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COLUNA
Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

O mito de Sísifo e a Reforma da Previdência

A mitologia grega conta que Sísifo foi um rei e fundador de uma cidade que atualmente fica localizada na região do Peloponeso.

Ibraim Djalma

A mitologia grega conta que Sísifo foi um rei e fundador de uma cidade que atualmente fica localizada na região do Peloponeso. Corinto.

Sua história é marcada pela condenação que sofreu a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha por toda a eternidade, e toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra descia novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.

Esta sina de Sísifo nada mais representa do que uma alegoria que conduz a muitas comparações filosóficas prestáveis à contemporaneidade e tem sido utilizada para confrontar questionamentos acerca do sentido da vida, dos valores humanos, além de conceitos como futilidade e persistência.

Sua interpretação mais proeminente veio do filósofo francês do século XX, Albert Camus, ao escrever o ensaio "O Mito de Sísifo", tomando o trabalho incessante e sem sentido de Sísifo como metáfora para a existência humana.

Mas o que isso tem a ver com a Previdência?

Bem, as constantes reformas da previdência tanto no Brasil quanto no mundo, acompanhadas da indesejosa sensação de que sempre ficam pendentes ainda necessidades por outras reformas, denunciam por si só a hercúlea e repetida condenação a busca por uma providência que parece não ter solução.

Desanimador, mas realista!

Legisladores, especialistas das mais diversas áreas, tecnicistas e uma gama de reclamadores de direitos sociais debatem diuturnamente soluções para o que se pode chamar de maior despesa estatal do mundo na atualidade. A previdência.

No Brasil, a previdência foi reinaugurada em 1988 com a Constituição Federal Democrática sob o insuflado discurso de direitos sociais de amplo alcance universal.

Nessa euforia de normas protetivas, foram contempladas pensões por morte vitalícias, possibilidade de aposentadorias para pessoas com menos de 50 anos de idade, tempos fictícios de contribuição e toda uma sorte de direitos previdenciários e assistenciais que rapidamente insuflaram as contas públicas.

Não durou pouco mais de uma década para se perceber que a empolgação cobrava um preço real e alto. E a primeira grande reforma da previdência, pela Emenda Constitucional n.20/98, mudou o curso da trajetória protetiva e fez grandes alterações para reajustar essa ordem exponencial de despesas, como a fixação de idade mínima para o regime próprio, transformação do tempo de serviço para tempo de contribuição e restrição do salário-família e auxílio-reclusão somente aos dependentes de baixa renda.

Na verdade, essa baixa inaugurada pela emenda simbolizou apenas o primeiro passo de uma longa e eterna jornada que parece se sintonizar mais do que nunca com a trágica condenação de Sísifo, ao se tentar remediar as contas públicas para suportar a previdência numa constante reinauguração normativa que somente alastra para o futuro o problema.

De um lado os beneficiários imploram com razão pela manutenção de garantias mínimas protetivas. Afinal de contas, não dá para restringir direitos previdenciários ao máximo em nome da saúde pública financeira e fazer sucumbir a própria razão de existir do sistema, que é de garantir um mínimo existencial aos segurados. 

Do outro lado, acenam os limites tributários arrecadatórios com suas contundentes razões. Aumentar a sobrecarga tributária nas costas do empregado e do empregador como possível solução pode desembocar em efeito inverso ao seu propósito a ponto de estimular a inadimplência ou busca por subterfúgios alternativos, como a informalidade e ocultação patrimonial.

Nessa balança, há uma constante necessidade de temperança nesse embate que mais se assemelha à grande pedra de mármore de Sísifo. Parece não ter fim sua perseguição. 

Só que com uma agravante. Na mitologia grega há previsibilidade em todos os parâmetros de Sísifo, o condenado. Ele já sabe até que ponto a pedra chega, qual rota deve traçar e qual força impunha em cada momento da trajetória.

Na previdência, o tempo corre em seu desfavor enquanto a perseguida temperança não é adotada. Fatores inevitáveis avançam todos os dias, como o aumento da taxa de sobrevida, a diminuição da natalidade, a redução da população economicamente ativa, a ofuscante informalidade e o assistencialismo que segue numa ordem crescente sem contrapartida contributiva.

Para qualquer dos lados parece que a corda vai estourar e a pedra voltar a descer montanha abaixo!

Mas vez em quando uma luz parece piscar no fim do túnel. Talvez como deva acontecer com Sísifo no meio da trajetória até o topo da montanha.

Nos últimos tempos tem-se projetado as esperanças na previdência privada. Uma espécie de reforma estrutural da previdência que destoa do mecanismo clássico e falível de tentar balancear arrecadação do mês com a despesa do mesmo mês.

Alguns países, como a Holanda, já a adotaram e os fundos de pensão duplicam o valor do seu PIB.

No Brasil, falar em reforma da previdência virou uma constante. A última, feita pela Emenda Constitucional n.103/19, reduziu drasticamente os benefícios previdenciários, como o valor da pensão por morte e das aposentadorias. 

Por outro lado, as contribuições previdenciárias são a segunda maior fonte de arrecadação do Poder Público. Ou seja, está no limite da exação tributária. Um passo para o confisco.

Assim, a esperança para previdência no Brasil, ao que parece, está primeiro na libertação da condenação de Zeus a nos reduzir à opção de busca pelo meio termo entre as arrecadações e despesas mensais e a partir daí devemos procurar outras montanhas para subir.

Por enquanto, Zeus, Sísifo e a Previdência nunca foram tão atuais!

 

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