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COLUNA
Diogo Gualhardo
Diogo Gualhardo Neves advogado e historiador.
Diogo Gualhardo

O Doutor Ives Gandra e o “Crime de Hermenêutica”

A expressão foi cunhada por ninguém menos que Ruy Barbosa, com o propósito de repudiar juízes que imputavam penas aos juristas que faziam nada mais que mera interpretação da lei.

Diogo Gualhardo

O advogado mencionado no título dispensa apresentações. É o maior jurista brasileiro vivo, tendo escrito diversos livros consagrados e participado ativamente da vida política brasileira no século XX. Hoje com noventa anos e um corpo envelhecido, tem uma atividade jurídica de dar inveja aos advogados jovens. Comenta diariamente decisões em sua rede social no Instagram e atrai a audiência de milhares de profissionais da área e gente que se interessa pelo tão maltratado direito pátrio.

Pois que, a fortuna do país que tanto ama, e a instituição que ajudou a construir, lhe impuseram um processo interno. Bem, a Ordem dos Advogados do Brasil, instituição da qual faço parte, já não é mais a mesma há algum tempo. Antes combativa contra o autoritarismo, hoje não raro o chancela. O procedimento que busca puni-lo foi aberto a pedido, principalmente, da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI. Essa é minha tristeza maior e motivo de vergonha, pois um dos seus fundadores foi o deputado maranhense Dunshee de Abranches, um aguerrido republicano do começo dos anos mil e novecentos e que sempre utilizo em minhas pesquisas sobre história do direito e da política. Deve estar se revirando no túmulo agora. Rezarei por sua alma hoje!

Mas, qual o fundamento do infeliz processo? O “crime de hermenêutica”. A expressão foi cunhada por ninguém menos que Ruy Barbosa, com o propósito de repudiar juízes que imputavam penas aos juristas que faziam nada mais que mera interpretação da lei. Não minto. É exatamente essa a acusação que pesa contra o doutor Ives Gandra: a interpretação que fez do artigo 142 da Constituição, segundo sua leitura, teria institucionalizado o Poder Moderador a partir do elemento militar.

Data venia, discordo da opinião do eminente jurista e meu prefaciador. Contudo, o faço dentro do debate intelectual. Jamais tal coisa justificaria um processo. O ex-ministro da corte suprema, Marco Aurélio Mello, há de concordar comigo: não estamos mais, no seu dizer, em “tempos estranhos”, e sim em “tempos muito, muito estranhos”, onde até Ruy Barbosa foi descartado…

Por falar em STF, o ministro Alexandre de Moraes, sempre tratado com muita urbanidade quando referido pelo doutor Ives Gandra, não o respondeu com a mesma cortesia. Ao contrário, disparou contra ele uma indireta: “É sempre bom repetir: o artigo 142 não tem absolutamente nada a ver com o poder moderador, e os juristas que assim escrevem não são juristas, são golpistas”. Engraçado, porque o ministro Dias Toffoli tem uma tese sobre o Supremo ser o Poder Moderador e não lembro do seu colega de toga tê-lo chamado de golpista.

Em meu livro “Princípios de Direito e Política da Monarquia”, editado pela prestigiosa Resistência Cultural (pode ser adquirido nas plataformas digitais) eu comento como, desde a deposição de D. Pedro II, que o Poder Moderador é disputado pelo Executivo, pelo STF e pelas forças armadas. Trata-se de um debate da república brasileira, que inclusive foi recentemente pronunciado pelo tribunal que deveria guardar a Constituição e seus valores.

Por fim, quero afirmar, categoricamente, que não se pode achar que hermenêutica jurídica é golpe de estado. A se entender pelo contrário, o próprio Ruy Barbosa correria, hoje, risco de prisão. Que tempos muito estranhos esses que atravessamos!

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