(Divulgação)
COLUNA
José Lorêdo Filho
Editor da Livraria Resistência Cultural Editora e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís
José Lorêdo Filho

Uma semana gonçalvina

Decorrido quase um mês da “semana gonçalvina” organizada pela Academia Maranhense de Letras em torno do bicentenário de nascimento do Poeta Maior, faz-se mister algumas breves considerações sobre a importância de tais festividades.

José Lorêdo Filho

Decorrido quase um mês da “semana gonçalvina” organizada pela Academia Maranhense de Letras em torno do bicentenário de nascimento do Poeta Maior, faz-se mister algumas breves considerações sobre a importância de tais festividades — diria mesmo sobre a sua importância em relação ao papel das letras maranhenses no âmbito da cultura brasileira.

A “semana” propriamente dita consistiu na programação de conferências que tiveram lugar na Academia Maranhense, entre os dias 07 e 17 de agosto. Infelizmente, não pude assistir às exposições do acadêmico e escritor Manoel Aureliano Ferreira Neto, da romancista Ana Miranda e do professor Weberson Fernandes Grizoste, mas estou a par de sua excelência. Quanto ao mais, muito abrilhantaram a “semana” outros três grandes nomes, não por acaso três grandes poetas — Marco Lucchesi, o mestre de Bizâncio, tradutor emérito de Vico, São João da Cruz, Rilke e Hölderlin (“o que permanece, fundam-no os poetas”), entre outros, e professor e ensaísta de nomeada; Antônio Carlos Secchin, artesão do verso, herdeiro de Afrânio Coutinho na cátedra universitária e ensaísta de rara sensibilidade, que aproveitou o ensejo para lançar dois livros em que reuniu diversos ensaios de crítica literária, discursos e entrevistas (Papéis de poesia II e Papéis de prosa: Machado & mais. São Paulo: UNESP, 2022), em cujas páginas já me embrenhei; e, por fim, o escritor José Sarney, cujos altos méritos literários sempre é necessário realçar, pelo muito que o acossam, por motivos menores, figuras igualmente menores da vida brasileira.

Tanto quanto a eminência dos conferencistas, há que referir a programação editorial levada a bom termo pela Academia, graças aos esforços dos acadêmicos representados na pessoa do presidente Lourival Serejo, insaciável em seus cuidados gonçalvinos, e que logrou a publicação de importantes obras — em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão, uma edição fac-similar da biografia do Poeta Maior pelo seu amigo Antônio Henriques Leal; a reedição do quase esquecido Ana Amélia e Gonçalves Dias, a versão escrita de uma conferência ministrada pelo historiador Mário Meireles, em 1948, no Teatro Arthur Azevedo; um número comemorativo da Revista da Academia Maranhense de Letras, que deverá sair nos próximos dias, e no qual tive a honra imerecida de colaborar com um ensaio sobre “Gonçalves Dias e a luso-brasilidade”; e, também em parceria com a UEMA, a reedição de todos os Cantos do Poeta da Raça. Todos esses títulos constituem um feito editorial da Casa centenária.

Tais festividades ainda comportaram um achado documental altamente significativo, a indicar os muitos talentos de Gonçalves Dias e sua condição de frondoso polígrafo — o desembagador Lourival Serejo, que une o talento do escritor à operosidade do pesquisador, encontrou nos velhos arquivos do Tribunal de Justiça os originais de uma antiga peça processual assinada pelo causídico “António Gonçalves Dias”. Semelhante descoberta só ampliará o leque dos estudos acerca do autor das “Sextilhas de Frei Antão”, ao menos no que concerne aos seus aspectos biográficos. Os originais da peça foram doados pela Academia à Fundação Biblioteca Nacional, de que é presidente Marco Lucchesi.

Concluo estas breves considerações com uma reminiscência egrégia — quando, na última sexta-feira, estive com o presidente Sarney, velho cultivador do vício imprudente da bibliofilia, mostrou-me, com entusiasmo juvenil, o surrado exemplar de sua última aquisição: a raríssima editio princeps do Ana Amélia e Gonçalves Dias, publicada, em tiragem modesta, em 1949. Folheei o opúsculo com emoção, sob o olhar marejado do mestre de Norte das Águas e O dono do mar. Eis aí a alegria — parafraseando quem não carece de apresentação — que “fica, eleva, honra e consola”.

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