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COLUNA

Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

Menor sob guarda

Cuidar dos filhos menores e adolescentes parece ser uma obrigação até mesmo intuitiva de qualquer pai ou mãe. Parece, mas infelizmente não é assim.

Ibraim Djalma

Atualizada em 18/01/2024 às 01h25

Cuidar dos filhos menores e adolescentes parece ser uma obrigação até mesmo intuitiva de qualquer pai ou mãe. Parece, mas infelizmente não é assim.

O Brasil registrou 27.059 acolhimentos em abrigos de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos por abandono pelos pais ou responsáveis de 2015 até julho de 2023.

Esse número assustador é apenas um espelho das diversas formas de abandono que uma criança ou adolescente podem sofrer.

E são diversos registros. Há casos de negligência, violência física, sexual, psicológica, situação de rua e tantas outras.

Mas muitas vezes isso acontece também de maneira sinuosa e oculta, dentro de casa mesmo. Quando os pais não têm condições de dar um mínimo de sustento aos filhos e acabam impedindo seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, tal qual preceitua o art.3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse cenário de abandono, vários institutos foram criados como forma de dar proteção e garantir direitos elementares como vida, alimentação, saúde e dignidade aos menores. Dentre eles a adoção, a tutela e a guarda.

Este último, a guarda de menores, é o que ocupa o espaço mais polêmico no cenário de proteção instituída pelo Estado. Talvez porque sua feição paire sobre uma zona cinzenta em que os cuidados dos menores são passados a terceiros, mas ainda assim se mantém aos pais as mesmas incumbências protecionais. E nessa dupla obrigação de cuidado surgem espaços para simulações e perpetuação de benefícios como pensão por morte.

Conceitualmente, a guarda é entendida como um complexo de direitos e deveres objetivando a proteção integral do menor, de modo que ao guardião cabe o dever de cuidar, prover, vigiar, educar e tê-lo guardado em sua companhia e reavê-lo de quem o detenha injustamente.

Na prática, é conferido na maioria das vezes a tios, tias, avôs e avós, ainda que os pais estejam lá, por perto. É um procedimento judicial.

Mas afinal, o menor sob guarda tem direito à pensão por morte do guardião? No âmbito do INSS não é possível. Somente por meio judicial.

O INSS deixou de conceder a pensão ao menor sob guarda desde 1996, com a medida provisória n.1.523/96 e hoje reconhece como dependente para fins de pensão além dos filhos de qualquer condição – adotivos e biológicos, abastados ou não -, os enteados e menores tutelados. Não há previsão legal ou constitucional de garantia ao menor sob guarda.

A solução ainda está no Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, que prevê a condição de dependente da criança e adolescente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. E tanto o STJ quanto o STF já se posicionaram favoráveis ao menor.

O embate que fica é justamente o da fraude. Como se trata de um instituto em que terceiros podem ter a guarda do menor, mantendo ainda a obrigação dos pais de sustento, ainda que não possuam condições naquela ocasião, há um espaço para se colocar tios e avós como guardiões para assim perpetuar aposentadorias que seriam fulminadas com a morte do guardião.

Infelizmente algumas políticas públicas elaboradas com o melhor dos propósitos acabam sendo pervertidas na ocasião em que são postas em prática e isso faz com que o ente público tenha cautela quando percebe o desvirtuamento do seu projeto original.

É o caso da união estável, cuja equiparação com o casamento para todos os fins legais é de irreprovável sensibilidade e justiça. Mas na prática o INSS tem que ter cautela redobrada para, por exemplo, evitar que uma cuidadora não ganhe pensão se fazendo de companheira ou um namorado, ou namorada aventurem o benefício porque têm fotos juntos em redes sociais.

O conceito de menor sob guarda se insere nesse contexto. Em que o Estado tenta conferir o máximo de proteção possível ao menor, reconhecendo e oficializando situações de fato que já vem acontecendo, mas tentando se resguardar dos desvirtuamentos de propósito.

O ideal seria poder separar com precisão o joio do trigo, ou seja, os menores realmente amparados por terceiros daqueles que pretendem registrar essa condição só para ter uma pensão mesmo tendo os pais por perto.

Mas o ideal, como o próprio nome diz, plana no mundo das ideias. Por hora, façamos com o que temos.

Proteção aos menores na medida de cada necessidade real. Porque protegê-los é uma inegável garantia de uma próxima geração melhor.

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