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COLUNA
Gaia em Alerta
Naiara Valle é bióloga com vasta experiência na Amazônia Legal em conservação, restauração e políticas públicas. Preside o Instituto Ecos de Gaia e comanda viveiros, SAF, mecanismos de carbon
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PL do Licenciamento Ambiental: o que está em jogo?

Pressionar por agilidade sem garantir estrutura, dados e análises adequadas só eleva os riscos ambientais e legais.

Naiara Valle

Na madrugada de 17 de julho, o Congresso aprovou o Projeto de Lei 2159/2021 — chamado por seus apoiadores de “Lei Geral do Licenciamento Ambiental” e, por muitos críticos, de “PL da Devastação”. Agora, o texto aguarda a decisão do presidente Lula: sanção total, veto parcial ou rejeição completa.

É verdade que o Brasil ainda não possui uma lei federal específica sobre licenciamento ambiental. Hoje, o processo é guiado por resoluções e instruções normativas, o que os defensores da Lei alegam gerar insegurança jurídica e lentidão. Mas isso não justifica aprovar uma lei que, ao tentar resolver esse problema, pode abrir caminhos para retrocessos ambientais graves.

Um dos pontos mais discutíveis é o chamado licenciamento tácito — ou seja, quando a licença ambiental é automaticamente concedida caso o órgão responsável não se manifeste dentro do prazo. Essa medida aparentemente eficiente, ignora o caráter técnico e preventivo do licenciamento. Pressionar por agilidade sem garantir estrutura, dados e análises adequadas só eleva os riscos ambientais e legais.

Outro ponto relevante é a proposta de dispensa do licenciamento para determinadas atividades, sob o argumento de que teriam “impacto irrelevante”. Em tempos de colapso hídrico, queimadas, desmatamento e eventos extremos, qualquer impacto contribui para o agravamento do cenário. Sobretudo se dispensarmos a análise prévia. Mesmo empreendimentos menores precisam prestar informações básicas para avaliação proporcional e responsável dos órgãos competentes. A alegada falta de zoneamentos ou instrumentos técnicos não justifica a dispensa e inverte a lógica: o que falta é prioridade política para que esses instrumentos existam e sejam usados.

O projeto também deixa de fora ferramentas fundamentais como o Zoneamento Ecológico-Econômico e a Avaliação Ambiental Estratégica, que ajudam a entender os impactos de forma mais ampla e integrada. Sem essas ferramentas, licenciar grandes obras é como tomar decisões no escuro.

Mais grave ainda é a ausência de garantias para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A proposta ignora o direito à consulta prévia, livre e informada — previsto na Convenção 169 da OIT, já reconhecida como norma supralegal no Brasil. Essas populações não podem ser tratadas como obstáculos. São parte essencial do território e devem ser ouvidas diretamente quando seus modos de vida, culturas e territórios forem afetados.

Esse tipo de omissão fragiliza não só o licenciamento ambiental, mas também a imagem do Brasil no exterior. Estamos a menos de um ano da COP30, que será sediada em Belém. Como o país pretende liderar o debate climático internacional se, internamente, adota medidas que ignoram direitos constitucionais e compromissos multilaterais?

O Brasil precisa, sim, de uma Lei Geral do Licenciamento. Mas ela deve ser construída com equilíbrio, com base em critérios técnicos, sociais e ambientais. A boa gestão pública não se faz às pressas, muito menos ao custo de retrocessos. Precisamos de uma legislação que promova agilidade sem abrir mão da justiça socioambiental, da proteção dos biomas e do respeito aos povos que cuidam desses territórios há séculos.


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