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COLUNA

Ruy Palhano
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano

Hipocrisia

Falso, dissimulado, fingido, insincero, são alguns dos adjetivos pelos quais são conhecidos os hipócritas. Quiçá, seja a hipocrisia uma das mais ameaçadoras desvirtudes humanas.

Ruy Palhano

Atualizada em 25/09/2023 às 11h06

Falso, dissimulado, fingido, insincero, são alguns dos adjetivos pelos quais são conhecidos os hipócritas. Quiçá, seja a hipocrisia uma das mais ameaçadoras desvirtudes humanas. As relações que são estabelecidas com hipócritas são levianas e inconfiáveis pois é através dessas formas que eles se relacionam.

Em Dicionário Etimológico Nova Fronteira, hipocrisia tem sua origem no grego hypokrisía, que significa “fingir”. É composta por HYPÓS, “abaixo” e KRINEIN, “separar”. Este termo em grego foi evoluindo com o tempo e o que significava “separar gradualmente” passou a significar “representar um papel, fingir”. Na realidade esse conceito traduz literalmente a psicologia do hipócrita, qual seja, o de ser uma pessoa fingida, impostora, farsante, desleal e traidora.

Esse fingimento caraterizado pelo comportamento do hipócrita se dá em todas as suas relações e direções, nenhuma escapa. Tanto na prática do dia e no seu cotidiano, quanto na teoria, no discurso ou nos sentimentos, fingem. Pode ser dentro de casa, no trabalho, nas relações sociais, nas artes no ofício ou onde estejam há sempre um padrão de reações disfarçadas inverídicas. Não se tem um farsante, específico para essa ou aquela circunstância ou situações, esse funciona em bloco e em todas as condições com as quais ele se envolva, portanto são traços de personalidade ou de caráter duradouros e persistentes.

Do ponto de vista comportamental, a hipocrisia está relacionada com a formação caracterológico dos sujeitos, atinge igualmente homens e mulheres, e tais comportamentos predominantemente aparecem no curso da adolescência, no início da vida adulta e prosseguem assim pela vida afora. A hipocrisia é um traço que aparece no conjunto de outros comportamentos indesejados, isto é, dificilmente apresente-se de forma isolada. São da mesma forma, pessoas inconfiáveis, apresentam inconfidencialidades e contradições entre o que sentem ou dizem e no que fazem. 

Lamentavelmente, na sociedade moderna e contemporânea o que não falta são hipócritas, os encontramos, frequentemente, exercendo inúmeras funções em diferentes níveis e setores da sociedade com diferentes poderes. Onde essas pessoas se encontram semeiam ódio, dissabores e frustação e espalham aborrecimento e descontentamento, justamente pelo fato de serem pessoas fingidas e inconfiáveis. A índole do hipócrita é maleável, dissimulada e desfavorece ligações pessoais mais seguras, consistentes e duradouras, neles predomina o utilitarismo, o oportunismo e o carreirismo.

Fingem ter sentimentos, que não os têm, demonstram ter opiniões sobre diferentes assuntos, sem consistência ou veracidade. Dissimulam e distorcem realidades, sentimentos, emoções ou outros procedimentos de cara limpa, e sempre em seu benefício e a seu favor e tudo isso em situações pelas quais nunca passou ou viveu. Especula-se que devido a debilidade do ego e do caráter, essas pessoas escondem seus verdadeiros sentimentos, pensamentos e opiniões sobre algo ou alguém. Embora saibam desses comportamentos inverossímeis, os mantém.

Os hipócritas são também superficiais e mentirosos em seus relacionamentos. São incapazes de se aprofundarem no que diz, sente ou faz. São insensíveis quanto a verdade na expressão dos seus sentimentos. Têm plena consciência de sua forma de agir e funcionar, mas não mudam e vivem, permanentemente nessas situações. 

São pessoas malvistas socialmente, quando alguém é identificada em seu ambiente social como um dissimulado ou hipócrita logo jorram enxurradas de comentários desairosos em seu entorno a partir daí são execrados do convivo e desacreditados do ponto de vista social.

Do ponto de vista psiquiátrico e psicopatológico há transtornos mentais onde comportamentos inspirados em hipocrisia são emergentes. Não se pode afirmar, no entanto, que essas pessoas fingidas sejam doentes mentais, por não existir na nosologia psiquiátrica esse tipo de transtorno. Os estudos, são muito poucos nessas áreas e apontam apenas que tais caraterísticas estão mais presentes nos espectros clínicos de algumas dessas enfermidades.

Por exemplo, Transtorno de Personalidade Antissocial, onde a dissimulação, a falsidade e a mentira são traços comuns. Transtornos de Personalidade Narcísico, onde a dissimulação a baixo autocrítica estão fortemente presentes são traços relevantes no espetro clínico e diagnóstico desses enfermos. 

Outros estudos psicológicos apontam no sentido de que a camuflagem idoafetiva, emocional e comportamental, observados nas atitudes desses dissimulados estão subordinados à graves conflitos emocionais, conferindo-lhes um caráter frágil, fraco e de difíceis adaptação psicossocial quanto ás suas realidades, interiores e exteriores. Essas camuflagens funcionariam como uma espécie de defesa, de máscara que os ajudam a se esquivarem de seus problemas emocionais, sociais e psicológicos e a suportarem melhor tais conflitos.

Blaise Pascal, francês, matemático, físico, inventor, filósofo e teólogo católico nos idos de 1662 dissera que “ o ser humano nada mais é do disfarce, mentira e hipocrisia nós engamos os outros e a nós mesmo e em sendo assim, a verdade é que, a mentira é quem sustenta a vida social, porque a verdade é insuportável”. Essa constatação filosófica do Pascal toma corpo se imaginarmos o que seria do mundo se todos nós falássemos as verdades. O mundo se tornaria insuportável e certamente seria bastante diferente desse que conhecemos, pois nós mentimos muito a toda hora tanto para os outros quanto para nós mesmos.

Por isso no mundo de hoje o que hão falta são hipócritas, que estão mentindo em tua cara e você mente também fingindo acreditar nessas mentiras. O mundo está dissimulado, aparente, camuflado e cheios de hipocrisias. Na política e muitas outras profissões humanas, se destacam. Muitos desses, disfarçados de bons cidadãos dão calote em cima de calote, enganando a si mesmo e aos outros, sistematicamente, em um faz de conta infindável.

Enfim, os estudos do ponto de vista psiquiátrico, psicodinâmico, ou mesmo transcultural são pouco expressivos e inabrangentes, sobre a hipocrisia, deixando-nos a desejar sobre mais elementos ou informações quanto ao perfil psicodinâmico e comportamental dessas personalidades. É preciso, portanto, que haja mais estudos e pesquisas consistentes, inclusive antropológico e sociológico sobre a hipocrisia. 

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