Joca.
O título deste artigo, “Joca”, tem a ver com o cachorro que abalou a república.
O título deste artigo, “Joca”, tem a ver com o cachorro que abalou a república. Joca foi morto pela omissão de funcionários de uma empresa aérea, que tratou aquele ser vivo como um mero pacote inanimado.
É evidente que a conduta da empresa merece todas as reprimendas e críticas, sendo quase certo que será condenada à indenização, se a família que criava o cachorro ingressar na Justiça. Todavia, depois de ver a repercussão nas redes sociais e nos poderes legislativo e executivo do nosso país, fiquei me perguntando onde foi que nos perdemos, em qual esquina desse trajeto viramos errado e rumamos calmamente – ou velozmente – para o abismo da lacração.
Houve pronunciamento de ministro de estado e até o dia 22 de abril foram propostos 5 projetos de lei na Câmara Federal visando regular o transporte de animais em aeronaves.
É necessário ter uma regulamentação sobre esse tipo de transporte? Creio que não. Se entrarmos no site de qualquer companhia aérea as regras contratuais para transporte de animais estão claras e são inequívocas de como se dará o transporte, em cada caso, e qual o custo. Ademais, no caso de falhas na prestação dos serviços contratados, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor são normas suficientes para impor à empresa aérea o dever de reparar o dano causado. O que mais precisa? A prisão do funcionário que, no máximo, foi negligente, mas não se aventa dolo?
A perplexidade que ora exponho, em face da conduta dos homens públicos que correram a fazer pronunciamentos e propor projetos de lei, tem a ver com o fato de que estes estão, nós sabemos, assoberbados de demandas urgentes, o que exige eleição de prioridades. Alguns exemplos.
Uma amiga relatou-me que para ser atendido em hospital especializado em tratamento de câncer, instalado na nossa ilha e que atende a todo estado, é preciso se fazer presente na noite do dia anterior, dormir na fila para pegar uma senha, sob pena de não conseguir a consulta. Vejam bem, a pessoa está acometida de um câncer ou desconfia que esteja e tem de dormir ao relento para conseguir atendimento. Algum homem público tem dúvida que isso é urgente e exige atenção?
Ano após ano os estudantes brasileiros tiram os últimos lugares nos exames internacionais de avaliação dos conhecimentos em matemática e interpretação textual. Algum homem público tem dúvida que isso é urgente e exige atenção?
O cipoal de leis tributárias do país é fator, como sabido, de óbice ao crescimento pois as empresas perdem muito tempo e dinheiro para tentar cumprir tais normas. Na tentativa de reduzir a burocracia, racionalizando a forma de recolhimento dos tributos, tramita no Congresso uma reforma com esse propósito. Algum homem público tem dúvida que isso é urgente e exige atenção?
A segurança pública é outra preocupação nacional. Dez entre dez brasileiros se preocupam em sair às ruas e sofrer uma violência. Algum homem público tem dúvida que isso é urgente e exige atenção?
Ora, o que aconteceu é digno de repúdio e de reparação pelo causador, repito, mas é necessário que um ministro de estado deixe de lado sua agenda repleta de compromissos urgentes para tratar do tema? É necessário que o parlamento deixe de lado a análise e votação de inúmeros outros projetos urgentes, que impactarão na saúde, na educação ou na segurança do povo brasileiro?
Até que me provem o contrário, quer me parecer que essas posturas têm a ver com uma “doença”, dos tempos que vivemos, chamada “lacração” e que alimenta as pessoas, muitas vezes de forma forçada, como já identificou Douglas Murray, jornalista e professor inglês que trata da liberdade de expressão: “Caso alguém se pergunte por que mais indivíduos não falam sobre serem alimentados à força com essa porcaria mental, é por causa do preço que poderá ter de ser pago por não se seguir essa linha, um fato que vem se tornando cada vez mais claro” (livro “A guerra contra o Ocidente”).
É dizer, a lacração em certas condutas é cristalina, mas a maioria se cala, mesmo enxergando o absurdo da coisa, pois teme ser “cancelado”, outra “doença” dos tempos atuais.
Nesse contexto, como bem mostra Meghan Daum, escritora e jornalista americana, muitos, para que não sofram o tal cancelamento, impõem-se, até sem sentir, uma “mensagem aprovada”, que, pelo contágio social, resulta em uma “mentalidade de massa”.
Aqui nesta coluna, caro leitor, prefiro trazer uma reflexão, sem me preocupar com eventuais cancelamentos, esperando que vocês também não tenham se contaminando.
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