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COLUNA
Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

Estímulo às avessas

É inegável que nas últimas décadas o homem voltou a ser novamente o centro dos estudos científicos.

Ibraim Djalma

É inegável que nas últimas décadas o homem voltou a ser novamente o centro dos estudos científicos.

Resgatando os idos do século XVII, em que a antropologia e a filosofia humanista colocaram o homem como o centro das atenções, nos últimos anos a crescente perturbação sobre o (des)conhecimento da mente humana tem recrutado o foco dos estudos para o comportamento humano, principalmente sob a perspectiva neurocientífica e psicológica.

Análises comportamentais, tomadas de decisão e julgamento, vieses de padronização e tantos outros elementos tentam explicar por que a sociedade assume determinada postura em determinada época, e porque o homem é o que é, gerando muitas vezes mais dúvidas do que soluções.

Dentre tantos questionamentos, um deles atravessa os tempos ainda sem lucidez exata. Saber até que ponto determinados comportamentos humanos são inatos à personalidade ou são influenciados pela ambientação e seus fatores externos.

A verdade é que, independente da origem desses estímulos, quando o assunto envolve o cenário de uma vida em ambiente social, as condutas individuais devem se alinhar aos interesses coletivos, mesmo que o perfil ou a conclusão do cidadão não se amolde às imposições estatais.

Essa perspectiva – a do Estado - é que cobra uma atenção redobrada. A da obrigação de se saber impor ou influenciar comportamentos sociais por regras estatais instituídas para garantir a manutenção de sistemas de vivência coletiva, como o previdenciário e o fiscal.

De regra, a maioria dos comportamentais imputados pelo Estado se sustenta nas promessas de punições em caso de eventuais transgressões. A tutela criminal, que evita que matemos um desafeto mesmo desejando isso no nosso maior íntimo.

No entanto, existem outras molduras comportamentais estimulas pelo poder instituído que podem resvalar em efeitos até maiores que os criminais; e muitas vezes sequer percebemos. Como as tributárias e as previdenciárias.

Não é novidade rememorar que o sistema previdenciário do Brasil cambaleia a passos largos há décadas e volta e meia o assunto central é sua revisão por reforma constitucional.

Só que virou automático se falar em revisões de benefícios previdenciários sem focar previamente no percurso arrecadatória que o sustenta. Certamente, o comportamento do cidadão que potencialmente deveria pagar a previdência deve ser analisado antes da conclusão sumária de que os benefícios previdenciários devem novamente ser diminuídos. E isso perpassa pelos estímulos estatais sobre as condutas do contribuinte.

Eis então a questão, ao se conceder benefícios assistenciais em espectro cada vez maiores, há um estímulo ou um desestímulo sobre o comportamento do cidadão que exerce atividade econômica?

Hoje na prática, um trabalhador de 35 a 45 anos que tem uma renda mensal média de R$2.000,00, se começar a pagar a previdência terá aos 65 anos uma renda aproximada de um salário-mínimo.

Só que, em paralelo ao sistema previdenciário, no Brasil existe um benefício de natureza assistencial cujo valor é também de um salário-mínimo, o famoso BPC/LOAS. E detalhe, não requer contribuição prévia. Ou seja, para aquele perfil de trabalhador talvez nem valha a pena pagar a previdência; sob o viés comportamental.

A diferença não para por aí. Em uma casa que alguém receba um benefício previdenciário (aposentadoria, por exemplo), sua renda entra no cálculo para a contagem da renda per capita familiar e pode atrapalhar que outro membro da família receba um benefício assistencial. Já o recebimento de um assistencial não prejudica outro porque o valor de um salário-mínimo nessa condição não é somado.

No sistema protetivo de seguridade social - que inclui assistência e previdência -, a maioria dos países estrangeiros tem o cuidado de pagar benefícios assistenciais em valores menores que um salário-mínimo justamente para evitar o desestímulo do cidadão em contribuir para o sistema previdenciário.

No Brasil e no mundo uma agravante em perspectiva macroscópica avança no cenário. A de que os empregos subordinados (os de carteiras assinadas) hoje correspondem a somente 30% da população economicamente ativa e o avanço dos freejobbys (empregos independentes) tem aumentado as estatísticas dos empregos informais. Hoje já no patamar médio de 40%. E não custa nada lembrar que, quanto mais trabalho informal, menos renda declarada.

A fronteira em que se vê o Estado ao tentar se desincumbir da assolada pobreza do país com a concessão benefícios assistenciais paliativos e, do outro lado, garantir a manutenção de um regime previdenciário que necessita de um forte corpo arrecadatório, tem se notabilizado como a pedra no sapato das ações governamentais.

Isso porque a influência na conduta de cada cidadão não é forjada apenas sob o cajado da punição policial – o direito penal -, mas também sob o viés remuneratório líquido de cada orçamento em casa. E deixar de pagar uma mínima prestação previdenciária sabendo que no futuro terá a mesma renda pode fazer a diferença entre uma alcatra e um filé no almoço.

Por isso, o assunto é muito delicado, porque qualquer gesto que o Estado cometa com a melhor das intenções pode desembocar em efeitos inversos se não dosado em todas as variáveis.

Há de se acobertar aqueles que precisam de proteção social e estão entre os mais vulneráveis. Mas também há de se estimular o comportamento social arrecadatório com propósitos efetivamente vantajosos aos cidadãos.

Legalmente, todo cidadão que exerce atividade remunerada deve pagar a previdência, mas não há como negligenciar que estímulos comportamentais ao cidadão precedem qualquer eficácia obrigacional, e esse êxito passa pela oferta de um rol mínimo de vantagens concretas.

E por enquanto, em muitos cenários no Brasil pagar o valor de salário-mínimo nos benefícios de natureza assistencial pode soar ao sistema arrecadatório como uma espécie de estímulo às avessas


 


 


 


 


 


 


 


 

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