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COLUNA
Prof Michael Amorim
Michael Amorim é professor de filosofia, conferencista, podcaster pai e marido.
Prof Michael Amorim

O Circo sem Pão - reflexões sobre o espetáculo autofágico brasileiro

O brasileiro, em vez de buscar conexão com o sublime e o verdadeiro, parece cada vez mais embotado em sua humanidade, prisioneiro de um consumo desenfreado de superficialidades.

Prof Michael Amorim

Recentemente, o Brasil foi palco de um espetáculo grotesco, digno de figurar em um dos círculos do Inferno de Dante ou em um episódio de The Walking Dead: a visita da cantora Lady Gaga, cuja turba de fãs se acampou diante do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, em uma demonstração explícita de idolatria contemporânea. Acampando por dias, muitos dos presentes, em um jejum profano, recorreram até ao uso de fraldas geriátricas, como se estivessem diante de um templo, adorando uma falsa deusa de purpurina. Este ato, longe de ser apenas uma manifestação de entusiasmo, reflete uma tragédia cultural, moral e espiritual. O brasileiro, em vez de buscar conexão com o sublime e o verdadeiro, parece cada vez mais embotado em sua humanidade, prisioneiro de um consumo desenfreado de superficialidades. Quando o homem perde sua capacidade de discernir entre o efêmero e o eterno, afasta-se de sua verdadeira essência e da apreciação estética que define sua natureza humana. Como escreveu Chesterton, o homem é o único animal capaz de olhar para o céu. Contudo, o brasileiro, em seu vazio existencial, prefere afundar os olhos na lama, contemplando a podridão que habita seu interior vazio.

Uma geração que lê Cinquenta Tons de Cinza e enxerga no funk uma expressão musical sublime está claramente mergulhada em um estágio alarmante de degradação cultural. Uma nação privada de referências artísticas e intelectuais de qualidade está inevitavelmente condenada ao fracasso, à barbárie e à decadência moral. Em um país habitado por tais indivíduos, líderes corruptos sempre ascenderão ao poder, não importando sua inépcia ou estupidez. Afinal, os porcos jamais se rebelam contra aqueles que os alimentam com lavagem e restos. Diz-se que, na Roma antiga, o Império controlava a população oferecendo pão e circo — comida e entretenimento para conter o descontentamento das massas. No Brasil atual, a situação é ainda mais desoladora. Falta pão, efeito das políticas econômicas desastrosas do PT, que empobreceu ainda mais a população. Sobrou apenas o circo — um espetáculo contínuo e vazio, que distrai enquanto as sacolas do mercado diminuem. Um exemplo perfeito daquilo que Mario Vargas Llosa definiu como A Civilização do Espetáculo.

Ao contrário da maioria dos animais, o homem é capaz de recordar o que fez no dia anterior, herdando os feitos do homem de ontem — seus erros e acertos — absorvendo-os e os transmitindo ao homem de amanhã. Aquele que se esquece de seu passado, que abandona o melhor legado produzido ao longo dos tempos (os grandes livros, a música sublime, a arte refinada), é um homem vulnerável, de mente fraca e sem caráter. 

É o que o filósofo Ortega y Gasset chamou de Homem-massa. O Homem-massa possui uma mente limitada, incapaz de enxergar além de seu próprio tempo, destituído de si mesmo, desconectado de sua história e de seus ancestrais. Ele se torna uma mera engrenagem na maquinaria social, onde sua individualidade é dissolvida em nome do “bem social”, transformando-se em um ser vazio, um “Homem Oco”, tal como descreveu T.S. Eliot. Grandes nomes do passado nos legaram sua herança, e temos a sorte de viver em uma época onde podemos desfrutar das músicas de Bach, Mozart, Beethoven, Vivaldi, Schubert, entre outros. Temos à nossa disposição as obras de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás, Hegel, Leibniz, Shakespeare, Louis Lavelle, Camões, Goethe, Eric Voegelin, Otto Maria Carpeaux e tantos outros intelectuais que vivenciaram a alta cultura e nos deixaram legados imortais. E, ainda assim, milhares escolhem viver em num estilo de vida que opta pelo degenerado, pela imitação e pela degradação. Vemos uma juventude atraída pelo efêmero, afundando-se no lixo cultural, satisfeita com o que há de pior à disposição. Pessoas que são a mais clara demonstração daquilo que Dalrymple denominou sublasse. 

Eles vivem de prazeres fugazes, de momentos e sensações, pautando suas vidas em desejos e paixões passageiras. Não buscam o eterno, pois todo seu estilo de vida é fútil. Sua existência é um constante "correr atrás do vento", como nos ensina o filósofo hebreu no livro de Eclesiastes: "Vaidade das vaidades". Vivemos em tempos de "novidade", onde se busca incessantemente a "inovação", mesmo que ela se apresente como uma novidade rasa e medíocre, sem nada a agregar culturalmente. O que se busca é apenas o novo. “Tudo o que é sólido desmancha no ar.”

Como sabiamente disse Chesterton: “Os homens inventam novos ideais porque não se atrevem a buscar os antigos. Olham com entusiasmo para frente porque têm medo de olhar para trás.” A verdade é que estamos longe de alcançar os grandes gênios que aqui pisaram. Imaginem como seria Rita Von Hunty diante de Aristóteles; seria como Moisés diante da sarça ardente: “Tire as sandálias dos pés, pois o lugar onde estás é terra santa.” 

Romances adolescentes e músicas de bandas de K-pop são gostos passageiros, que se esgotam rapidamente, além de serem de qualidade duvidosa. Não passam de modinhas, ao contrário das composições como Toccata e Fuga em Ré Menor de J.S. Bach — um verdadeiro mestre da perfeição — ou das magníficas obras de Homero, A Ilíada e A Odisséia, que fundaram todo o pensamento Ocidental. Sobre isso, lembremo-nos de Goethe: “O efêmero reluz, seu brilho é passageiro. O autêntico perdura, eterno, verdadeiro.”

A juventude brasileira, em sua maioria, carece de significado. Injetam em si lixo sonoro e literatura de péssima qualidade, alimentam-se de drogas que lentamente destroem sua inteligência, criatividade, moral e conduta, transformando-se em mortos vivos de um cemitério civilizacional. Buscam apenas satisfazer suas necessidades mais básicas e correm atrás de qualquer barulho, perdendo a capacidade de distinguir o que ouvem. Limitam-se a ver o mundo com os olhos do seu tempo, restringem-se ao seu modo de vida. Um povo assim não pode conceber, quanto mais apreciar, a Arte, pois ela transcende a curta existência humana. Já dizia Goethe: “Ah! Deus! Como a Arte é longa, e tão breve é a vida!”

Falei isso e lembrei de quando ouvia, nos corredores da UFMA, estudantes de Artes discursarem sobre cultura. Sentia uma náusea que não era apenas física — era existencial. Reduziam a cultura ao que se pode tocar, vestir ou ritmar com um tambor. Ora, isso é apenas a ponta visível de algo infinitamente mais profundo. Cultura não é objeto sensível; não reside nas roupas, nas danças ou nos códigos externos. Ela se insinua nas camadas mais íntimas do ser, nos valores que nos estruturam, nos símbolos que nos orientam, nos sentimentos que nos atravessam, nas expectativas que nutrimos e nos temores que nos assombram. Cultura não se apalpa — imagina-se, pressente-se, constrói-se no interior de cada alma.

Nas universidades, porém, somos conduzidos a um teatro de superficialidades, onde cultura é confundida com folclore, e mergulhar em hábitos alheios é tido como experiência formativa. Mas a verdadeira formação exige distanciamento. Não é pela imersão que se compreende, mas pela separação. É necessário afastar-se, sair do ventre da cultura, e observá-la com olhos de estrangeiro — esse processo chama-se "desaculturação". Foi com o professor Olavo de Carvalho que compreendi isso. E essa única lição — a de que há mais cultura no silêncio meditativo do espírito do que na gritaria dos blocos acadêmicos — vale mais do que anos inteiros de cursos que abdicaram da beleza e da transcendência, e, em seu lugar, celebram a feiura, a fragmentação e o imanente.

Sem Arte, Filosofia e Religião, de que nos vale a vida neste Vale de Lágrimas? A Arte é a beleza que nos alegra a alma e nos torna humanos (nenhum animal jamais iniciou a menor pintura nos fundos de uma caverna fria; trazendo alegria ao ambiente hostil); A filosofia é a busca pela Verdade que liberta e a Religião Única foi-nos revelada pela encarnação do Verbo, o Sumo Bem. São estas três coisas que nos elevam da miséria do mundo para o reino da transcendência. Três coisas que na verdade são uma só, como entendia Platão e como diria Shakespeare: 

'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;

'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;

E em tal mudança está tudo o que primo,

Em um, três temas, de amplo movimento.

'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;

Num mesmo ser vivem juntos agora.

Sou professor. Dou aulas para mais de quinhentos alunos, divididos entre duas cidades. É doloroso admitir, mas a maioria dos nossos jovens já não consegue compreender as palavras acima. É incapaz de perceber a magia ou a profundidade da Nona Sinfonia de Beethoven, tampouco o esplendor sombrio do Requiem de Mozart. Mais inquietante, porém, é constatar que muitos de meus próprios colegas de magistério, diante das páginas de A Divina Comédia, de Dante Alighieri, ou do Fausto, de Goethe, não encontrariam deleite algum — apenas enfado, desconforto e irritação. Habituados ao consumo constante de banalidades culturais, tornaram-se incapazes de reconhecer a grandeza quando esta lhes é servida: não sabem mais distinguir entre o banquete e o lixo.

Longe de pretender impor um estilo de vida a quem quer que seja — tampouco me arrogar o papel de juiz da humanidade —, continuarei a usar os espaços que me forem dados para mostrar aos jovens desta geração perdida que há algo além do prazer imediato e da excitação dos sentidos. Não sou, nem de longe, um grande modelo de erudição ou cultura. Mas creio, com a convicção tranquila dos que amam o essencial, que o melhor que foi produzido pela civilização deve ser preservado, apreciado e vivido. Podem chamar-me de antiquado, retrógrado ou anacrônico — aceito todos esses rótulos com serenidade. Afinal, como bem disse Oscar Wilde: “A vida imita a arte.” E é dos bons livros e da boa música que se ergue o alicerce de uma civilização verdadeiramente sólida.

São Luís, dia de Santa Flávia Domitila

 

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