Montes Altos - Passado, presente e futuro se misturam simbolicamente na tradicional Festa do Ceveiro, cerimônia que marca a passagem da infância e adolescência para a fase adulta na etnia Krikati.
A festa acontece na aldeia indígena São José, localizada no município de Montes Altos, no sudoeste do Maranhão. A manifestação integra um conjunto de rituais, realizado periodicamente, que serve para reforçar a identidade dos Krikatis.
Com população de 1.080 índios, a aldeia sediou há uma semana o ritual de passagem de 21 pessoas, na faixa etária de 12 a 17 anos, que foi acompanhado por O Estado. Elas ficaram confinadas em uma oca móvel (ceveiro), feita de palha de palmeira, com aproximadamente três metros quadrados, durante três meses.
Nesse período, meninos e meninas só tiveram contato com seus guias, geralmente líderes de grupo, que ficam responsáveis por servir a alimentação, entregue na moradia improvisada, mas com direito a banheiro.
Organizados em grupos ou partidos, todos identificados com nomes de caça, os índios se posicionaram no pátio da aldeia, local de festa, e um a um foram ao ceveiro para a cerimônia de libertação dos confinados.
Ao chegar até a moradia, parte do grupo aguarda enquanto o líder entoa uma cantoria, geralmente de braços levantados, uma espécie de louvação. Ato contínuo, as crianças e os adolescentes pertencentes àquela família e grupo deixam a oca e seguem o líder em direção a um local distante cerca de um metro da sede da aldeia, onde são pintados com tinta extraída de jenipapo e urucum (frutos). Os libertos também têm direito a uma refeição de cardápio variado, com caça, peixe e frutas.
Importância - O professor Alfredo Krikati, designado pelo cacique André para acompanhar os jornalistas durante o evento, ressaltou que um dos pontos mais importantes da festa é quando cada grupo diz o nome de seus ancestrais. A partir desse momento, nenhum integrante pode migrar para outro grupo.
O processo de pintura é a primeira vez durante a cerimônia em que as mães participam. Toda a cerimônia é realizada pelos homens e lideranças como o ex-cacique João Grande.
Depois de receberem as pinturas relativas ao grupo o qual pertencem, crianças e adolescentes são levados pelos líderes para um local afastado cinco quilômetros da sede da aldeia, onde ocorre outra cerimônia.
Lá, os futuros adultos ficam em fila de frente para duas toras de madeira pintadas, de aproximadamente 20 quilos cada uma, e os líderes voltam a cantar como se estivessem agradecendo aos deuses por aquele momento.
Força - Na fase seguinte, os escolhidos são carregados nas costas por índios de seus grupos até a sede da aldeia. Dois homens carregam as toras nos ombros e correm pela estrada com destino a aldeia, mas no caminho há vários pontos ou barreiras demarcadas com folhagens, onde outra dupla leva as toras, como ocorre nas provas de revezamento de bastão.
Mesmo com o peso, os índios não demoram muito para retornar a sede da aldeia. Diferentemente do início da cerimônia, a partir desse momento, no pátio, as mocinhas se apresentam vestidas com blusas para a última etapa do ritual. Líderes cantam e danças diante dos novos adultos em fila.
Pela tradição indígena, a partir desse momento os novos adultos terão permissão para casar, participar de reuniões com as lideranças, mas continuam dependentes de suas famílias.
Líderes se preocupam em manter a cultura
O líder indígena João Grande comentou que sua participação na Festa do Ceveiro tem um motivo nobre: incentivar os jovens a manter viva a cultura krikati. "A gente está falando com os mais novos, que têm que andar com a gente, para poder aprender a cantar, a fazer tudo", justificou João Grande, que completa 60 anos este mês, mais de 20 desses atuando como cacique.
Cada cantiga entoada na porta do ceveiro e diante das toras, segundo João Grande tem um significado. A que ele entoou foi uma saudação a raposa, animal que identifica seu grupo ou partido.
"Eu tenho muito preocupação. Não estou mentindo, porque as coisas estão mudando demais. Está diferente e eu estou mais preocupado com meu povo. Alguém tem de aprender comigo para quando eu morrer", disse o ex- cacique, salientando que quem não aprender a tradição não é mais índio.
O cacique de uma aldeia dos povos Gavião, Damásio Belizário Gavião, participou da festa na aldeia São José. Perguntado por O Estado sobre como anda o interesse dos jovens pela cultura, a liderança, de pouco mais de 70 anos, não escondeu sua preocupação com os mais jovens.
"Se não tomar cuidado, a cultura se perde. A gente tem que tomar cuidado e ensinar a meninada", disse Damásio Belisário, que antes de falar em português fez essa mesma declaração na língua-mãe dos Gavião. Ele adiantou que está fazendo uma espécie de itinerância nas aldeias para ensinar as tradições indígenas.
"Eu me preocupo e não é só da parte dos Gavião, mas também dos Krikati porque estou vendo que eles estão perdendo um bocado de coisa. Às vezes uns querem fazer uma coisa e não tem acordo. Eu me preocupo com isso", resumiu o índio.
O professor Alfredo Krikati, que leciona na única escola da aldeia, também, se mostrou preocupado com as mudanças que vem ocorrendo na aldeia. Ele adiantou que tem um filho de 10 anos que vai ser levado para o ceveiro no próximo ano.
Saiba mais
- Os Krikatis, cujo nome significa "aldeia grande", autodenominam-se Krikateré. Habitam um território recentemente demarcado e não homologado com 146.000 hectares, localizados no município de Montes Altos, Amarante, Sítio Novo e Lajeado Novo. São cerca de 600 índios, que atualmente estão divididos em duas aldeias, situadas às margens da MA-280.
- Os Krikatis são agricultores e cultivam arroz, mandioca, batata doce, milho, inhame, feijão, fava, utilizando o sistema de coivara. Fazem uso também da pesca e da caça.
- As informações sobre os primeiros contatos dos Krikatis com a sociedade nacional apontam para meados do século passado, por volta de 1848, quando foi fundada a colônia militar de Santa Tereza, onde hoje é o município de Imperatriz.
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