(Divulgação)

COLUNA

Lourival Souza
Diretor da Belonave e Mestre em Economia Política (SMC University, Suíça).
Lourival Souza

A PEC da Enfermagem, os salários e uma economia negligenciada

A luta pelo aumento salarial não seria tão frequente se a moeda e a economia não fossem tão negligenciadas.

Lourival Souza

Não passa um ano sem que alguma categoria peregrine ao parlamento em busca de algum reajuste. A PEC 11/22, conhecida como PEC da Enfermagem, é o episódio mais recente. Da sua aprovação pelo Congresso à decisão do STF, muito se falou de falta de vontade política e desprestígio da classe. Mas até quando esse piso servirá? Aliás, não seria possível acabar ou diminuir sensivelmente a necessidade quase anual de recorrer à classe política?

Um brasileiro que chega aos Estados Unidos não demora a encontrar trabalho – que não requer ensino superior – e, dentro de um ano, já te, acesso a bens que aqui só se consegue depois de uns 5 anos de formado. O que explica essa diferença? Resumidamente, a combinação de uma moeda estável e uma economia forte com boa oferta de bens e serviços.

Quando uma moeda é estável, seu valor não varia de forma abrupta. É possível observar tal fenômeno no comportamento dos preços. Quem tem mais de 35 anos deve lembrar que, no começo dos anos de 1990, a população, quando ia ao supermercado, comprava tudo, pois não sabia quais seriam os preços no fim do mês. Em 1993, veio o Plano Real, que sanou o problema, ao menos temporiamente. Digo isto porque não basta que a variação esteja num nível razoável, é importante que perdure. Desde a sua implementação, o Real já perdeu mais de 80% do seu valor. Compare o que se comprava com R$100 há 30 anos. 

A corrosão do valor da moeda tem nome: inflação. O que é isso? O leitor responderá: “aumento de preços”. Na verdade, o aumento é o efeito da inflação. A inflação tem a sua origem quando a quantidade de dinheiro em circulação é bem maior que a quantidade de bens. Imaginemos um país hipotético, com mil reais em circulação e que só conte com quatro produtos, digamos laranjas. Se dividimos mil por quatro, veremos que o preço será de 250. E o que acontece se dobramos a quantidade de dinheiro? O preço tenderá a 500. Essa é a lógica. Da mesma forma, se aumentarmos a oferta de laranjas, o preço tenderá a baixar. Se tenho dinheiro em excesso, os preços sobem; se tenho uma boa oferta de produtos, os preços caem.

A oferta de dinheiro é uma atribuição do Estado. Aqui a coisa fica interessante. Se qualquer um de nós precisar de mais dinheiro, temos apenas três alternativas: ou ganhamos mais ou gastamos menos, ou pedimos empréstimo. Se qualquer um de nós resolver imprimir dinheiro, vai preso. Bem, o Estado pode fazer isso tudo e imprimir. É isso mesmo, pode criar dinheiro do nada para pagar as suas despesas. O problema é que, ao fazê-lo (através de dívida e outros dispositivos), causa o fenômeno inflacionário. Sendo o primeiro a gastar esse dinheiro, não vai sentir a alteração de preços que só acontece depois que esse montante circula. Quando o dinheiro chega na mão do cidadão, os preços já estão mais caros. Como dizem alguns economistas, a inflação é um imposto extraoficial.

Apelar para a criação de dinheiro é uma “boa” alternativa segunda a péssima “lógica” da política. Vejamos, se aumentar a receita via aumento de impostos, corre o risco de impopularidade; se cortar gastos, vai atingir o privilégio de alguns grupos, especialmente dos aliados; se pedir muito empréstimos, pode não conseguir pagá-los. É preciso pontuar que essa situação não é exclusividade do Brasil, mas aqui é feito da forma mais grosseira e escandalosa. Analisemos a oferta de bens e serviços.

Para aumentar a oferta de bens e serviços, precisamos de um ambiente favorável para as empresas e o seu investimento. Isto requer: tributação baixa e descomplicada, população devidamente qualificada para o trabalho, boas leis, segurança jurídica e segurança pública. Não sei se o leitor sabe, mas a falta de segurança é uma das razões que mais leva as pessoas com dinheiro e boa formação a deixarem o país. Para se ter uma noção do quão péssimo é o nosso ambiente de negócios, uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial (Doing Business 2020) revelou que ocupamos a 124ª posição de 190 países. 

Imaginem quantos produtos e soluções melhores e mais baratas deixam de surgir. Quantas fábricas não abrem, fecham ou saem do Brasil? Quantas lojas fecham as portas depois de 20 assaltos? E já que estamos falando de salários, quantos empregos deixam de ser oferecidos em decorrência dos tributos sobre a folha de pagamento?

Somos um país privilegiado: grande, boa posição geográfica, solo fértil e rico em minerais e populoso. É uma terrível negligência o que se pratica aqui. Não há outra explicação: alguém lucra muito com esse estado de coisas. Para rompermos com esse descalabro, é fundamental que as associações laborais ampliem a sua compreensão acerca dos problemas nacionais e que, junto com outras (empresariais), apoiem propostas e reformas que ataquem o problema na causa. Se as associações continuarem focadas apenas no interesse imediato de classe e desarticuladas, continuarão a viver de migalhas.

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