Lá Vai Meu Boi Arrastando a Barra
Lá vai meu boi, arrastando a barra — não de cansaço, mas de saudade antecipada.
Lá vai meu boi, arrastando a barra — não de cansaço, mas de saudade antecipada. Com reverência, evoco os versos de Josias Sobrinho nessa poesia cantada. E se me permito começar com essa imagem tão simbólica, é porque ela traduz, com precisão, o sentimento coletivo que marca o São João do Maranhão: uma festa que resiste ao tempo e insiste em permanecer para além de junho.
A insistência inspiradora do poeta é um estribilho - “a saudade é traça, estraçalha o coração” — para dizer que o São João daqui não se encerra no calendário. Ele se prolonga como uma promessa viva: invade julho, amacia agosto, ronda o fim do ano e, em muitos corações, reaparece até no Carnaval. No Maranhão, festa boa a gente não despede, a gente repete, reinventa e reafirma.
É que o Bumba Meu Boi, essa manifestação tão complexa quanto encantadora, não tem pressa. Ele dança no compasso da matraca, do tambor, da cuíca e, principalmente, do coração do povo. Vai pelas ruas como quem carrega um feixe de luz, uma claridade que ilumina as tardes turvas da vida e da história. Deixa rastro de fita, cheiro de mingau e de cuxá, gosto de juçara e um perfume de eternidade no ar.
O São João maranhense é, sobretudo, um estado de espírito.
Mesmo em julho, ele ainda brilha nos arraiais improvisados, nas casas enfeitadas, nas toadas entoadas com os olhos marejados de quem vive e revive a festa. Está presente nos terreiros, nas escolas, nas praças e nas instituições que reconhecem seu valor simbólico, como o Convento das Mercês, que se torna palco e altar da memória popular.
Quem vive aqui sabe: não se trata de exagero. Trata-se de pertencimento. O povo não se contenta, pois carrega a cultura como um direito inalienável e como herança viva. Por isso, o boi segue, ora vibrante, ora cansado, mas sempre amado.
E há algo profundamente político e pedagógico nessa permanência. Há uma teimosia bonita no nosso São João. Uma resistência mansa que transforma cada criança em brincante e cada idoso em memória viva. É cultura que forma, informa e transforma.
Mais que festa, é afirmação.
Mais que tradição, é identidade.
O São João do Maranhão é feito de muitas faces: religiosidade, ludicidade, ancestralidade, *territorialidade* e luta. Ele dança com os santos católicos e com os orixás, com as divindades de ontem e com as esperanças de amanhã. Canta dores e celebra renascimentos. Ensina, com sabedoria, que tradição não é prisão: é raiz que permite florir.
Ao assistir um boi passar, o que se vê não é apenas um espetáculo: é um povo inteiro se reconhecendo. É memória em movimento.
É afeto compartilhado. É o tempo costurado por fitas coloridas que recusam a lógica apressada do mundo e insistem no compasso do tambor.
Porque aqui, onde o boi arrasta a barra, o tempo se curva diante da cultura. O Maranhão segue sendo terra onde a alegria não tem data para acabar.
Se é na festa que pulsa a vida, que então nos permitamos entrar nos terreiros do tempo e… vamos festejar!
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