(Divulgação)
COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Por que estamos na Bandeira Vermelha Patamar 2? Entenda os Desafios da Estabilidade Elétrica no Brasil

Concedemos entrevista ao JM 2, da TV Mirante, no dia 26/07/2025, para comentar o acionamento da bandeira vermelha patamar 2 nas tarifas de energia elétrica, em vigor a partir de agosto.

Rogério Moreira Lima

Concedemos entrevista ao JM 2, da TV Mirante, no dia 26/07/2025, para comentar o acionamento da bandeira vermelha patamar 2 nas tarifas de energia elétrica, em vigor a partir de agosto. No entanto, o tempo disponível foi insuficiente para esclarecer em profundidade as causas e implicações dessa medida, que representa não apenas um aumento de R$ 7,877 a cada 100 kWh consumidos, mas também um alerta técnico sobre as condições de operação do sistema elétrico brasileiro. Essa limitação de tempo nos estimulou a escrever este artigo, a fim de detalhar melhor os fatores técnicos que levaram à adoção da medida e suas consequências para o sistema elétrico e para o consumidor. Mais do que uma decisão meramente tarifária, trata-se de um sinal de atenção com múltiplas dimensões.

A escolha da bandeira tarifária reflete não apenas o custo imediato de geração, mas também os riscos associados à operação do sistema. O acionamento da bandeira vermelha patamar 2 deve ser compreendido como um estímulo à economia de energia em um período de menor armazenamento hídrico e maior risco sistêmico. Entretanto, a estabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN) não depende apenas do volume de geração, mas também da qualidade da resposta dessa geração frente a variações súbitas de carga ou perda de grandes blocos de geração. Isso nos leva ao conceito de inércia elétrica.

Usinas com grandes massas rotativas, como turbinas síncronas hidráulicas, térmicas e nucleares, armazenam energia cinética e, por sua rotação, ajudam a estabilizar a frequência do sistema quando ocorrem distúrbios. Essa capacidade de manter a frequência em momentos críticos é vital para evitar apagões em cadeia. O delta de potência, que é a diferença entre a potência mecânica e a elétrica, é diretamente proporcional à inércia, à frequência angular e à taxa de variação dessa frequência, reforçando a importância da inércia na estabilidade do sistema.

A usina hidrelétrica de Belo Monte, localizada no rio Xingu, ilustra bem essa problemática. Apesar de sua enorme capacidade instalada, de 11.233 MW, Belo Monte é uma usina do tipo fio d’água, ou seja, opera com baixo armazenamento de água no reservatório. Diferente de grandes usinas com reservatórios como Itaipu ou Tucuruí, Belo Monte não acumula energia potencial significativa, o que limita sua flexibilidade operativa para responder rapidamente a variações da carga e sua capacidade de sustentar a frequência do sistema em eventos de perda de geração. Mesmo tendo turbinas síncronas grandes, que poderiam fornecer inércia, Belo Monte frequentemente opera com vertimento ou com turbinas abaixo da plena carga, especialmente na estação seca. Isso reduz o momento angular efetivo, ou seja, a energia cinética disponível caso ocorra um distúrbio.

O crescimento exponencial das fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, tem sido celebrado com razão, mas também exige que o planejamento do sistema incorpore novos critérios. Fontes eólicas com aerogeradores desacoplados eletronicamente e usinas solares fotovoltaicas conectadas via inversores não contribuem com inércia rotacional ao sistema. A consequência é um SIN mais vulnerável a variações rápidas de carga ou perda abrupta de geração. Neste novo cenário, torna-se urgente o desenvolvimento de mecanismos que simulem o comportamento inercial, os chamados sistemas de inércia virtual, que utilizam eletrônica de potência, algoritmos de controle e, principalmente, baterias acopladas para responder rapidamente a distúrbios, estabilizando a frequência e garantindo maior robustez à operação do sistema elétrico.

A sociedade, por sua vez, deve ser chamada a colaborar. Economia de energia, eficiência no uso e consumo consciente são partes da solução. A tarifa, neste momento, além de cobrir custos de operação mais caros, como o acionamento de usinas térmicas, também cumpre o papel de sinal de alerta.

A bandeira vermelha não é apenas um dado de fatura. Ela é, antes de tudo, um indicativo técnico de um sistema sob estresse, essencial para formular políticas públicas, orientar investimentos e indicar ao consumidor a necessidade de desestimular o consumo, ou seja, estimular a economia de energia em um momento de uso crescente de fontes mais caras, como as usinas termelétricas.

 

Fontes:

  1. ANEEL aprova redução nos valores de referência das Bandeiras Tarifárias. Disponível em:
    https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2024/aneel-aprova-reducao-nos-valores-de-referencia-das-bandeira-tarifarias
  2. Acionada Bandeira Vermelha patamar 2 para o mês de agosto. Disponível em:
    https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2025/acionada-bandeira-vermelha-patamar-2-para-o-mes-de-agosto
  3. JMTV 2ª Edição. Bandeira vermelha da conta de energia vai para o patamar 2 em agosto. Disponível em:
    https://globoplay.globo.com/v/13791782/
  4. PMO (Programa Mensal de Operação) 26/07/2025 a 01/08/2025, ONS.
  5. UHE Belo Monte. Disponível em:
    https://www.norteenergiasa.com.br/uhe-belo-monte/complexo-hidreletrico/belo-monte

 


As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do Imirante.com. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.