CRÍTICA

Universo feminino ressoa em comédia dramática francesa

“Gemma Bovery- A Vida Imita a Arte”, da cineasta francesa Anne Fontaine, expõe questões de mulheres de forma delicada

Alysson Oliveira/Do Cineweb

Atualizada em 11/10/2022 às 12h56
Cena da comédia dramática “Gemma Bovery - A vida imita a arte”
Cena da comédia dramática “Gemma Bovery - A vida imita a arte” (Filme)

SÃO PAULO - "O que é que há, pois, num nome?", pergunta William Shakespeare. Essa é a indagação que ressoa na comédia dramática “Gemma Bovery - A Vida Imita a Arte”, da cineasta francesa Anne Fontaine, adaptada de uma graphic novel da inglesa Posy Simmonds. Não é apenas pela alcunha que a protagonista - vivida com paixão e delicadeza por Gemma Arterton (João e Maria: Caçadores de Bruxas) - se aproxima da famosa personagem arquetípica da literatura francesa, Madame Bovary. As duas são mulheres entediadas e solitárias - mas existem detalhes, não apenas temporais, que colocam cada uma em seu devido lugar.

A francesa era uma burguesa entediada com a vida que fica encantada quando vai a um baile. A inglesa é uma moça cosmopolita de Londres, que se muda para um vilarejo na região da Normandia, com o marido, Charlie (Jason Flemyng), restaurador de arte. Ao contrário dos burgueses do livro de Gustave Flaubert, eles são um casal mais próximo dos liberais europeus, ligados às artes.

As diferenças, no entanto, não impedem que o vizinho, o padeiro Martin Joubert (Fabrice Luchini), comece a achar paralelos entre a vida de Gemma e Emma Bovary. O filme é narrado em flashback a partir do ponto de vista dele, que encontra os diários da jovem e relembra todo o caso. O fato de ele mesmo completar as lacunas com suas próprias ideias pode ser revelador. Ele teme que Gemma tenha o mesmo destino da personagem literária, por isso intervém em sua vida tentando salvá-la de si mesma e de seus atos inconsequentes.

As vidas das duas moças são narradas a partir do ponto de vista masculino, evidenciando assim as limitações e agendas dos narradores. Enfim, nenhuma dela pode ter uma voz própria. Sempre ficamos sabendo de suas histórias pelos olhos de um homem.

Anne Fontaine - que escreveu a adaptação junto com o veterano Pascal Bonitzer (parceiro de Jacques Rivette em diversos filmes) - não faz uma obra de discurso abertamente feminista, mas, em suas entrelinhas, discute a posição e as opções da mulher na época de Emma e agora, de Gemma. Mudou muito? Talvez nem tanto quanto queremos acreditar.

Gemma trava uma amizade com o padeiro, que nutre uma paixão platônica por ela, mas que também acompanha bem de perto o caso que ela passa a ter com um jovem rico da região, Hervé de Bressigny (Niels Schneider). Martin fantasia sobre os dois e chega a imaginar diálogos entre o casal e cenas tórridas.

Na narrativa, “Gemma Bovery...” brinca com a criação e esvaziamento de expectativas. Até que ponto Fontaine e companhia acompanham a trama clássica de perto? E mesmo nessa "frustração", com os desvios que toma, a cineasta mostra que a narrativa clássica ainda encontra o seu lugar no mundo pós-moderno. O fato de os quadrinhos serem escritos por mulher e o filme dirigido por outra revela, na forma, como a visão masculina pode sufocar a mulher, sua liberdade e seu discurso. Nesse sentido, a resolução da história de Gemma é um achado.

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