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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O etanol e o neocolonialismo verde

Falamos sobre a história do etanol no Brasil e a luta contra o neocolonialismo camuflado no discurso “verde” de alguns países.

Allan Kardec

Atualizada em 29/08/2023 às 16h02
 
 

O etanol desempenha um papel fundamental na matriz energética brasileira, e sua importância é refletida em várias dimensões: econômica, ambiental, tecnológica e social. A relevância do etanol no Brasil começou com o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1975, embora ele já tenha sido usado como aditivo para a gasolina na década de 1920. Na de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, o país implementou a primeira adição obrigatória de etanol anidro à gasolina, inicialmente com a finalidade de reduzir a importação de combustíveis.

O Proálcool foi uma resposta à crise do petróleo de 1973, visando reduzir a dependência do país em relação ao petróleo importado. Na década de 1980, o programa atingiu seu auge, sendo que a frota de veículos movidos a etanol cresceu exponencialmente. Em 1985, quase 90% dos carros novos vendidos no Brasil eram movidos exclusivamente a esse biocombustível.

O Brasil revolucionou o setor e se tornou líder mundial em tecnologia de produção de etanol e veículos flex, introduzidos no início dos anos 2000, podem operar com gasolina, etanol ou qualquer combinação dos dois. Essa tecnologia ofereceu aos consumidores a possibilidade de escolher seu combustível com base no preço e na disponibilidade, além de diversificar a matriz energética.

Sendo um biocombustível e produzido a partir de fontes renováveis – no caso do Brasil, predominantemente da cana-de-açúcar - quando comparado à gasolina, o etanol emite menos gases de efeito estufa, o que contribui para a redução do impacto do transporte rodoviário na mudança climática. Mais recentemente, o Brasil tem diversificado sua geração desse combustível, com novos investimentos em milho.

O Brasil também é vanguarda em etanol de segunda geração (2G) que é produzido a partir da conversão de biomassa vegetal não alimentar, especialmente componentes que não são facilmente fermentados pela técnica tradicional utilizada para o etanol de primeira geração. Ele é produzido a partir de partes das plantas que não são tradicionalmente usadas para alimentação ou para produção de biocombustíveis de primeira geração. Isso inclui resíduos agrícolas como palhas, bagaço da cana-de-açúcar, cascas de árvores, entre outros. Também pode incluir cultivos energéticos não alimentares, como o capim-elefante.

Um aspecto central do debate hoje é a captura de carbono. Por exemplo, a estratégia em que as emissões geradas por uma atividade são compensadas ou equilibradas pela remoção ou sequestro de uma quantidade equivalente de CO2 em outro lugar ou por outro processo. O etanol combustível, especialmente o derivado da cana-de-açúcar, é frequentemente considerado mais próximo do "carbono neutro". As plantas, como a cana-de-açúcar, absorvem dióxido de carbono da atmosfera durante seu crescimento por meio da fotossíntese. Esse CO2 é então convertido em biomassa.

Mais ainda, ao longo dos anos, o setor sucroalcooleiro tornou-se um dos pilares da agricultura brasileira, gerando empregos, renda e contribuindo significativamente para o PIB nacional. A indústria do etanol gera milhares de empregos diretos e indiretos no Brasil, desde o cultivo da cana-de-açúcar até a produção e distribuição do etanol. Esses empregos são cruciais para muitas comunidades rurais, onde as oportunidades podem ser limitadas.

No seu pronunciamento na cúpula dos BRICS na África do Sul, o presidente Lula expressou críticas direcionadas às nações desenvolvidas, fazendo uma alusão sutil à Europa. Ele enfatizou: "É inaceitável um neocolonialismo verde que estabelece obstáculos comerciais e práticas discriminatórias usando a justificativa da preservação ambiental."

Uma das características mais marcantes do neocolonialismo é justamente a continuidade da dependência econômica após a invasão e colonização. Embora as nações tenham alcançado independência política, muitas delas continuam a depender economicamente dos países industrializados. Isso pode se manifestar através da dívida externa e necessidade de empréstimos de instituições financeiras internacionais ou de um conjunto limitado de exportações, muitas vezes produtos primários ou matérias-primas, enquanto importam bens manufaturados a preços mais altos ou investimento estrangeiro direto, onde empresas multinacionais dominam setores-chave da economia.

Bom lembrar que matriz energética do Brasil é diversificada e possui uma característica marcante: uma alta participação de fontes renováveis. O reforço, por exemplo, do uso de etanol por veículos aparece como uma opção concreta, objetiva e factível para ampliar a política de captura de carbono.

Em um momento grave, em que alguns defendem desastradamente a perda de soberania e da autossuficiência em petróleo, reforçando assim o neocolonialismo energético, é bom recordar que há um século o Brasil tem política para o etanol, hoje com cana de açúcar e mais tarde com a produção de milho. Nosso país tem uma história exuberante em estratégias de produção de energia, com uma matriz diversificada e única. Basta abrir a janela e olhar lá fora pra ver o Brasil da energia.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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