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COLUNA
Ruy Palhano
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano

Roer unhas um problema anunciado

Você roi ou já roeu unhas? Se sim, quando? Você conhece alguém que roi unhas?

Ruy Palhano

Você roi ou já roeu unhas? Se sim, quando? Você conhece alguém que roi unhas? É um parente, amigo ou conhecido? Eis uma situação extremamente comum entre as pessoas, predominantemente entre adolescentes e crianças, que tem um significado epidemiológico, clínico e psicossocial relevantíssimo e que, devido a isso, merece todo o cuidado médico, psicológico e comportamental para o seu controle. Roer unha é designado do ponto de vista médico como onicofagia, ou hábito de roer unhas.

Clinicamente, é um comportamento prevalente que frequentemente surge como resposta ao estresse, ansiedade, tédio ou perfeccionismo. Embora muitas vezes considerado um comportamento inofensivo, a onicofagia pode ter implicações significativas para a saúde física, emocional e social dos indivíduos afetados. Semelhantemente a outras doenças, a onicofagia apresenta graus de gravidade: leve, moderada e grave. Este artigo explora as causas, consequências, classificação no CID-11, tratamento e doenças relacionadas a esse comportamento, além de apresentar dados epidemiológicos relevantes.

No contexto da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a onicofagia é classificada como um comportamento repetitivo focado no corpo, sob o código 6C70.3. Esta classificação reconhece a onicofagia como um comportamento compulsivo que pode causar dano físico ou emocional significativo ao indivíduo. Nessa perspectiva, temos ainda neste grupo nosológico: Tricotilomania (O ato compulsivo de arrancar os próprios cabelos, cílios, sobrancelhas ou outros pelos do corpo), Dermatillomania (O hábito de cutucar ou coçar a pele, frequentemente resultando em lesões e cicatrizes), Queratotomia Oral (Morder repetidamente a pele dos lábios ou o interior das bochechas).

Do ponto de vista psicológico e psiquiátrico, a onicofagia é frequentemente desencadeada por fatores emocionais. O estresse e a ansiedade são os principais catalisadores, levando muitos a roer as unhas como uma forma de lidar com sentimentos avassaladores. O tédio é outro fator comum; em momentos de inatividade, roer unhas pode servir como uma distração. Além disso, para algumas pessoas, o hábito é tão automático que elas o fazem sem perceber, especialmente durante atividades que exigem concentração, como assistir televisão ou estudar. O perfeccionismo também desempenha um papel, pois indivíduos com essa característica podem roer as unhas na tentativa de "corrigir" imperfeições percebidas. Finalmente, a modelagem social é um fator relevante, visto que crianças e adolescentes frequentemente adotam o hábito ao observar pais, irmãos ou amigos. Podemos ainda citar como fator relevante para causa da onicofagia, estresse crônico e distúrbios psicossomáticos de diferentes naturezas.

As consequências físicas da onicofagia não devem ser subestimadas. Roer unhas constantemente pode danificar a matriz da unha, resultando em deformidades permanentes, sobretudo entre os gravemente afetados pela onicofagia que chegam a sangrar o leito ungueal. Além disso, a pele ao redor das unhas pode ficar ferida, tornando-se suscetível a infecções bacterianas ou fúngicas. Problemas dentários são outra preocupação, pois o hábito pode causar desgaste nos dentes, problemas na mandíbula e, em casos extremos, deslocamento dos dentes. Há também a possibilidade de problemas digestivos, já que partes das unhas roídas podem ser engolidas acidentalmente. Além do mais, esta prática compulsiva pode levar a quadros difusos de infecção, prejudicando ainda mais a saúde dessa pessoa.

O tratamento da onicofagia pode ser abordado de várias maneiras. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado eficaz, ajudando os indivíduos a identificar e modificar os pensamentos e comportamentos que sustentam o hábito. A terapia de reversão de hábito é outra técnica útil, que envolve substituir o comportamento de roer unhas por um comportamento alternativo menos prejudicial. Produtos de amargor, como esmaltes de sabor amargo, podem desencorajar o hábito. Manter as unhas curtas e bem cuidadas também pode reduzir a tentação de roê-las. Além disso, técnicas de relaxamento, como meditação e ioga, podem ajudar a reduzir o estresse e a ansiedade subjacentes.

Ainda sobre o tratamento da onicofagia, podemos citar a utilização de psicofármacos ou medicamentos recomendados para tratar fundamentalmente do transtorno que está na base do problema, por exemplo, antidepressivos (AD), ansiolíticos, estabilizadores do humor e pequenas doses de antipsicóticos, dependendo da gravidade da situação. Observa-se que o aconselhável é que essas medidas citadas acima sejam aplicadas em conjunto, para que o paciente possa se beneficiar dessas diferentes técnicas de tratamento.

A onicofagia frequentemente coexiste com outros comportamentos repetitivos focados no corpo (Body-Focused Repetitive Behavior). Como vimos acima, a tricotilomania, ou transtorno de arrancamento de cabelos, outro distúrbio desta categoria clínica, é caracterizada pelo impulso irresistível de arrancar os próprios cabelos. Há casos em que os pacientes desse transtorno comem o bulbo capilar ou raiz do cabelo. A dermatillomania, ou transtorno de escoriação, envolve a compulsão de cutucar ou coçar a própria pele, resultando em lesões e cicatrizes. A onicotilomania, o hábito de cutucar ou morder as cutículas e a pele ao redor das unhas, também é comum entre aqueles que roem unhas.

Estudos epidemiológicos mostram que a onicofagia é bastante prevalente, especialmente entre crianças e adolescentes. Aproximadamente 30% das crianças entre 7 e 10 anos roem as unhas, e essa porcentagem aumenta para cerca de 45% entre os adolescentes. Embora muitos adultos abandonem o hábito, cerca de 20% continuam a roer unhas na idade adulta.

A onicofagia é um comportamento comum que pode ter consequências físicas e emocionais significativas. Embora muitas vezes vista como um hábito inofensivo, seus impactos podem ser profundos, afetando a saúde e o bem-estar geral dos indivíduos. Com estratégias de tratamento adequadas e com o apoio profissional, muitas pessoas conseguem superar esse hábito, promovendo a saúde das unhas e um bem-estar emocional mais equilibrado.

Como podemos notar, trata-se de um problema de saúde pública, considerando a prevalência destes casos. Segundo ActaDV DERMATO, 45% das crianças e adolescentes são portadores de onicofagia, enquanto 20 a 30% dos adultos a possuem. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) não tenha dados específicos publicados sobre a prevalência da onicofagia, esses números acima fornecem uma visão geral baseada em várias pesquisas acadêmicas e revisões de literatura médica.

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