerson e seus colegas foram rapidamente ofuscados pela Casa Branca com o anúncio de que o próprio presidente havia decidido se encontrar com Kim Jong-un. "Ainda estamos longe de negociações. Precisamos ser muito claros e realistas sobre isso", disse ele em viagem à Etiópia.

O Departamento de Estado informara mais cedo, nesta sexta-feira, que seus funcionários estão preparados para se engajar numa rodada preliminar de discussões para testar a sinceridade da Coreia do Norte, mas destacou que tudo permanece nos estágios inciais.

Preparação necessária

Planos para debates de alto nível também correm o risco de implodir inesperadamente, dada a inclinação dos dois líderes envolvidos a disparar insultos inflamatórios ou mensagens no Twitter sem anúncios prévios. A Coreia do Norte concordou em abrir mão de seu programa nuclear, caso obtivesse garantias de segurança, segundo a Coreia do Sul, reduzindo potencialmente a probabilidade de um colapso do processo.

Negociações passadas indicam que discussões completas exigiriam dos EUA um processo disciplinado e uma equipe coordenada entre agências do governo trabalhando os prós e contras de qualquer acordo. Elas exigem que o governo se apronte para esse levantamento de peso, caso resolva fazer essa tentativa.

"Levará tempo para entrar em andamento sob quaisquer circunstâncias. Eu iria imediatamente", afirmou Wendy Sherman, que serviu como coordenadora de política para a Coreia do Norte na gestão Clinton e liderou a negociação com o Irã no acordo nuclear com o governo de Obama. "Quando fizemos a negociação com o Irã, escrevemos um acordo inteiro, mais de 100 páginas, antes de começar a negociação. Então tínhamos uma noção do que estávamos tentando alcançar. Era incrivelmente detalhado e incrivelmente técnico. Há dever de casa para ser feito".

Tradicionalmente, as conversas exigiriam um líder de negociação, com seriedade e confiança da Casa Branca e do Congresso, que delinearia os detalhes de qualquer acordo em uma série de encontro antes da proposta de uma cúpula com o presidente americano. Mas Trump já se mostrou como seu próprio negociador, possivelmente deixando antigos manuais diplomáticos vazios.

"Isso é de muitas maneiras sem precedentes, no sentido de que é a primeira vez que um presidente americano aceita um convite para encontrar um líder norte-coreano", indicou Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação de Controle de Armas, grupo de advocacia pelo desarmamento que tem sido crítico às políticas nucleares do governo Trump, mas que comemorou sua decisão de se encontrar com Kim.

Diplomatas

O encontro surpresa colocará esforço significativo sobre figuras que tem trabalhado na questão da Coreia do Norte, incluindo Susan A. Thornton, secretária-assistente do Estado para assuntos na Ásia Oriental e Pacífico, e Mark Lambert, diretor da seção da Coreia, ambos diplomatas veteranos com experiência significante na diplomacia norte-coreana. Lambert, que participou do Diálogo a Seis com a Norte Coreia em Pequim nos anos 2000, agora administra o "Canal New York", um canal de comunicação entre EUA e Coreia do Norte através da missão de Pyongyang na ONU.

"Estamos muito confortáveis de que se as negociações acontecerem, teremos os melhores negociadores representando os Estados Unidos", disse Steven Goldstein, subsecretário de Estado para diplomacia pública e assuntos públicos.

Ainda assim, a falta de engajamento diplomático com a Coreia do Norte durante a gestão Obama deixou uma lacuna de pessoas com experiência real para lidar com Pyongyang. Desde que Trump assumiu a Presidência, o nível dos diplomatas americanos e especialistas se estreitou em meio à moral sitiada no Departamento de Estado.

"O Departamento de Estado sangrou linguistas coreanos e antigos negociadores", disse Douglas H. Paal, acadêmico especialista em Ásia no Carnegie Endowment for International Peace. "Os norte-coreanos enviarão pessoas com 30 anos de experiência. É um desafio real".

O senador democrata Edward J. Markey, representante de Massachusetts e antigo defensor pelo desarmamento nuclear, comemorou a decisão de Trump de se aproximar da Coreia do Norte, mas pediu que a Casa Branca adote medidas imediatamente para preencher as posições vazias no governo e resolver problemas de financiamento no Departamento de Estado para garantir que o governo americano esteja preparado para assumir a tarefa.

"Já que embarcamos em uma das negociações diplomáticas mais cruciais da História recente, eu insto ao presidente Trump que empodere seus diplomatas para sustentar o ímpeto e que forneça expertise", disse o senador em comunicado. "Qualquer negociação com a Coreia do Norte será apenas bem-sucedida se for baseada na expertive coletiva, experiência e credibilidade de um Departamento de Estado com recursos e equipes integrais. A diplomacia é um time esportivo, maior do que qualquer indivíduo".

Negociador

A Casa Branca poderia contratar um negociador de alto nível de fora do governo para ajudar na negociação, disse uma autoridade americana, que pediu para não ser identificado.

O ex-presidente Bill Clinton, por exemplo, escolheu seu ex-secretário de Defesa, William Perry, para supervisionar a revisão de política para a Coreia do Norte ordenada pelo Congresso no fim dos anos 1990. Perry, então, liderou as negociações com Pyongyang nos últimos dias da gestão Clinton. Em certo momento, as autoridades do governo chegaram a debater a ideia de um encontro entre Clinton e Kim Jong-il, pai do atual líder norte-coreano, mas a reunião não se concretizou.

Bruce Klingner, ex-especialista de inteligência sobre Coreia dos EUA que agora é pesquisador-sênior do Heritage Foundation, disse que quaiquer acordos com os norte-coreanos deve ser baseado em um texto claramente delineado e preparado com antecedência, com verificação robusta de mecanismos como "inspeções de aviso curto" de instalações nucleares não-declaradas.

Se tais planos ou documentos serão elaborados antes do encontro entre Trump e Kim, ainda é incerto. O governo sul-coreano do presidente Moon Jae-in adotou uma abordagem de "cima para baixo" para a diplomacia com a Coreia do Norte, estabelecendo conexões de alto nível antes de trabalhar detalhes.

As pessoas com experiência em negociar com a Coreia do Norte permanecem céticas quanto à descoberta das intenções de Kim sobre se desfazer de armas nucleares.

"Acho que eles ficarão desapontados com isso", indicou Robert Einhorn, parceiro-sênior do Brookings Institution que conduziu negociações com norte-coreanos como diplomata-sênior americano no governo Clinton. "Duvido que ele tenha qualquer intenção de entregar armas nucleares".

Ainda assim, muitos dizem que o engajamento é uma tentativa válida, pois condições geopolíticas mudaram, não apenas devido ao avanço do programa nuclear e bélico norte-coreano, mas também por causa de Trump: "Podemos ser adequadamente céticos", sustentou Klinger, que ponderou: "As condições mudaram de modo que vale a pena voltar ao rodeio".

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.