Hidroavião que deu nome ao Sampaio chegava há 92 anos

Sampaio Correia II, nome que mais tarde seria dado a clube mais popular de São Luís, chegou à capital, após aventura histórica,14 de dezembro de 1922.

José Marcelo* Especial para O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 13h06
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Divulgação (T)

Sampaio Correia II era o nome do primeiro hidroavião que cruzou os céus do Maranhão e aqui amerrissou –termo utilizado para o pouso na água– em 1922, inserindo São Luís na rota das viagens aéreas que nas primeiras três décadas do século passado buscavam suplantar recordes de tempo, velocidade e distâncias em várias partes do mundo.

Se hoje a aeronave é mais lembrada por ter dado nome ao mais popular time de futebol do estado, "nunca se viu aqui no Maranhão manifestação de tamanho vulto e que tanto prendesse a atenção do nosso povo" (Diário de São Luiz, 19/12/22). A tripulação foi recebida numa aclamação popular de seis dias que, de longe, superou a recepção a qualquer personalidade que anteriormente subira a Rampa do Palácio, naquela época a "entrada" da cidade.

Desde julho de 1922 os principais jornais ludovicenses anunciavam a nova aventura. O norte-americano Walter Hinton (1888-1981) apresentava o projeto de travessia, num hidroavião, do trecho sobre o Atlântico entre as duas Américas, chegando ao Rio de Janeiro durante as comemorações do Centenário da Independência. Herói da nova tecnologia de voos de longa distância, Hinton participou da travessia do Atlântico norte em 1917, quando dos quatro hidroaviões que partiram dos EUA apenas o Curtiss NC de Hinton chegou a Portugal.

A notícia ganhou as manchetes dos jornais nacionais pois um brasileiro faria parte da tripulação; e passou a interessar ao Maranhão, pois São Luís foi anunciada como uma das escalas de abastecimento do hidroavião.

O cearense Euclides Pinto Martins (1892-1924) foi o co-piloto, compondo uma equipe que revelou a força emergente dos meios de comunicação de massa naquele momento: piloto, co-piloto e, além de um mecânico para as obrigatórias revisões a cada amerrisagem, completavam a tripulação um jornalista do New York World e um cinegrafista para registro da viagem.

O hidroavião recebeu o nome do presidente do Aeroclube Brasileiro e então senador José Mattoso de Sampaio Correia (1875-1942), que garantiu o apoio do governo brasileiro. Em agosto de 1922, os jornais ludovicenses já registravam Sampaio "Corrêa", sem o "i" presente na forma correta do nome, acompanhando a grafia utilizada nos jornais cariocas.

Doze dias foi o tempo estimado para a travessia: pouco mais de oito mil milhas náuticas e um total de 97 horas em voo. Quatorze escalas para reabastecimento, reparos e descanso, sendo sete amerrisagens em território brasileiro. O hidroavião levantou voo de Nova York em 17 de agosto e São Luís já anunciava a formação de um Comitê de Recepção aos aviadores.

Desde a partida de Nova York os aviadores enfrentaram intenso mau tempo. A Pacotilha e o Diário de São Luiz registraram a queda do hidroavião no mar no dia 22 de agosto, sendo a tripulação resgatada dos tubarões pela Marinha americana na Baía de Guantánamo (Cuba).

Após a compra de outro hidroavião partiram da Escola Naval de Pensacola (EUA) somente em 3 de setembro. São Luís montou uma ampla programação. A recepção a Hinton e Martins contou com grande participação popular, reunindo todos os grupos sociais, sem exceção. O trecho Bragança (PA)-São Luís deveria durar três horas. Mas a partida demorava. Os ludovicenses começaram a ficar impacientes com a demora, pois, a qualquer boato da chegada, se deslocavam para a Praça Pedro II na espera da aeronave, prejudicando o trabalho e o comércio local. A cidade aguardava o estouro de rojões vindos da cabeceira do rio Bacanga para a mobilização das autoridades junto à Rampa; mas crianças, por brincadeira, estouravam fogos de artifício em alarmes falsos, enganando a população...

Chegada - O Sampaio Correia II chegou a São Luís às 12h15 do dia 14 de dezembro de 1922. A aeronave apareceu sobre a Ponta d'Areia, sobrevoando a cerca de 300 ms de altura a Praça Pedro II, seguindo sobre a rua da Palma até a do Desterro, rua Afonso Pena e Praça João Lisboa, de onde voou sobre a Praia do Caju e novamente para o Desterro, de onde desceu para a amerrissagem. Tocou a água próximo à rampa da Companhia Fluvial (no Portinho), pouco além do Tamancão, e atracou por fim numa boia próximo à Rampa do Palácio.

O hidroavião só era esperado para o dia seguinte e pegou a cidade de surpresa, que tranquilamente estava em horário de almoço.

O primeiro a desembarcar em terra foi o cinegrafista, armando sua câmera. Hinton e Pinto Martins foram carregados pela população. Receberam as chaves da cidade e foram saudados pelos representantes dos governos, seguindo para a Capitania dos Portos. Na subida da Rampa, foram recebidos com todos os sinos das igrejas repicando, assim como os apitos das fábricas e embarcações atracadas entre o Cais da Sagração e a Ponta d'Areia. Discursos (em português e inglês), salva de 21 tiros, hinos brasileiro e americano.

Da sede da Capitania foram para a Casa Gentil, sobrado reservado para a hospedagem, o que levou a multidão que se aglomerava na Rampa e na Praça Pedro II para a Praça Benedito Leite, tornando intransitável a esquina das ruas de Nazaré e da Palma.

A programação foi intensa. Almoço no Palácio dos Leões, recepção na Câmara Municipal (hoje Palácio La Ravardière) e Chá Dançante no F. A. Club, por onde passaram mais de 2.400 pessoas. Conheceram a Praia do Olho d'Água, "soirée" no Casino Maranhense e eventos com a imprensa.

Saída - O Sampaio Correia II decolou às 8h15 da manhã de 19 de dezembro, em frente à Rampa do Palácio, logo após uma missa na escadaria da Sé. Novamente a Rampa, toda a Muralha do Palácio, Baluartes e Cais da Sagração, os edifícios próximos estavam lotados pelos que desejavam se despedir. A tripulação recebeu um presente: dois volumes com poesias de Gonçalves Dias.

Chegaram a Camocin (CE) sem nenhum imprevisto. Porém o naufrágio anterior e os constantes problemas com os velhos motores inviabilizaram o calendário. Apenas em 8 de fevereiro de 1923 o avião chegou à Baía de Guanabara.

O atraso e os problemas mecânicos demonstraram o quanto a tecnologia e a infraestrutura ainda teriam que melhorar para a implantação de uma linha aérea regular no Brasil. Sem implantar seus projetos, Pinto Martins acumulou problemas pessoais e financeiros. Sua esposa americana se recusou a morar no Brasil e pediu divórcio, além da pressão para quitar o empréstimo para os gastos na travessia. No dia 12 de abril de 1924 o piloto brasileiro se suicidou com um tiro na cabeça, vítima de uma crise de depressão.

Hoje Pinto Martins é lembrado no Aeroporto Internacional de Fortaleza e nas comemorações em Camocin, sua cidade natal. Mas São Luís nunca esqueceu os aviadores e seu barco voador. Foram homenageados por diferentes classes trabalhadoras e empresariais, receberam poemas e foram transformados em garotos-propaganda do comércio local: venderam sapatos da sapataria Monte Líbano de Nicolau Waquin, tecidos da Casa Gentil e alardearam a qualidade da cerveja paraense. Ganharam um Marco Comemorativo, "Pinto Martins" virou nome de um dos principais salões de barbearia da cidade, "Sampaio Corrêa" virou marca de cigarro e nome do principal time de futebol do estado do Maranhão, quando em 25 de março de 1923 um grupo de operários resolveu criar a Associação Sampaio Corrêa Futebol Clube, que continua mobilizando diferentes segmentos do Maranhão em torno do mesmo nome gravado na memória da cidade há 92 anos.

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