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COLUNA

Euges Lima
Euges Lima é historiador, professor, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do IHGM.
Euges Lima

200 anos de Gonçalves Dias, o poeta do Brasil

Um dia antes do acidente, pedira a tripulação que o levasse até o convés, já dava para avistar o litoral maranhense, a Terra das Palmeiras.

Euges Lima

Hoje, é dia de o Maranhão e o Brasil, comemorar o bicentenário de nascimento do genial bardo maranhense - o grande poeta Gonçalves Dias -; o poeta que criou uma identidade nacional à poesia brasileira na primeira metade do século XIX e, portanto, uma identidade nacional do próprio Brasil, enquanto nação, enquanto país. É sem dúvidas, um dos pais fundantes da nossa nacionalidade. 

Sua célebre Canção do Exílio – Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá - está no imaginário brasileiro, é a poesia mais popular do Brasil (pelo menos sua primeira estrofe) desde sua publicação no livro inaugural do poeta: Primeiros Cantos de 1846. A compôs quando tinha apenas vinte anos (1843) e estava distante de sua terra, de sua gente; nostálgico e saudoso, em terra estranha, cursando Direito em Coimbra, Portugal. Comparava as coisas de Portugal com as do Brasil (Maranhão), mas as coisas daqui eram sempre mais, melhores e mais prazerosas que as de lá: Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores.

Há duzentos anos, no dia 10 de agosto de 1823, Antônio Gonçalves Dias, nascia, a oitenta e quatro quilômetros da então cidade de Caxias, num sítio chamado Boa Vista, nas matas do Jatobá (atual município de Aldeias Altas) e iria tornar-se um dos maiores poetas do Brasil e um dos maiores intelectuais do seu tempo. Uma personalidade que certamente figura no rol dos maiores brasileiros de todos os tempos. 

O poeta nasceu no mesmo ano da Independência no Maranhão, alguns dias depois de sua "adesão oficial". Seu pai era um comerciante português, natural de Trás-os-Montes e chamava-se João Manoel Gonçalves Dias, seu avô paterno, chamava-se Antônio Gonçalves Dias, daí vem a origem do seu nome. Sua mãe era Vicência Mendes Ferreira, uma mestiça caxiense.

Gonçalves Dias nasce sob o signo das guerras de Independência do Brasil no Maranhão e num contexto de acirramento das rivalidades e tensões entre lusos e brasileiros, fato que de alguma forma, marcaria sua vida e sua obra. “As províncias do Norte do Brasil foram as que mais tarde aderiram à independência do Império. Caxias, então chamada Aldeias Altas, no Maranhão, foi a derradeira. A independência foi ali proclamada depois de uma luta sustentada com denodo por um bravo oficial português que ali se fizera forte. Isto teve lugar a 1.º de agosto de 1823[...]”, relatou certa vez o poeta em uma nota autobiográfica, citada por sua biógrafa Lúcia Miguel Pereira (1943).

João Manoel, português, obviamente, apoiou as tropas realistas do Major Fidié e seu nome, consta no Livro de Atas (acervo do IHGC) dos comerciantes e fazendeiros que contribuíram financeiramente para causa portuguesa em Caxias. Como desdobramento desses acontecimentos, após a rendição da cidade de Caxias no dia 31 de julho que se encontrava sitiada pelos independentistas há vários meses, o pai de Gonçalves Dias com receio de represálias que possivelmente sofreriam os portugueses e sendo obrigado a pagar pesada multa por ter colaborado com as tropas fieis à Portugal, se refugia com Vicência, grávida de Gonçalves Dias, já com oito meses ou mais de gestação, em seu sítio Boa Vista, nas terras de Jatobá, onde nascera o Vate maranhense. É todo esse contexto histórico que explica o nascimento do poeta fora da sede de Caxias.

Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá: Em 3 de novembro de 1864, aos 41 anos, morria Gonçalves Dias, depois de uma longa e sofrida viagem da França para o Brasil, que já durava 53 dias. O poeta, que se encontrava gravemente enfermo e que teria piorado bastante nos últimos dias, estava prestes a realizar o seu objetivo, chegar ao Maranhão e rever amigos e familiares, antes de morrer.

Um dia antes do acidente, pedira a tripulação que o levasse até o convés, já dava para avistar o litoral maranhense, a Terra das Palmeiras. Sentira-se mal, emocionara-se e o retornaram urgente a sua cabine. Gonçalves Dias, já não falava mais, tinha operado na Europa a úvula palatina da garganta, alimentara-se nos últimos dias só com água de açúcar.

Gonçalves Dias era o único passageiro a bordo do velho veleiro “Ville de Boulogne” que estava com uma equipagem de doze tripulantes. Porém, finalmente, quando o navio já se encontrava na costa maranhense, numa região conhecida como Baixos dos Atins ou Croa dos Ovos - nas imediações da Praia de Araoca -, já bem próximo a então Vila de Guimarães, aconteceu o pior, às 4 horas o barco colidiu com um banco de areia e partiu ao meio.

Segundo o inquérito policial aberto por ocasião do sinistro, os depoimentos da tripulação são contraditórios e fica claro que Gonçalves Dias foi esquecido em sua cabine na hora da evacuação do navio e sua tripulação. Quando o capitão lembrou-se do único passageiro ilustre e ordenou que fosse resgatá-lo, já era tarde, toda cabine já se encontrava completamente inundada.

Na confusão do naufrágio, no corre, corre da tripulação, o poeta, que já vinha em condições bem debilitadas, praticamente sem mobilidade, acabou sendo esquecido pela tripulação em sua cabine e ficou para morrer afogado. Seu corpo e os manuscritos inéditos que trazia consigo, jamais foram encontrados. Restou um pedaço de madeira esculpido com parte do nome do navio que pertence ao acervo do Museu Histórico e Artístico do Maranhão e outro pedaço com o restante do nome na Academia Brasileira de Letras.

Henriques Leal, médico e escritor maranhense, autor de O Panteon Maranhense, leal amigo do poeta, envidou grandes esforças para resgatar o corpo e seus pertences, mas tudo foi inútil, nada foi encontrado de valor, além de roupas e uma dentadura. O poeta usava prótese dentária. 

O poeta tinha entre suas bagagens uma pequena mala, que trazia sempre sua chave presa ao pescoço, demonstrando cuidado e preocupação com o seu conteúdo. Certamente, eram poesias, textos, anotações, inéditas, que produziu durante os dois anos que vagou pela Europa, percorrendo várias estações de águas térmicas, a fim de amenizar seus males; indo a vários médicos especialistas em busca de tratamento para o seu estado de saúde que a cada dia se agravava, tudo se mostrou inútil. O escritor Henriques Leal , sabia dos trabalhos inéditos que Gonçalves Dias trazia, tinha esperança em encontrá-los para depois publicá-los como derradeira homenagem, porém não teve sucesso. Há rumores que os papéis do poeta foram parar em Alcântara, o mar os teria levado, mas isso nunca foi confirmado, muito menos, tais papéis foram encontrados.

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