(Divulgação)

COLUNA

Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Sônia Amaral

O Processo

Em qualquer país civilizado, as regras processuais devem ser observadas para a garantia dos direitos de todos: daqueles que não cometem ilícitos e daqueles que cometem

Sônia Amaral

Escuto, com muita frequência, alguns afirmarem que “bandido bom é bandido morto”. Quem afirma isso acredita que a polícia, em “julgamento” sumário, ao prender quem delinque, deve “julgar” e executar a sentença, matando quem cometeu o delito. Desculpa os que pensam assim, mas não concordo.

Em qualquer país civilizado, as regras processuais devem ser observadas para a garantia dos direitos de todos: daqueles que não cometem ilícitos e daqueles que cometem. Essas garantias processuais são importantes para que não se cometam injustiças. Ou vocês acham que basta a polícia prender e a pessoa já é culpada? Creio que não.

E mesmo para aqueles presos em flagrante delito, o processo deve ser observado para que não se condene alguém a uma pena exacerbada, de forma subjetiva, pela preferência do julgador. Se não forem observadas as regras processuais, todos nós corremos o risco de sermos condenados ao arbítrio do julgador, de acordo com as suas preferências.

Juiz é um ser humano igual a você, que sente simpatia ou antipatia por determinadas pessoas; que faz opções ideológicas (mesmo não as declarando) e que, muitas vezes, pode ser influenciado por estas na hora de decidir; que tem, enfim, uma história de vida que impacta, sim, na hora que julga. Os juízes devem ser imparciais, e a maioria o é, mas não são isentos. Isenção é algo só atingido pelo Super-Homem, e eu asseguro que não somos super-homens. 

As regras de processo garantem (ou deveriam garantir), por exemplo, que a investigação de um crime seja realizada pela polícia, órgão do Poder Executivo, e que, se aquilo se transformar em um processo criminal, o julgador não será previamente escolhido ou que, de alguma forma, tenha interesse no resultado do caso. 

Garantem, ainda, que se mantenham presos, durante a tramitação do processo, apenas aqueles que representem perigo à garantia da ordem pública ou ao desenrolar do processo. E, para tanto, o julgador tem de fundamentar a opção pela prisão, demonstrando o porquê do perigo. 

Garantem que cada um responda a uma acusação individualizada, ou seja, que o denunciado saiba exatamente do que está sendo acusado. Afinal, se não sei do que me acusam, como posso me defender? Esse é um direito básico. 

Garantem, dentre outras coisas, que, se condenado, o juiz demonstre cabalmente que aquele se enquadra no que diz a lei. Portanto, se a lei diz que comete, por exemplo, o crime de roubo quem se apodera de algo se valendo de violência, o julgador tem de mostrar na decisão que A subtraiu um bem de B, mediante violência. Se não houver violência, mas somente a subtração, foi apenas furto. 

Repito: as garantias processuais nos asseguram viver em um país com regime democrático e de direito e, com efeito, nos coloca na condição de sociedade civilizada. A não observância nos remete à barbárie, à vitória do mais forte sobre o mais fraco, ao arbítrio. 

Isso tudo me lembra a obra fenomenal, que tenho como livro de cabeceira, “O Processo”, de autoria de Franz Kafka, considerado um dos mais importantes escritores ocidentais. Nascido em Praga, em 1883, Kafka manteve um tom pessimista em suas obras e destacou a fragilidade da condição humana, em um mundo pouco amistoso. 

Em “O Processo” Kafka conta a história de Josef K., que se vê processado pelo Estado, sem conseguir saber do que era acusado, qual crime cometera. Preso no dia que completara 30 anos, foi levado à frente de um inspetor de polícia que, além da rudeza no tratamento dispensado a K., não sabia informar as razões da prisão. A partir daí o drama de Josef K. só aumenta. 

O advogado contratado é pouco diligente e não consegue sequer responder à pergunta central: do que K. está sendo acusado? O Judiciário, diante de um número infindável de processos, também não lhe presta nenhum esclarecimento. Em suma, o cenário kafkiano nos apresenta um Estado que trilha o caminho da ilegalidade, que esmaga o indivíduo. 

É isso, se não primarmos pelas garantias processuais e acharmos que o melhor caminho para os que delinquem ou mesmo pensam diferente da gente é a forca, sem passar por um processo regular, a próxima parada desse trem pode ser na primeira estação da ferrovia Transiberiana, usada por Stalin, na Rússia Comunista, para expurgar opositores ou mesmo dos que apenas cometeram o “crime” de contar uma piada, como foi o caso de Vera Golubeva. Kafka, 

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