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COLUNA

Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

Adoção: rigor ou primor

De todas as proteções legais aos menores, a adoção é a que mais gera resultados, embora atualmente burocrática.

Ibraim Djalma

De todas as proteções legais aos menores, a adoção é a que mais gera resultados, embora atualmente burocrática.

Inicialmente no período do Brasil Colonial essa medida de transferência de poder dos pais biológicos para terceiros era feita de maneira informal. Muitas vezes entregando os menores em casas de abrigo e caridade ou diretamente com o registro no cartório com o nome dos pais adotantes como se biológicos fossem. Até hoje restam resquícios dessa conduta; basta ouvir estórias aqui ou acolá de pessoas que fizeram isso e viveram como se pais fossem.

O problema dessa informalidade é que o propósito dos adotantes nem sempre foi dos melhores. Muitos viam nisso uma oportunidade de se conseguir um meio de obter mão de obra barata e em tantas outras vezes as crianças eram acolhidas para trabalharem em serviços domésticos ou em oficinas em troca de abrigo e comida. Algumas crianças chegavam a ser adotadas para fins sexuais e serviçais - isso mesmo, escravos - e acabavam vivendo pior que no estágio anterior.

Com o tempo houve necessidade de se formalizar o ato e dar maior segurança para os menores. Mas ainda assim os filhos adotados eram considerados uma espécie de filhos de segunda categoria.

E apesar das diversas leis ao longo do século passado, foi só com a Constituição Federal de 1988 que a figura do menor adotado se equiparou em todos os termos com os biológicos e hoje é praticamente normal se ver filhos biológicos e adotivos no mesmo patamar de tratamento.

No entanto, os números ainda assustam. No Brasil, a fila atual de crianças à espera de adoção passa dos 5.000. Delas, mais de 90% possuem idade acima de 06 anos e tantas outras constantemente perdem as esperanças ao chegar aos 18 anos sem um amor paternal/maternal que as acolha.

Do outro lado, mais de 40.000 pessoas ou casais estão na fila à espera de filhos para adotar.

Esse cenário em um primeiro momento parece confortável baseado em comparações numéricas, mas na prática essa matemática esbarra nas dificuldades entre o perfil que as crianças apresentam e o desejado pelos aspirantes a pais.

Some-se isso ao rigor burocrático estruturado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, reformado pela lei n.12.010/09 justamente nos pontos que regem a adoção.

O motivo da reforma que impôs rigores no percurso adotivo teve suas boas intenções, mas aí a política pública protecionista caiu novamente no dilema em que se criam mecanismos de proteção contra fraudes ou desvirtuamento de propósitos e, por outro lado, se dificulta a razão principal de determinada política.

Assim, a adoção, que historicamente teve seu uso pervertido em oportunidades para se legitimar explorações escravocratas e sexuais, exigiu que os rigores da lei pusessem limites maiores.

Hoje só se consegue adotar pela via judicial, na Vara da Infância e da Juventude. Os aspirantes a pais devem fazer um cadastro, apresentar bons antecedentes criminais e atestado de saúde física e mental, fazer um curso preparatório psicossocial, passar por entrevistas e acompanhamento com psicólogos e assistentes sociais, para então ficarem aptos a adotarem e seguir na fila quilométrica.

Só que toda essa burocracia que visa à proteção do menor acaba desestimulando os interessados enquanto o tempo passa em desfavor dos principais protegidos, fazendo com que um processo que deveria demorar 04 meses ultrapasse facilmente 3,5 anos para ser finalizado.

Resulta aí um prejuízo maior e muitas vezes irreparável, a desesperança de um menor que viveu 18 anos, dia após dia, na tentativa de ser acolhido por uma família, vendo os meses escorrerem como água entre os dedos frustrando a sorte de um dia chamar alguém de mãe ou pai.

Daí a constante necessidade de aprimoramento das regulamentações. O poder estatal como interventor nas condutas sociais deve equilibrar ao máximo a balança entre a promoção do bem social que pretende garantir e, do outro lado, criar mecanismos que evitem fraudes sem frustrar a motivação principal.

Há de se combater adoções pervertidas, traduzidas em verdadeiras camuflagens legitimadoras de explorações, como faz o ECA. Mas esse norte de regulamentação não pode fulminar o motivo principal da regência legal, que é justamente garantir proteção aos menores dentro de um prazo razoável.

Desesperado, do outro lado da porta bate um coração que clama por proteção, amor, carinho, orientação e guarda, numa busca inata por um mínimo de segurança cuja ausência compromete profundamente o caráter e a alma de quem nunca a teve. Um anseio intuitivo, sobrevivente e urgente. Nada mais estarrecedor que ver essa esperança minar até a fase adulta.

Justificativa para demora no processo de adoção se tem aos montes. Mas o que interessa no final das contas é o resultado. E nada é mais essencial para a natureza humana que se sentir pertencido a uma família que a ame e a acolha.

Contemplemos a adoção como mecanismo de salvação de diversas crianças, adolescentes, famílias e sociedade como um todo. Mas que sua trajetória histórica seja aprimorada cada vez mais.

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