(Divulgação)

COLUNA

Lourival Souza
Diretor da Belonave e Mestre em Economia Política (SMC University, Suíça).
Lourival Souza

A cobiça como política pública

A ciência econômica era outrora balizada pela ciência moral, para que não produzisse injustiça e para que fosse ocasião ao exercício das virtudes e a busca do bem comum.

Lourival Souza

Com a aprovação, na Câmara Federal, do PL 4173/2023, que trata da tributação sobre os investimentos internacionais, o tema das grandes fortunas voltou ao debate e, com ele, as afirmações de praxe: “justiça distributiva fiscal”, “eles pagam pouco” e coisas de tipo. Esse tipo de raciocínio é uma bela amostra da mentalidade moralista e limitada partilhada por muitos que tocam a coisa pública. É como se dessem um “puxão de orelha” nos mais ricos enquanto recuperam o dinheiro que vai salvar o país. É o modus operandi desta gente: jogar a culpa em alguém e ignorar o problema real.

Essa corrida pelas grandes fortunas não trouxe outro resultado no mundo que não seja afugentar potenciais investidores. Quem tem um bom patrimônio, tem meios para protegê-lo e vai buscar incentivos fiscais, cidadania em países com menos tributação, transferir seus ativos para fundações etc. São muitas as formas de escapar. O dinheiro “vai embora”, e o que consegue ser capturado vai para os cofres públicos sem nenhum grande impacto na vida das pessoas. Vai, também, para o bolso daqueles que parasitam a máquina pública.

Um país com PIB de primeiro mundo (1,609 trilhão de dólares em 2021), IDH de terceiro (0,754 em 2021) e problemas de desigualdade de renda se explica, em muito, pela péssima administração pública. Não apenas no que compete ao Poder Executivo, senão que nos outros dois poderes. Para que os benefícios de uma economia cheguem ao maior número de pessoas é necessário que ela cresça e tenha uma certa estabilidade. O crescimento vem através do investimento no setor produtivo – especialmente o privado –, que gera empregos e produz bens e serviços. Isto é riqueza real. Qual o papel do governo? Estabilidade jurídica, responsabilidade fiscal, boa destinação do dinheiro público e, acima de tudo, compreensão do papel que lhe cabe, que é ajudar a sociedade naquilo que ela não consegue fazer por si, sem lhe usurpar a autonomia. Não é o nosso caso. Quem quer investir num país cuja a regra é complicar a sua vida ao máximo e gastar todo o seu dinheiro nessa tarefa?

Dos problemas relacionados à gestão pública, cabe destacar a tragédia do endividamento. Quando o dinheiro dos impostos não cobre os gastos, o governo precisar se endividar e uma das formas é lançar títulos. Quando um cidadão compra um desses títulos, o governo assume o compromisso de lhe pagar. E de onde virá esse dinheiro? Pode vir dos impostos, do dinheiro de outros títulos, mas também pode ser criado. É a mágica estatal. Por uma operação contábil, o governo pode criar dinheiro para si, com o que dois problemas são gerados: inflação e desvio de investimento. A inflação decorre do aumento da quantidade de dinheiro em relação aos bens da economia, ou seja, se há bem mais dinheiro que bens, você precisará de mais dinheiro para comprar a mesma coisa. O desvio de investimento acontece quando os títulos do governo que remuneram com boas taxas e baixo risco tira investidores da economia real para a especulação. A lógica é investir onde o retorno é certo. É um ciclo vicioso que precisa ser quebrado ou, ao menos, mitigado. Do estado da nossa educação e de tudo o mais que afeta a competividade tratarei em outros artigos.

Não estamos diante de um simples problema da ordem econômica. O problema tem base moral. Há visões “ideológicas”, de baixa filosofia, que sustentam e alimentam a sanha arrecadatória e nos desviam do combate do problema real. Ainda hoje, muitas pessoas acreditam que o problema dos pobres está na existência dos ricos, e que na economia um deve ganhar para outro perder.

A ciência econômica era outrora balizada pela ciência moral, para que não produzisse injustiça e para que fosse ocasião ao exercício das virtudes e a busca do bem comum. De Aristóteles até a escolástica tardia (séculos XV e XVI), tal noção era perfeitamente clara. No passado, câmbio, tributação, controle de preços, regulações, juros e tudo o mais passavam por um rigoroso exame moral (objeto, fim e circunstância), para se assegurar a licitude do ato. Tal exame era necessário para se detectar, eventualmente, a malícia que tão bem se disfarça. Hoje, o exame moral é subjetivo e superficial. Já não modela o homem, mas se ajusta a ele.

Tributar é transferir recurso de um particular para o poder público, que deve aplicá-lo em prol do bem comum. Reconhecemos que não é fácil. Há de se avaliar muitas coisas, como o uso e destino dos recursos, o impacto das regras na economia e a capacidade contributiva. Ora, mesmo que o impacto de um tributo não transforme o milionário em mendigo, não significa que podemos fazer planos com o dinheiro alheio. Se não há fundadas razões técnicas e morais para tal, essa sanha pela arrecadação, e pelas grandes fortunas, só se explica pela cobiça e ressentimento, dois filhos da inveja.

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